Minas

Tortura ainda é prática comum

Estudo mostra que em 68% dos casos julgados em 2ª instância os responsáveis eram agentes públicos

Por Luciene Câmara
Publicado em 29 de julho de 2015 | 03:00
 
 
 
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Quando se fala em tortura no Brasil, a primeira lembrança que se tem é dos tempos de ditadura militar e das centenas de vítimas que até hoje continuam desaparecidas. Mas a história recente do país também tem registros reais do crime, muitos ainda escondidos pelo medo e pela impunidade. Dos casos que chegam a ser julgados em segunda instância nos tribunais de Minas, 68% são praticados por agentes públicos, como policiais civis e militares e agentes penitenciários, o que mostra que, mesmo nos dias de hoje, a violência ainda é usada como método de repressão, investigação e controle.

A pesquisa “Julgando a Tortura”, feita por cinco organizações – entre elas o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) – revela que, dos 53 acórdãos (decisões em segunda instância) referentes ao crime proferidos pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entre 2005 e 2010, 36 tiveram como autores os agentes públicos. Outros 17 (32%) foram praticados pelos chamados agentes privados, como familiares, babás e vizinhos.

Entre os exemplos de tortura praticada por agentes privados está o mostrado pela reportagem em junho. Um estudante de 20 anos denunciou a existência da chamada “salinha da violência” em uma boate da região Centro-Sul de Belo Horizonte. O local seria usado por seguranças do estabelecimento para punir frequentadores que se desentendiam com outros clientes ou mesmo com a direção da casa. A boate negou.

Público. O índice de agentes públicos envolvidos em tortura no Estado segue tendência nacional, onde, dos 752 réus, 457 (60,8%) correspondiam a esses profissionais, contra 277 (36,8%) referentes a agentes privados. “Os números mostram que a tortura ainda é prática recorrente nos órgãos de segurança, muitas vezes incentivada pela polícia, pela população e pela própria mídia, que aprova o uso da violência de forma descontrolada contra todas as garantias de direitos humanos”, afirmou a socióloga e coordenadora da pesquisa, Maria Gorete Marques.

Exemplo dessa aprovação, segundo a pesquisadora, é quando um suspeito vai para a cadeia e, mesmo antes da apuração e condenação, é agredido na frente de várias pessoas e jogado em celas sujas e sem estrutura para que confesse o crime. No ano passado, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB-MG) denunciou a presença de salas apelidadas de celas de tortura e castigo no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) da Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte. Um detento levado para o local relatou à reportagem que ficou por seis horas no local sem direito a água, comida, cama e cobertores.

A maioria dos casos de tortura praticados por agentes públicos ocorre justamente nos chamados locais de contenção, como cadeias, delegacias e presídios. Mas o crime ocorre também no meio da rua, segundo Maria Gorete. “Nas manifestações, isso fica bem nítido na atuação dos agentes e na fala das autoridades, como ocorreu neste ano com os professores no Paraná”, concluiu a socióloga.

‘Autor tem mais valor que vítima’, diz especialista

Embora os agentes públicos sejam os principais autores de tortura, a condenação prevalece entre os privados. Conforme a pesquisa “Julgando a Tortura”, 84% dos réus dessa categoria são condenados em primeira instância, contra 74% dos policiais, agentes carcerários.

Quando os processos chegam em segunda instância, 19% dos agentes públicos conseguem absolvição, contra 10% dos privados. “Quando o réu é um agente público, em geral ele é o respeitado, é quem tem a credibilidade, em detrimento da vítima”, destacou a coordenadora da pesquisa, Maria Gorete Marques.

Subnotificação. O número de vítimas de tortura pode ser ainda maior considerando que, até o ano passado, o Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) não tinha um entendimento unificado sobre o crime e desclassificava a tortura em casos que tinham como autores os agentes privados.

A pesquisa

Fontes
. Além da USP, a pesquisa envolveu o Conectas Direitos Humanos, o Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Pastoral Carcerária e a Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura (Acat).

Processos. O estudo é restrito aos crimes julgados em segunda instância nos tribunais pela dificuldade em se obter informações em outras esferas.

Estado. A atual gestão da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que abomina a prática de tortura e irá apurar com rigor qualquer denúncia que envolva servidores do órgão.

PM. O capitão Antuer Júnior, que responde pela assessoria de imprensa da Polícia Militar (PM), informou que os militares são ensinados, ainda nos cursos de base, a não exceder a força nem abusar de sua autoridade como policial.

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