ABUSO SEXUAL

Pai de Santo é preso suspeito de estuprar meninas durante rituais religiosos

Ritual, na verdade, não pedia o uso do toque; três das vítimas são enteadas do suspeito

Por Isabela Abalen
Publicado em 05 de abril de 2023 | 14:28
 
 
 
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Uma denúncia de estupro levou a revelação de diversas vítimas de um mesmo suspeito: o pai de santo de um terreiro de Candomblé no bairro Jaqueline, na região Norte de Belo Horizonte. O que começou com um desabafo de duas meninas, a enteada do suspeito, de 15 anos, e uma amiga que estava morando em sua casa, de 18, motivou um movimento de mulheres a buscarem por justiça. “Por Xangô”, protesta uma das denunciantes ao citar o orixá cultuado em religiões de matrizes africanas. Nesta quarta-feira (5), o suspeito, de 59 anos, foi preso pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). 

Foram três denúncias contra o babalaô, como é chamado o sacerdote, sendo duas vindas de enteadas. Outra mulher, que também frequentava o terreiro, se abriu com as vítimas e anunciou que também iria registrar boletim de ocorrência. Mas, segundo uma denunciante que preferiu não se identificar, são muitas outras que também foram abusadas. “A gente sabe que são 14 vítimas pelo menos, mas é muito difícil se abrir sobre isso, mesmo que estejamos oferecendo acolhimento”, diz. 

Como ela conta, o pai de santo escolhia as vítimas e dizia que elas deveriam passar pelo processo de “assentamento da entidade” e, para isso, ficava sozinho com elas. Era quando as abusava, as convencendo de que a entidade precisa de secreção vaginal da mulher. Na verdade, nesse ebó, não seria preciso sequer envolver toque. “Ele dizia que era um pedido da entidade. No ebó, às vezes você encosta alimentos, por exemplo, dentro do ritual normal. Mas nesse não era preciso nem encostar. Ele chegou a dizer que precisava chegar ao orgasmo e que alguns atos com essa entidade levariam a secreção”, denuncia. 

Tendo realizado o suposto “ritual” com uma das enteadas, a denunciante afirma que o pai de santo “colocou a boca nela”. 

Relação com as enteadas 

O suspeito veio de São Paulo para Belo Horizonte, onde montou um terreiro junto com sua ex-companheira, essa que conheceu na cidade e já tinha três filhas. Há dois anos, a filha do meio, na época que tinha acabado de completar 18 anos, denunciou o padrasto por estupro e saiu de casa. O pai de santo conseguiu convencer a família e os irmãos de fé de que era mentira e ela estaria inventando. “Ele é muito persuasivo e te envolve como confidente, sempre tem uma testemunha, alguém que acredita nele e o defende”, relata a denunciante. 

Neste mês, quem denunciou foi a filha mais nova, de 15 anos. O sacerdote tem o nome dela tatuado no peito e sempre se mostrou muito próximo à ela para os outros. “Eu também sou mãe, então convidava a menina para brincar com a minha filha na nossa casa. Não, ele nunca deixava. Conforme ela foi crescendo e saindo mais, foi tomando coragem para denunciar”, lembra. Em um episódio, a menina colocou a cama contra a porta do seu quarto e disse que era para “o pai não entrar”. 

Junto com a mais nova, uma amiga, de 18 anos, também revelou ter sido abusada. Ela passou a morar na residência da família depois de ter saído de casa. “As duas juntaram forças para denunciar”, conta a mulher, que também é irmã do terreiro e ajudou em todo o processo junto à polícia e à advogada Karina Barbosa. 

Não é retrato da religião 

A denunciante que conversou com a reportagem lembra que o comportamento do babalaô não reflete os princípios da religião. “Nas religiões de matriz africana, não existe nenhum ritual, nada, que dê brecha para que ocorram abusos. Ao contrário, nossos orixás nos dão força para sermos, sempre, pessoas melhores”. 

Depois das denúncias, o sacerdote fugiu e só foi encontrado a partir da investigação da Polícia Civil. Chamada Operação Canto da Sereia, a polícia cumpriu outros dois mandados de busca e apreensão ainda nesta quarta (5). 

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