Em meio a motins

Quase 60% dos agentes penitenciários mineiros são contratados

Profissionais que atuam nos presídios sem concurso público têm formação inferior aos efetivos; para especialistas, diferença no preparo prejudica atuação nas penitenciárias

Por JOSÉ VÍTOR CAMILO
Publicado em 19 de março de 2015 | 03:00
 
 
 
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Em meio a um momento conturbado nas unidades prisionais de Minas Gerais, com seis conflitos registrados desde a última semana, o Estado tem que lidar com o risco de precarização do trabalho de agentes penitenciários, essenciais para agir em caso de crise e para manter a ordem nos presídios. Isso, porque 58,15% (9.910) dos 17.042 profissionais em atuação são terceirizados, e não passam pela mesma formação dos 7.132 concursados.

Para especialistas em segurança pública como sociólogo Robson Sávio Reis Souza e o advogado criminalista Adilson Rocha, por não terem estabilidade e passarem por menos etapas de formação, o excesso de contratados leva a uma precarização do setor e a uma ausência de identificação com a função, já que os contratos são temporários.

Esse fato gera também uma dúvida com relação ao artigo 37 da Constituição Federal. Ele prevê que para exercer cargo público, é necessário concurso. A ressalva em contrário é citada na lei para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Em Minas, os agentes são contratados por três anos, com direito a prorrogação por mais três. E, segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais (Sindasp), Adeilton Rocha, em maio vencem os contratos de 4 mil profissionais. "Estamos pressionando o governo para que nos próximos concursos os profissionais contratados tenham preferência, já que alguns tem até 15 anos de experiência na função", defendeu o presidente, que é concursado desde 1995. 

Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o governo anterior não incluiu no orçamento de 2015 os valores para finalizar o concurso para 3.534 agentes penitenciários e 820 socioeducativos, que teve início em 2013. Se houvesse essa efetivação, o número de efetivos passaria a ser de 14.999, contra 9.124 contratados. Atualmente, conforme a Seds, o governo busca formas de obter os recursos para dar continuidade ao processo.

Para um ex-agente terceirizado, que foi aprovado no último concurso da categoria, o processo de seleção de contratados é bem distinto. “Enviamos o currículo e você recebe uma nota. Se já fez curso de vigilante, por exemplo, a nota aumenta por ter autorização para manejar arma. Depois vem um exame psicológico e um curso de cinco dias”, lembra.

Ainda de acordo com ele, colegas que eram pedreiros e eletricistas começaram a trabalhar e receberam armas. "Vi caso de tiro acidental porque um deles não sabia como manusear o equipamento", lembra.

A Seds confirma a diferença nos processos, mas alega que quem é contratado não passa pelo estágio por ser temporário. Já sobre o curso de tiros, a pasta alega que os contratados não fazem uso de arma de fogo. Apesar disso, segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais (SINDASP), Adeílton Rocha, desde 2004 os contratados usam armas graças à uma resolução da Advocacia Geral do Estado. 

Para especialistas, ressocialização está ameaçada

A superioridade numérica de agentes contratados frente aos efetivos é preocupante, segundo o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Adilson Rocha. “Assim como todas as forças policiais, os agentes deveriam ser 100% efetivos”, disse.

Para ele, mesmo a participação no curso de 45 dias, como é o caso dos concursados, não é suficiente para que o profissional esteja formado. “O mínimo que seria necessário seriam três meses de preparação e curso de reciclagem a cada dois anos”.

Como o agente é empregado temporariamente, não cria identificação com a função, segundo coordenador do  Núcleo de Estudos sobre as Situações de Violência e Políticas Alternativas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, José Santos Filho. “O Estado passa para terceiros a responsabilidade de devolver os detentos melhores para a sociedade – e não piores, como acontece”, disse. 

"Os agentes não são simples abridores de celas, mas sim fiscalizadores das rotinas dos presos. Em um modelo mais adequado, eles deveriam também ter um perfil que os inclui no processo de ressocialização dos presos, como agentes pedagógicos", finalizou Filho. 

Para Robson Sávio, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o excesso de contratados gera problemas que, a princípio, não são tão evidentes, mas que poderão sair caro para o Estado no futuro.

"Minas quadruplicou a estrutura do sistema prisional, principalmente no governo do Aécio Neves. Mas prefere trabalhar com terceirização e contratos, o que a princípio sai mais barato.O recurso é repassado e a rotatividade de funcionários gera um prejuízo. Não são só agentes que não são efetivos, mas também técnicos, como do Fica Vivo e de mediação de conflito", afirma. 

Problema não é exclusivo dos agentes

Apesar de 73% de todos os contratos da Seds serem de agentes penitenciários, o problema não é exclusividade da categoria. O TEMPO também foi procurado por aprovados como excedentes no concurso para Assistentes Executivos, Analistas Executivos e Médicos da secretaria.

"O edital do concurso é de 2013, mas ele está vigente e foi homologado no dia 4 de julho do ano passado. Foram oferecidas 1.390 vagas, mas elas não são suficientes para cobrir a demanda do sistema e preencher os contratos temporários", disse o homem, que preferiu não ser identificado.

Ainda conforme o Portal da Transparência, somente nos cargos de Analistas e Assistentes Executivos da secretaria existem 3170 servidores. Destes, 1500 são efetivos e 1670  contratados, um total de 52,6%. "Existe um Plano Estadual de Defesa Social 2014/2015 que constitui metas e objetivos para a SEDS, entre eles está o compromisso de realização e utilização do concurso público como meio exclusivo de provimento de cargos efetivos, e ainda a substituição de 100% dos funcionários contratados por concursados", garante o denunciante.

Para os excedentes no concurso, a secretaria deveria convocá-los para substituir os contratados. "O Estado alega que está endividado, mas mantém a política de contratos na SEDS, o que é inconstitucional. Queremos transparência e um cronograma de nomeação dos aprovados no certame. Não só na nossa categoria, mas também para os agentes penitenciários", finalizou.

Procurada sobre a reclamação dos excedentes neste concurso, a assessoria da pasta informou que todos os 1.390 aprovados já foram nomeados e empossados. "A última nomeação aconteceu em 31 de janeiro deste ano. E ao contrário do que foi afirmado, não têm ocorrido contratações para nenhum desses cargos desde o primeiro semestre de 2014", dizia a nota divulgada.

Relembre

Nos últimos dois dias, O TEMPO publicou reportagens sobre o grande número de motins no Estado desde 10 de março, a maioria por superlotação e insalubridade. Um dos conflitos ocorreu no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) de Betim (dia 10). Outros foram em presídios de Divinópolis (dia 14) e de Vazante (dia 15), no Ceresp Gameleira (na capital, dia 16) e no presídio de Jaboticatubas (dia 16). Anteontem, carta divulgada por presos do Complexo Penitenciário Público-Privado de Neves denunciou a a precariedade no local.

Atualizada às 13h34 do dia 19 de março de 2015

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