Não bastasse os traumas e o luto vivido por Brumadinho desde o rompimento da barragem da Vale, no último dia 25, que deixou pelo menos 134 mortos e 199 desaparecidos, a cidade precisa encarar, agora, outras consequências de um dos maiores desastres do país. Entre elas está a possibilidade de um surto de doenças como a dengue, a febre amarela, a esquistossomose e a leptospirose. Estudo divulgado ontem pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), aponta que população está suscetível às contaminações e, inclusive, ao agravamento de doenças crônicas como hipertensão e diabetes.
A pesquisa foi feita com base em dados do próprio município e na comparação com tragédias como o rompimento da barragem em Mariana, em 2015, as enchentes em Santa Catarina em 2008 e a seca em São Paulo em 2010. Segundo Diego Ricardo Xavier, epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), com o rompimento de barragem, ecossistema foi atingido de forma brutal e doenças podem proliferar com maior facilidade. Desde 2015, Mariana, por exemplo, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), registrou 48 casos de febre amarela e 999 de esquistossomose.
“Primeiro que estamos no verão. No caso do vetor da febre amarela, por exemplo, você tem um processo que altera todo ambiente e pode estar acometendo os predadores do mosquito, gerando novas condições de reprodução. No final, pode gerar um aumento nessa população de mosquitos e, consequentemente, as pessoas são picadas e acaba tendo um surto”, explicou. Ainda segundo o pesquisador, Brumadinho já é naturalmente suscetível à febre amarela. De acordo com a SES, entre 2017 e 2018 foram registrados 13 casos da doença no município de cerca de 30.000 habitantes.
No caso da dengue, de acordo com Xavier, o problema é potencializado a partir do momento em que a água é contaminada e tem uso restrito. Saída da população é armazenar líquido e, se processo é feito de maneira incorreta, procriação de mosquito da dengue é inevitável. “Se as pessoas passarem a soluções alternativas para armazenar essa água e não tiverem condições, vai estar proporcionando um criadouro”, afirma.
O contato com a água contaminada ou com a lama infectada por rejeitos pode causar esquistossomose e leptospirose.
Neste caso, problema pode ser maior porque serviços de saúde e de saneamento da população foram drasticamente afetados com a tragédia, uma vez que número de atendentes diminuiu devido ao luto de muitos funcionários que perderam parentes. “Interrompe os serviços de rotina no serviço público, como a coleta de lixo, por exemplo. Acaba tendo acúmulo de lixo, a população de roedores aumenta e, com isso, aumenta a possibilidade de ter surtos de leptospirose, além da contaminação da água e do consumo de alimentos”, finalizou Xavier.
O estudo divulgado pela Fiocruz também levou em conta que a tragédia pode ter paralisado serviços de saúde e acesso da população de Brumadinho a medicamentos e a alguns centros de tratamento, uma vez que a lama chegou a fechar algumas estradas. De acordo com o pesquisador, doenças crônicas podem ser potencializadas daqui para frente e doenças psíquicas podem assolar moradores. “Cerca de 1% da população do município veio a óbito. Brumadinho tinha cerca de 33.000 pessoas no último censo. Cerca de 1.000 domicílios foram atingidos, totalizando 3.500 pessoas. Elas podem ficar sem o atendimento de rotina ou o acompanhamento de gestantes, hipertensos e diabéticos, que podem ficar sem acesso a medicamentos. Além disso, a médio e a longo prazo, tem problema de saúde mental, como depressão, devido ao quadro traumático pelo qual essas pessoas estão passando”, afirmou Daniel Xavier.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que a cobertura vacinal contra a febre amarela em Brumadinho é de 90%. A secretaria afirmou ainda que está orientando às equipes de saúde na realização do atendimento e prescrição de medicações de uso contínuo e que técnicos de imunização das secretarias estadual e municipal vão se reunir para discutir e avaliar as estratégias que serão adotadas para a vacinação. A SES recomenda que a população da região afetada pelo rompimento da barragem busque a Unidade Básica de Saúde mais próxima para avaliar a necessidade de vacinação.