OPORTUNIDADE

Juventude periférica ocupa a PBH: lei dá prioridade para vagas de jovem aprendiz

Jovens em cumprimento de medida socioeducativa ou egressos do sistema prisional estão na lista de preferência para as vagas; especialistas celebram política social

Por Isabela Abalen
Publicado em 31 de maio de 2023 | 16:54
 
 
 
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O ambiente de trabalho nos departamentos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) vai mudar. Jovens negros, de áreas periféricas e em situação de vulnerabilidade vão passar a ocupar as vagas de Jovem Aprendiz das secretarias, fundações, empresas e coordenadorias do Executivo. Com a contratação de uma diversidade de corpos, ideias e vivências, especialistas analisam que a medida amplia as oportunidades de trabalho e inserção social de uma juventude historicamente sem perspectiva. A PBH informou que está em contato com organizações da sociedade civil e há 230 mil famílias inscritas no CadUnico na cidade.

A nova lei publicada no Diário Oficial do Município (DOM) desta quarta-feira (31), de nº 11.510, define que, na seleção para jovens aprendizes da prefeitura, passa na frente o jovem de 14 a 24 anos que for de família beneficiária do Programa Bolsa Família ou inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) em situação de pobreza ou extrema pobreza. Além disso, adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa ou jovens egressos do sistema prisional também devem ser preferidos. A lista vai além em especificar outros grupos vulneráveis (veja abaixo).

Sendo assim, raça, renda e qualquer nível de exclusão social, ao invés de afastar o candidato da oportunidade de trabalho, o rankeia. Esse já era o objetivo da proposta quando foi apresentada pela Comissão Especial de Estudo de Empregabilidade, Violência e Homicídio de jovens negros da Câmara Municipal de Belo Horizonte. “O projeto surgiu, principalmente, da tentativa de romper com a discriminação dos jovens que cumprem medidas socioeducativas. Oportunidade de trabalho é direito e, mesmo assim, essa juventude é negligenciada”, conta a vereadora Iza Lourença (Psol), uma das autoras do projeto de lei. 

Reparação de violações

A comissão visitou unidades socioeducativas da capital e conversou com os adolescentes, o que fundamentou a proposta. Para Iza, a iniciativa repara uma série de violações de direitos que esse público enfrenta. “Um jovem que nasceu em uma periferia de BH já não tem direito de transitar pela cidade com este preço da tarifa do transporte público, não tem acesso a políticas de cultura, consegue frequentar a escola com muito esforço, enfrenta, às vezes, fome. Essas violações de direito facilitam um ato infracional e dificultam a entrada no mercado de trabalho. É papel do Executivo se responsabilizar e tomar uma atitude sobre isso”, afirma. 

Prevenção à criminalidade 

“Um jovem com carteira assinada é menos um jovem envolvido com droga, segurando uma arma”. A fala do advogado criminalista Greg Andrade expõe a mudança de perspectiva que é sugerida na vida de um adolescente de periferia quando lhe aparece a oportunidade de trabalhar e receber por isso. O salário de um jovem aprendiz está na média dos R$ 600, e, uma vez dentro do serviço, ele tem a possibilidade de crescer de cargo. 

Greg, inclusive, usa da própria história para provar que políticas de reinserção são bem-vindas. O advogado é egresso do sistema prisional e se formou após receber liberdade. “Essa medida é extremamente importante. A força do mercado está na juventude e nós estamos aprisionando os jovens. Essa é uma política social de prevenção da criminalidade, oportunidade de trabalhar e qualificar esse público é justiça social. É mostrar que existe um outro caminho”, celebra. 

Novas possibilidades 

O cientista social e especialista em impacto social, liderança e juventude, João Saraiva, concorda que facilitar a entrada dos jovens em situação de vulnerabilidade no mercado de trabalho é uma forma de provar que, para eles, também há futuro. “A medida é simbólica em expandir as possibilidades da vida de um adolescente periférico. Isso o empodera, mostra que aquele espaço o pertence”, diz. 

Ainda, uma vez que o órgão é a Prefeitura de Belo Horizonte, o especialista aponta para a formação cidadã que o jovem aprendiz terá contato. “Estando na prefeitura, essa juventude vai ter acesso a processos do poder Executivo, vai poder entender a função do órgão, entrar em contato com autoridades e ações de impacto social e políticas públicas. É um ganho imensurável de conhecimento”, continua. 

De fato, a iniciativa do governo municipal também tem o objetivo de aproximar os adolescentes das decisões políticas da capital. “O jovem, prestando um serviço pela cidade, fica ciente dos seus direitos, passa a desejar ser um vereador, procura uma graduação para continuar nas diversas áreas do município. É transformador”, acrescenta a vereadora Iza Lourença. 

Para quem começou a carreira como jovem aprendiz, a medida reflete a própria história. É o caso do advogado Gilberto Silva, que entrou como jovem aprendiz no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e de lá só saiu 30 anos depois. “Formou minha vida”, conta. “A maioria desses jovens são pessoas negras, com menos condições de competir no mercado de trabalho. Quando entram em instituições importantes, são motivadas a ocupar espaços de poder e construir carreira. São deslocados de uma realidade que apresenta o crime como única opção”, afirma ele que também é presidente da Comissão de Igualdade Social da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim-MG). 

Exemplo para outras entidades

O esperado é que a iniciativa do município sirva de exemplo para outras instituições. “Quando o poder público aplica políticas como essa, faz com que as empresas privadas e outros setores assumam a coragem de implementar a mesma medida”, aponta Silva. Para Greg Andrade, não há barreiras para medidas de inclusão de jovens periféricos. “Isso é política social para ser copiada deliberadamente pelo Estado, por empresas, pelas instituições”, parabeniza. 

Uma mão puxa a outra 

Outro fator que potencializa a nova lei em Belo Horizonte é o “efeito multiplicador”, de acordo com o especialista João Saraiva. “É uma externalidade positiva. Quando o jovem volta para casa, ele compartilha o que aprendeu com a família, promove diálogo na própria comunidade”, explica. “Por exemplo, durante a atividade, fica sabendo de uma nova lei que foi aprovada e leva a notícia para onde mora, expande as oportunidades”, continua. 

Saraiva chama atenção para a geração de novas perspectivas para o ciclo social dos adolescentes e jovens adultos. “Esse aprendiz tem irmão, primo, vizinha. Ele vira exemplo vivo de que existe oportunidade. E conta para os amigos como participar, como também se tornar jovem aprendiz. É uma porta de entrada para as outras pessoas que compartilham o mesmo espaço”, aponta. 

Política de permanência é o que vai definir sucesso da medida 

Abrir as portas para que os jovens em situação de vulnerabilidade possam ocupar vagas na prefeitura é metade do caminho. Uma vez dentro das instituições, os jovens aprendizes precisam ser inseridos no ambiente de trabalho de forma que consigam permanecer. “O jovem traz a sua diversidade, está vivendo um momento de reafirmação de identidade. Isso pode causar estranhamento de estética que não é padrão no mercado. Diversidade racial, cultural e de gênero se manifestam no corpo. Como os funcionários vão lidar com isso?”, questiona João Saraiva. 

A proposta do especialista é que haja preparação dos dois lados. “É necessário um treinamento, uma conscientização prévia para pensar esse acolhimento dos jovens aprendizes. Para reforçar que há aprendizado dos dois lados, tanto do adolescente que já chega com um saber, tanto do ambiente de trabalho que vai treiná-lo sobre o funcionamento do departamento, as políticas internas e as relações”, afirma. 

O advogado Gilberto Silva aponta a possibilidade de investimento no acompanhamento desses jovens na carreira. “É imprescindível que se tenha acompanhamento psicológico e de capacitação. Esse jovem vai passar por um período de adaptação. De início, pode ser um choque de realidade, mas, com o apoio da instituição, a sua permanência pode ser postergada”. 

O trabalho do Jovem Aprendiz vai de 30 horas semanais, caso o adolescente ainda esteja na escola, até 40 horas, aos formados no ensino médio. Isso, sendo um dia da semana dedicado para curso profissionalizante. 

Contratado como aprendiz, o adolescente recebe salário e outros direitos trabalhistas e previdenciários, como vale-transporte, 13°, férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Isso que é registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social.

A prefeitura de Belo Horizonte ainda não detalhou como funcionarão os próximos processos seletivos para jovem aprendiz no município. O Executivo informou, porém, que o programa ainda está em fase de construção, a publicação da Lei acrescenta o artigo que define as prioridades de participação.

"Atualmente, estamos caminhando para a fase de seleção de OSCs (Organizações da Sociedade Civil) para a execução do programa. Temos atualmente 230 mil famílias inscritas no CadUnico na cidade".

Confira os grupos prioritários para as vagas de jovem aprendiz da PBH: 

  • jovens, adolescentes, pessoas com deficiência e reabilitados cujas famílias sejam beneficiárias do Programa Bolsa Família ou cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais - CadÚnico - em situação de pobreza ou de extrema pobreza;
  • adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa ou egressos do sistema socioeducativo;
  • jovens, adolescentes e pessoas com deficiência e reabilitados beneficiários do Benefício de Prestação Continuada - BPC;
  • jovens de 14 (quatorze) a 24 (vinte e quatro) anos em situação ou egressos de acolhimento institucional;
  • jovens egressos do sistema prisional ou em cumprimento de pena;
  • jovens imigrantes ou refugiados;
  • jovens indígenas ou oriundos de povos e de comunidades tradicionais;
  • jovens em situação de violação de direitos ou de violência.

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