Após ter negado pela Justiça Federal o pedido de liminar pela suspensão das licenças ambientais concedidas pelo Estado de Minas Gerais à Taquaril Mineração S.A. (Tamisa), que permitiu a exploração na serra do Curral, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou, nesta quinta-feira (18), que recorreu da decisão. 

No recurso, os procuradores pedem que a decisão em primeira instância seja reformada e que as licenças sejam "imediatamente suspensas", alegando que elas foram concedidas "sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento, conforme determina a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)". 

A decisão da 16ª Vara Federal de Belo Horizonte defendeu que não haveria impactos diretos sobre a comunidade, uma vez que área do empreendimento minerário não estaria no território estabelecido do quilombo ou de quaisquer práticas culturais de seus moradores. 

Entretanto, ainda de acordo com o MPF, foi apresentado um relatório antropológico que apontava que "qualquer empreendimento que cause alterações na Serra do Curral poderá gerar impactos para a comunidade quilombola em questão, tendo em vista a proximidade do empreendimento minerário de lugares de referência para o quilombo, como a Mata da Baleia, e do próprio território da comunidade (cerca de 3 km)”.

Relação histórica com a serra

A comunidade Manzo Ngunzo Kaiango teria, ainda conforme o recurso apresentado pelos procuradores, "uma relação histórica e espiritual" com a serra do Curral e a Mata da Baleia, o que já teria sido documentado e reconhecido pelo poder público nos dossiês que embasaram o reconhecimento do quilombo como patrimônio cultural do Estado e do município. 

Além disso, a comunidade também seria afetada uma vez que o empreendimento da Tamisa teria nascentes do córrego da Baleia dentro de sua área de influência. "No entanto, o licenciamento ambiental do referido empreendimento foi realizado e as licenças prévia e de instalação foram concedidas, sem qualquer consulta ao quilombo, em franca violação ao seu direito à consulta prévia, livre e informada”, completa o recurso do MPF.

Para juiz, audiência pública contaria como consulta ao quilombo

Na decisão que negou a liminar, o juiz federal chegou a afirmar que a existência de audiências públicas sobre o empreendimento seria suficiente como consulta ao quilombo prevista na conveção internacional, lembrando ainda que a comunidade quilombola não teria participado da reunião. 

Por outro lado, no recurso, o MPF argumentou que a audiÊncia pública não exclui a participação das comunidades tradicionais, mas tem como destinatário a sociedade como um todo, o que se difere de colher o consentimento de um determinado povo que vive em área que será afetada. 

“Considerar atendido o requisito da consulta prévia por ter sido utilizada o instrumento (absolutamente distinto) da audiência pública, data venia, significa fazer tábula rasa do direito de consulta prévia que a legislação brasileira assegura, ou seja, equivale a tornar nula a disposição da Convenção 169 da OIT que se pretende ver aplicada por intermédio da presente ação civil pública”, argumentou o procurador da República Edmundo Antonio Dias. 

Para o órgão, a conduta do Estado de Minas Gerais ao ignorar a consulta ao povo tradicional resultaria na nulidade de todo o procedimento de licenciamento da mineradora, uma vez que se trata de "empreendimento altamente poluidor, que afetará recursos naturais que viabilizam a manutenção das práticas culturais, sociais e religiosas da comunidade quilombola de Manzo”. 

A reportagem de O TEMPO procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), responsável pelo licenciamento, e a Tamisa. Até a publicação da reportagem a empresa não havia posicionado sobre o recurso. 

Já o Governo de Minas afirmou, por nota, que não comenta ações judiciais e que "quando intimidado, se pronuncia nos autos dos processos".

Atualizada às 18h02 do dia 19 de agosto de 2022