Briga de trânsito

Procurador que perseguiu e atirou em mulheres já sacou arma em pizzaria

Há um ano, ele teria apontado o revólver para um casal que o questionou sobre fotos que estaria tirando de suas crianças; há ainda caso em que corpo apareceu ao lado de seu carro

Por Queila Ariadne
Publicado em 03 de outubro de 2020 | 19:53
 
 
 
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Bertoldo Mateus de Oliveira Filho, 59, o procurador de Justiça que xingou duas mulheres de “puta” e “sapatonas” e atirou contra elas é o chefe da Coordenadoria Estadual de Defesa do Direito de Família, das Pessoas com Deficiência e dos Idosos (CFDI) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O episódio da última quinta-feira (1) não foi o primeiro conflito em que ele se envolveu. No ano passado, ele apontou uma arma para um casal em uma pizzaria e antes um corpo foi encontrado ao lado de seu carro.

Na noite da última quinta-feira, após uma briga de trânsito, ele  perseguiu as mulheres até a porta da casa delas, no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde bateu propositalmente contra o carro das vítimas. Depois, ele iniciou uma discussão e disparou contra as mulheres.
 
Bertoldo foi preso em flagrante e foi solto após pagar fiança. Como o posto no Judiciário lhe confere foro especial, ele foi ouvido pelo procurador-geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, que lavrou o auto de prisão pela prática de disparo de arma de fogo em via pública. Já no boletim de ocorrência da PM, o caso foi registrado como tentativa de homicídio.

Histórico
 
O procurador-geral de Justiça determinou a abertura imediata de um Procedimento de Investigação Criminal (PIC) para apuração dos acontecimentos. Mas esse não é o primeiro PIC contra Bertoldo. Em 30 de setembro do ano passado, segundo ocorrência policial, ele teria sacado uma arma no meio de uma pizzaria na avenida Guaicuí, na Cidade Jardim, região Centro-Sul,  após um desentendimento com outros clientes.
 
Os clientes em questão eram um casal que estava na mesa ao lado, com os filhos e, segundo relatos registrados no BO, questionaram Bertoldo sobre o motivo dele estar tirando fotos das crianças. Ele teria se exaltado durante a conversa e retirado o revólver de dentro da mochila, apontando para o casal.
 
Segundo o BO, assim que os policiais chegaram ao local, visualizaram a mochila, com um cabo da arma à mostra, e a tiraram de perto de Bertoldo. A ocorrência detalha que, ao ser feito contato com o procurador,  ele se identificou colocando sobre a mesa uma cédula de identidade pessoal com fotografia do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. “O senhor Bertoldo não relatou para as guarnições policiais o que ocorrera naquele local, limitando-se apenas a se identificar por meio documental”, diz o BO.
 
A corregedoria do MPMG, que na época estava passando por um momento de troca de comando, chegou a abrir um PIC. Mas o processo foi arquivado, após o Ministério Público entender que o procurador teria agido em legítima defesa. A reportagem solicitou ao MPMG a íntegra da decisão e aguarda o retorno.

Corpo

Em 2016, o nome de Bertoldo apareceu em outra ocorrência policial. O corpo de um homem, com perfuração de balas, foi encontrado ao lado do carro dele. Em depoimento registrado no boletim policial, o procurador explicou que tinha emprestado o veículo para a vítima, que levaria para o conserto. O carro foi devolvido a Bertoldo.
 
A reportagem perguntou ao MPMG se a ocorrência foi reportada naquela época e se houve algum procedimento de averiguação, mas aguarda resposta. 

Resistiu à prisão

No caso do tiro contra as duas mulheres, na última quinta-feira, o procurador demonstrou resistência à prisão. A abordagem aconteceu quando Bertoldo tinha acabado de deixar o local onde atirou nas mulheres. Como os policiais estavam indo atender à ocorrência, suspeitaram do carro e pararam o veículo, onde encontraram a arma no banco do passageiro. 

Houve resistência à prisão, e Bertoldo disse que não podia ser algemado porque era procurador da Justiça. Ele ainda afirmou que iria processar os policiais. Disse ainda que só se identificaria para um oficial da Polícia Militar, mas, mesmo quando um tenente chegou ao local, ele se identificou como “Cabo Júlio” e xingou os policiais, dizendo que todos eram “bosta”.
 
Ainda segundo relatos no BO, Bertoldo apresentava sinais de embriaguez, mas se recusou a fazer o teste do bafômetro. A carteira de habilitação dele estava vencida desde janeiro. Ele foi levado à sede do MPMG, onde prestou depoimento durante toda a madrugada e foi liberado pela manhã, após pagar fiança.
 
A reportagem não teve acesso ao teor do depoimento prestado pelo procurador. No entanto, no boletim da PM, Bertoldo alega que perseguiu as mulheres porque elas o teriam xingado de idoso e filho da puta no trânsito e ele foi atrás delas para saber o motivo das agressões.
 
Informações extraoficiais dão conta de que o Conselho Nacional do Ministério Público pode assumir a investigação do caso. A reportagem aguarda respostas do MPMG sobre o andamento do processo e possíveis penalidades ao procurador.
 
Entenda a briga
 
Na noite da última quinta-feira, conforme detalhes registrados no BO, Simone Vaz, 53, e sua companheira, estavam atrás do carro do procurador Bertoldo, paradas no semáforo da rua Guaicuí, esquina com a avenida Prudente de Morais. Quando o sinal abriu, ele não arrancou. Após manobrar, Simone emparelhou ao lado do veículo, chamou a atenção do motorista e seguiu. Mais à frente, percebeu que estavam sendo seguidas.
 
Na porta de casa, Bertoldo bateu contra o carro delas. Simone desceu para ver o dano, quando ele começou os xingamentos, ameaças e pegou a arma no porta-luvas. A companheira de Simone ajoelhou no chão, implorando para que ele não fizesse nada. Nesse momento, ele fingiu ir embora e elas entraram com o carro na garagem.

Imagens feitas por moradores e câmeras da rua mostram o momento em que ele aproveita que o portão ainda não fechou, enfia o braço pela fresta e atira. Nesse instante, Simone e a companheira se escondem atrás de uma pilastra. Outras pessoas estavam no local, mas ninguém se feriu. A perícia técnica compareceu ao local, recolhendo o projétil e um chinelo do autor.
 
Em seu depoimento registrado no BO, Bertoldo alega que não atirou voluntariamente e alega ainda que seu carro foi alvejado por um tiro no para-brisas. Pela sequência das imagens das câmaras, as cenas indicam que, após o disparo, alguém jogou uma pedra do carro do procurador.
 
A professora Simone Vaz, 53, e sua companheira saíram de Belo Horizonte após a briga. “Elas estão muito abaladas. Assim que elas voltarem, vamos conversar para definir quais serão as providências a serem tomadas”, explica o advogado das mulheres, Gustavo Landi.
 
O procurador Bertoldo foi procurado, e a assessoria de imprensa do MPMG informou que ele iria se manifestar. A reportagem também enviou questionamentos por e-mail e aguarda os retornos.

 

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