‘Purificação’

Polícia investiga motivação religiosa em agressão a gay

Delegado não descarta a hipótese de que rapaz de 19 anos tenha sido agredido e queimado vivo em ritual santo; caso também é apurado como tentativa de homicídio

Por Dayse Resende
Publicado em 26 de setembro de 2014 | 03:00
 
 
 
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O delegado do 4° Distrito Policial, Rafael Horácio, informou à reportagem de O Tempo Betim que não descarta a hipótese de motivação religiosa na agressão cometida contra um auxiliar administrativo de 19 anos, no bairro Brasileia, no último dia 15. O rapaz, homossexual assumido, denunciou ter sido torturado ao chegar em casa e ser colocado à força dentro de um veículo por três homens.

Além de crime religioso, o delegado investiga o caso como tentativa de homicídio. O inquérito deve ser concluído em até 30 dias. “Nesta semana colhi depoimentos da vítima e dos pais dela. A princípio, já temos duas linhas de investigação. Não descartamos a hipótese de que o crime tenha motivação religiosa”, disse Horácio.

O caso foi denunciado à Polícia Civil de Betim pela própria vítima na tarde de quarta-feira (15). A barba queimada e o braço machucado revelavam a violência, que ainda é um mistério. “Dentro da Kombi, me batiam e me enforcavam. Enrolaram um pano no meu braço e colocaram fogo no meu cabelo e na minha sobrancelha”, contou o jovem, que teria perdido a consciência durante o ataque. Após cerca de 40 minutos de agressões, ele relata ter acordado em uma calçada e encontrado uma carta em seu bolso, que, entre outras coisas, dizia: “Esse foi apenas o primeiro da cidade a passar pela purificação”. O rapaz já havia sido agredido por dois homens no último dia 10 e acredita ser alvo de homofobia.

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A vítima contou que chegava em casa, no centro, às 14h, quando uma Kombi branca de vidros escuros parou a seu lado e, dela, saíram dois homens, os mesmos que o teriam agredido cinco dias antes. “Eles estavam com facas e me obrigaram a entrar no veículo”.

Enquanto os dois homens o agrediam, principalmente no abdômen, um terceiro dirigia e fazia orações, segundo o jovem. “Eles pediam perdão pelos meus pecados, pediam que eu fosse salvo”. O rapaz contou ainda que os agressores enrolaram uma espécie de papel feito de lã, que poderia ser algodão, em seu braço e atearam fogo. A barba e os cabelos também foram queimados. “Desmaiei. Não sei se pelo cheiro da fumaça, pela dor ou pelo estresse do momento”.
Ele disse ter sido abandonado em uma rua próxima ao local onde foi abordado, de onde ligou para o namorado e um amigo, que o socorreu. No mesmo dia, foi à delegacia e mostrou a carta que teria sido deixada em seu bolso. O texto não faz menção a nenhuma religião, mas informa que a intenção é fazer uma “limpeza” em Betim, e trazer o fogo da purificação a cada um que anda nas ruas “declarando seu ‘amor’ bestial”.

O auxiliar administrativo denunciou o fato em seu Facebook, o que, segundo ele, foi uma tentativa de evitar outros casos. No fim da tarde de sexta-feira (19), ele saiu de casa, ainda com marcas da violência, para um retiro na região metropolitana. Conforme ele mesmo explicou, a intenção era “desligar a cabeça” e esquecer o que aconteceu.

Movimento gay fará ato nesta sexta (26) contra homofobia

O presidente do Movimento Gay de Betim, Cléber Eduardo, informou que será realizado um ato em repúdio à violência contra o auxiliar administrativo nesta sexta-feira (26), a partir das 10h, na praça Tiradentes, no centro.

“Nosso objetivo é conscientizar a comunidade LGBT sobre seus direitos, além de esclarecer o que é homofobia. Vamos buscar parcerias com a OAB, a Câmara Municipal e os Direitos Humanos”, disse Cléber.

Ele também lamentou o ocorrido. “Estamos todos assustados. Infelizmente, preconceito existe, mas esse é o primeiro fato dessa grandeza já registrado por nós na cidade. Repudiamos a violência”, completou.

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