Trabalho escravo

Risco de asfixia e alojamento sem parede: trabalhadores são resgatados em Minas

Ao todo, 30 pessoas foram resgatadas em situação análoga à escravidão na fazenda, que tinha moradias sem parede e com cama ao lado de fogão à lenha em Lajinha, na Zona da Mata

Por José Vítor Camilo
Publicado em 10 de julho de 2023 | 12:59
 
 
 
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Frio ou fumaça? Essa era a escolha que 30 trabalhadores que foram resgatados em situação análoga à escravidão em uma fazenda de café de Lajinha, na região da Zona da Mata mineira, precisavam fazer todas as noites antes de dormir. Em alojamentos sem paredes e com camas colocadas ao lado de um fogão à lenha, as vítimas tinham que decidir diariamente se lidariam com o vento da noite ou com o risco de se asfixiar com a fumaça. Estas foram apenas algumas das diversas irregularidades constatadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), conforme adiantou O TEMPO na última semana.

A operação, realizada em conjunto pelo órgão ao lado da Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF), foi deflagrada em uma propriedade rural de pessoa física no dia 3 de julho deste ano, mas teve mais detalhes divulgados nesta segunda-feira (10 de julho).

Conforme o SIT, os trabalhadores (29 homens e uma mulher) foram contratados pelo filho do fazendeiro, por meio de pessoas que são conhecidas como "gatos", responsáveis por aliciar os trabalhadores. Segundo o órgão, essa não é a primeira vez que esta propriedade utiliza destes "intermediários de mão-de-obra" para trazer pessoas para atuarem na colheita de café desta propriedade.

Os trabalhadores chegavam ao município em ônibus ou vans e em busca de uma oportunidade, mas acabavam se deparando com condições completamente insalubres. Entre as constatações dos órgãos, os seis alojamentos oferecidos às vítimas não contavam com o fornecimento de higiênico ou roupas de cama.

"Em quatro dos abrigos a água disponível para o consumo era retirada diretamente de córregos e transferida para as caixas d'águas com emprego de bombas tipo 'sapo', sem qualquer tipo de tratamento para o consumo humano. Nenhum recurso de purificação de água era fornecido, filtros de barro ou purificador", relata o auditor-fiscal Claudio Secchin, que coordenou a operação.

Sem parede e com risco de asfixia e choque

Durante a fiscalização, foi constatado ainda que um dos alojamentos estava sem parede, deixando os trabalhadores desprotegidos do frio e, ainda, de possíveis invasões de animais ou pessoas. Nas outras moradias, os trabalhadores dormiam em cômodos que também serviam de cozinha, onde a existência de fogões à lenha os expunha ao risco de asfixia, devido à grande inalação de fumaça no recinto.

Em parte dos alojamentos, as pessoas dormiam sem cama ou colchão. Já as instalações elétricas eram precárias, gerando o risco de choques. Também foi constatado que, em uma das casas, um casal de trabalhadores precisava dividir a habitação com outros trabalhadores.

Banheiro no mato

Se nos alojamentos a situação era precária, o problema se repetia nas frentes de trabalho, nas plantações de café. Sem qualquer refeitório ou banheiro, os trabalhadores precisavam usar o mato para fazer suas necessidades, além de comerem aos pés das plantas.

"Os trabalhadores foram aliciados em municípios de Alagoas, Bahia e Minas Gerais e só poderiam retornar às suas cidades após o final da colheita. Eles chegaram em ônibus de empresas de transporte regular de passageiros e em vans, alguns com passagens pagas pelo produtor rural, outros tendo custeado do próprio bolso. A fazenda é reincidente da prática do aliciamento", conta o procurador do MPT, Marcos Mauro Buzato.

Nenhum trabalhador da fazenda era legalizado

Ainda conforme o SIT, durante a fiscalização, nenhum dos trabalhadores rurais da colheita desta fazenda de café possuía contratos de trabalho registrados ou, sequer, tinha feito alguma avaliação clínica antes de começar os trabalhos. Por isso e, é claro, por conta das inúmeras ilegalidades constatadas, foi constatada a situação análoga à escravidão.

A fazenda foi notificada para providenciar a quitação das verbas rescisórias dos trabalhadores, além da realização de exames médicos demissionais e apresentação dos demais documentos. Os cálculos, os proprietários da fazenda deverão pagar R$ 170 mil do passivo trabalhista aos 30 trabalhadores, além de dois salários mínimos para cada um por dano moral individual. Com isso, cada pessoa resgatada no local deverá receber R$ 79 mil, quantia determinada pela DPU, e outros R$ 50 mil por dano moral coletivo estipulados pelo MPT.

Como denunciar

As denúncias de trabalho escravo, seja rural ou urbano, podem ser feitas por qualquer pessoa no chamado Sistema Ipê, que pode ser acessado clicando aqui

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