"Nota 10"

Menina de sete anos frequenta aulas com a mãe e é até 'incluída' na chamada

Bruna acompanha a mãe, que é aluna de Design da Universidade Federal de Uberlândia e participa dos trabalhos, o professor afirmou que a menina leva jeito

Por Franco Malheiro
Publicado em 26 de junho de 2019 | 16:19
 
 
 
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Com 7 anos de idade, completando 8 na próxima sexta-feira (28), a pequena Bruna ainda não se preocupa, e nem deve, com o curso superior que vai seguir. No entanto, o universo acadêmico faz parte da rotina da menina desde que ela tinha apenas 5 anos de idade. É que sua mãe, a estudante de design, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Thami Reis, de 27 anos, a leva para as aulas por não ter onde deixá-la. Hoje, com a mãe cursando o último período, Bruna já faz parte da turma, ainda mais na aula do professor Lu Laurentiz, que fez questão de inserir o nome da menina na lista de chamada, chamá-la para a participação das aulas e até pediu para que ela também fizesse os trabalhos que são passados para turma. Segundo o docente, a menina leva jeito.

O gesto do professor foi compartilhado por Thami em uma rede social e logo viralizou. De acordo com a estudante, ela nunca encontrou objeção por parte dos professores por levar a filha para as aulas, mas ela garante que a forma humana e afetuosa que o professor Lu a tratou fez toda a diferença.

“Sempre me falavam:'Tudo bem ela ficar se ela ficar quietinha'. O Lú fez diferente, ele  incentiva a Bruna a participar ativamente da aula, ele coloca o nome dela na chamada, e quando tem trabalho ele a convida pra fazer o dela e apresentar lá na frente", ressaltou.  

"Isso fez com que ela se sentisse muito à vontade na aula, ela pede pra eu explicar o que deve ser feito em cada trabalho e ela mesmo faz, e apresenta sozinha”, completou a estudante que cursa a disciplina optativa “Geleia Geral”, ministrada por Laurentiz e que discute o movimento tropicalista e a estética pós-moderna. 

O último trabalho em que Bruna participou na disciplina foi a confecção de um parangolé -um tipo de roupa- que deveria ser inspirado em algum artista tropicalista. Bruna também fez o seu. A artista escolhida pela menina foi a mineira Ligia Clark. Segundo, Laurentiz, o trabalho ficou “uma graça.”

“A disciplina é teórica e pratica e fui percebendo que ela se interessa por vários aspectos. Todo processo de criação ela queria participar e eu a incentivei, comentando o que ela fazia, como comento dos alunos. Na confecção do parangolé, todo mundo bateu palma quando ela terminou de apresentar e realmente ficou muito bem-feito, uma graça”, relembra o professor que nota um interesse da garota por pesquisa e arte. 

“O bom é que aí começa a ter noção de gosto sobre obras e até mesmo entende que pode fazer releituras”, contou.

E a garota retribui o carinho com o professor. “Eu adorei fazer o parangolé, me sentir um designer. E o Lu me trata muito bem, com muito carinho eu adoro ele. Ele deixa eu fazer os trabalhos que eu adoro e acho muito legal”, afirma Bruna, que diz gostar muito de Design, mas ainda não sabe o que vai fazer quando crescer.

“Penso em design, inglês para ser professora, mas ainda não sei. Não me preocupo com isso”, afirmou. 

Rotina

A mãe de Bruna conta que divide a guarda com o pai da garota que também é estudante da UFU e que precisou levar a menina para as aulas noturnas. De acordo com ela, durante o dia eles conseguem bancar uma escola particular para Bruna, mas ambos não têm condições de pagar alguém para cuidar da criança à noite e nem os pais dela, nem os do pai vivem em Uberlândia. Mas ela garante que sua vida acadêmica foi muito proveitosa. 

“O meu curso é integral, eu sempre tentei fazer as matérias diurnas nos horários que ela estava na escola, mas sempre acontecia de eu precisar sair 30 min mais cedo pra buscar ela na escola ou chegar atrasada nas aulas da manhã. Isso me fez sempre andar no limite das faltas. Apesar disso eu me considero uma boa aluna, estive sempre muito envolvida na faculdade”, afirmou.  

Thami afirmou que a menina já está totalmente inserida na rotina da turma e que é querida por todos. 

“Ela está muito acostumada com o ambiente acadêmico, ela se gaba que conhece todos os blocos da UFU, ela conhece as funcionárias das cantinas, e conversa com a maioria dos meus colegas de sala”, relatou Thami. 

Repercussão

O professor afirmou ao jornal O Tempo que assustou com a repercussão, por considerar natural o seu gesto. 

“Eu acho muito natural. Em 30 anos de UFU já acolhi outras mães com filhos, pois prefiro que a aluna não perca minha aula e possa se formar, é para isso que sou professor”, ressalta, mas fica feliz em contribuir com a discussão que para ele é essencial. “Com toda essa repercussão, muitas mães fizeram seus depoimentos e foi para a gente levantar mesmo essa discussão, pensar em política públicas que melhorem e humanize essa realidade”, destacou. 

Thami também aproveita para ressaltar a realidade de muitas mães que precisam estudar, e muitas vezes não possuem a mesa sorte que ela teve. 

“Eu até evito essa narrativa de “batalhadora” pois tenho consciência dos meus privilégios, embora eu corra atrás dos meus sonhos. Eu recebo muito apoio, o pai da minha filha é presente, meus pais e os pais dele também nos ajudam muito e essa realidade não é a mesma de muitas outras mães que passam por muito mais dificuldades do que eu e ainda por cima  não encontram na universidade o carinho que eu encontrei, sendo humilhadas e impedidas de levarem os filhos”, lamentou. 

Posicionamento da UFU 

A Pró-Reitoria de Graduação da UFU se posicionou, por meio de nota, sobre a participação da “aluna” mirim durante as aulas do curso. Confira o texto na íntegra:

A Universidade tem como missão “desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão de forma integrada, realizando a função de produzir e disseminar as ciências, as tecnologias, as inovações, as culturas e as artes, e de formar cidadãos críticos e comprometidos com a ética, a democracia e a transformação social”, e os professores são a linha de frente no cumprimento desta missão.

Do ponto de vista das Normas Gerais de Graduação, não há uma previsão para que pessoas, sem vínculo como alunos da Universidade, realizem atividades acadêmicas, tais como frequentar aulas e apresentar trabalhos. No entanto, é de conhecimento comum que muitos de nossos discentes são pais e têm que conciliar as diferentes demandas.

A UFU, inclusive, no intuito de auxiliar alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica e que tenham filhos de até 06 anos de idade, disponibiliza a bolsa creche. Porém, obviamente há limitações não só orçamentárias, mas também da própria regulamentação (por exemplo a idade da criança.). E mesmo pais-alunos que contam com o auxílio creche, por vezes, se veem em situações em que não têm com quem deixar seus filhos e, para não perderem aulas e atividades acadêmicas, trazem seus filhos para a UFU. A recepção destas crianças, a presença e o acolhimento, até mesmo com eventual participação em alguma atividade, fica a critério do professor, que detém autonomia em sala de aula e a capacidade de avaliar a pertinência e adequação, inclusive em face do conteúdo da disciplina.

Pró-Reitoria de Graduação.

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