Em um intervalo de 18 meses, as alas voltadas para o público LGBTQIA+ da Penitenciária Jason Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte, registrou 12 suicídios e mais de 60 tentativas de autoextermínio. Diante da situação, a unidade acabou interditada, nesta quarta-feira (13) pela Justiça e, agora, só poderá receber presos deste público que sejam oriundos da Grande BH.
A interdição foi proferida pela juíza Bárbara Isadora Santos Sebe Nardy, da Vara de Execuções Penais da comarca de Igarapé. Na decisão, ela proibiu a transferência de pessoas que não residem na região metropolitana, uma vez que, desde julho de 2021, quando a ala LGBTQIA+ foi criada, presos de todo o Estado estariam sendo levados para a unidade.
"Até a presente data a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) não adotou providências necessárias à definição de tais espaços nas 19 Regiões Integradas de Segurança Pública (RISPs) e vem transferindo para a Jason pessoas presas de todo o Estado, importando em verdadeira penalização e segregação de território daquela pessoa que autodeclara ser LGBT em Minas Gerais", escreveu a magistrada.
Na decisão, a juíza considerou ainda que, na terça-feira (12), outro detento tentou suicídio, que segue em situação crítica em uma unidade de saúde da região.
Além de não poder transferir presos deste público que não sejam da região metropolitana, a unidade prisional terá 90 dias para identificar pessoas de outras regiões do estado para providenciarem as suas transferências para presídios próximos de sua origem.
Procurada pela reportagem, a Sejusp informou que o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) recebeu a notificação da Justiça e cumprirá as determinações. "Segundo a ordem judicial, a unidade prisional deverá receber apenas presos da Região Metropolitana de Belo Horizonte", completou o órgão.
O TEMPO adiantou há 10 meses situação da unidade
A onda de suicídios nas alas LGTQIA+ da Penitenciária Jason Albergaria foi denunciada pela reportagem de O TEMPO em setembro de 2021, há cerca de 10 meses atrás. Na ocasião, eram cinco suicídios registrados na unidade prisional.
Foram ouvidas na ocasião várias pessoas que estiveram na penitenciária. “Os agentes zombam da gente, nos tratam como bicho. Tenho pesadelos até hoje”, diz uma jovem transexual que ficou apenas três dias lá dentro.
Para Cristina Oliveira, uma transexual que passou cerca de seis anos na penitenciária, o cotidiano de tormento resultou na morte do companheiro. Ele também estava preso e suicidou-se depois de uma suposta crise. A própria Cristina assume que já havia tentado o autoextermínio após receber a condenação de 17 anos de prisão. “A vida havia ficado pequena pra mim”, relembra.
A trajetória de Cristina no sistema prisional resume o cenário de afronta aos direitos fundamentais. Ela afirma que foi vítima de abuso sexual cometido por dez homens em outra prisão. Atualmente está em prisão domiciliar e tenta conseguir um emprego. “Meu namorado entrou em depressão na cadeia”, conta a ex-detenta. Ela soube da morte do companheiro quase um mês depois. “Eu mandava carta, e ele já estava morto. Eu ligava, e não falavam nada”, revolta-se.
O motoboy Geovane Batista felizmente escapou dessa estatística mórbida. Ao chegar a uma ala LGBTQI+, ele foi alvo de agressões verbais, além de limitações para comer, beber e tomar banho. Testemunhou o uso indiscriminado de remédios. “Me davam paracetamol e dipirona sem saber o que eu realmente tinha. Te tratam como cachorro”, revela. Ele denuncia que a situação só melhorava quando havia visita de representantes do Ministério Público. “A água voltava, e serviam uma comida melhor. Era inacreditável”, diz. “Cheguei a pensar em tirar minha vida”, conclui. Após ficar quase quatro anos na unidade, Batista está em prisão domiciliar e com emprego.
A ex-detenta Isabella Cristina saiu do presídio há cinco meses e também tenta levar a vida adiante, após vivenciar uma piora no contexto das alas LGBTQI+ nos últimos tempos. “Faltaram políticas públicas”, diz a transexual, que relata ter percebido uma piora na saúde mental dos detentos após a proibição das visitas presenciais, em função da pandemia. Para ela, muitos detentos estão tomando doses de medicamentos acima do recomendado por displicência da administração.
Confira o vídeo com os relatos: