O estudante Sérgio David Ferreira, 37, acordou neste sábado (5) e foi às compras. Ele comprou uma camiseta, calças jeans, uma blusa e tênis para o filho, duas camisetas e um par de tênis para dois amigos. Por todos esses bens ele não pagou nem um centavo. Sérgio fez suas “compras” na quinta edição do projeto “The Street Store”, que doa roupas a moradores de rua dispondo-as como se estivessem em uma loja, para que os moradores escolham livremente as que preferem. O evento foi realizado na calçada em frente ao parque Municipal.
Sérgio, agora, mora em um abrigo e está fazendo um curso de eletricista. Mas ele já passou três anos morando nas ruas. Esta é a terceira vez que ele se beneficia da loja social. “É uma coisa bem humanizada, porque, às vezes, nós recebemos doações, mas nem sempre vem a calça no seu número, o sapato no seu número”, opina ele, revelando que a maior dificuldade da vida nas ruas está principalmente nas roupas e nos ítens de higiene pessoal. “Comida, nem tanto, porque muitas pessoas doam. Mas quem mora na rua, muitas vezes, não tem como lavar as roupas. Quando elas ficam sujas, a pessoa joga fora, e a roupa precisa ser substituída”, conta.
O projeto “The Street Store” começou na Cidade do Cabo, na África do Sul, no ano passado. Este ano, foi trazido para Belo Horizonte pela designer de moda Luciana Duarte, autora do projeto Moda Ética. O projeto conta com a ajuda de voluntários, que dividem as tarefas e disseminam o conceito da doação horizontal. “A ideia do projeto é criar uma loja gratuita de rua, em que o morador de rua pode vir e escolher o que ele quer. Na doação horizontal, a pessoa é humanizada por meio do poder de escolha do que ela vai querer adquirir gratuitamente”, explica Leonardo Máximo, voluntário desde a primeira edição e um dos organizadores do projeto.
Nesta quinta edição, a ideia da loja solidária foi expandida para um shopping solidário, com a participação de vários projetos e iniciativas que oferecem serviços diferentes. “Além da ‘Street Store’ em si, trouxemos o pessoal da Macarronada Solidária, que fez almoço para o pessoal, teve um pessoal que veio de manhã, dar café-da-manhã para as pessoas, tivemos o projeto ‘Pimp My Carroça’, que une os grafiteiros aos catadores de papel e estiliza as carroças deles, e o grupo de dança Be Hoppers está aí também para fazer um show mais tarde”, conta Máximo.
Também moradora de abrigo, Amélia Silva Oliveira, 34, aproveitou não só a doação de roupas, mas todas as outras atividades que estavam sendo oferecidas pelo evento. A reportagem a encontrou dançando Lindy Hop com os Be Hoppers, mas ela já havia feito muito mais. “Peguei roupas, um sapatinho, já vi as pinturas das carroças, já almocei e agora estou aqui dançando”, contou ela, feliz. “Estou achando isto aqui uma delícia. Estou nas nuvens hoje”, declarou.
CONFUSÃO
Infelizmente, nem tudo correu tranquilamente como esperado na quinta edição do evento. Algumas pessoas ficaram insatisfeitas com a pouca oferta de alguns ítens e geraram uma confusão. “O que acontece é que 90% da população de rua é masculina. E recebemos muitas doações de roupas femininas. Então, eles foram ficando nervosos, acharam que estávamos retendo as coisas, que não queríamos liberar as doações, nos agrediram e saquearam o estoque de roupas masculinas”, conta Leonardo Máximo, um dos organizadores do evento, que criticou a ausência de policiamento e de suporte da Guarda Municipal no local.
Os ânimos, segundo Máximo, já estavam mais exaltados desde o início. “Estamos achando eles muito agressivos neste final de ano. Talvez pela proximidade do Natal, talvez porque o recrudescimento da situação do Brasil fez recrudescer ainda mais a situação deles”, contou.
A postura dos homens que causaram o transtorno foi criticada pelos próprios moradores de rua. “Isso que eles fizeram, eu não gostei, porque doação é sagrado, e o respeito vem em primeiro lugar”, criticou o carpinteiro Edson Barbosa, 38, que mora nas ruas e estava aproveitando o shopping social.