Avanço na ciência

UFMG 95 anos: mesmo com corte de verbas, Federal se destaca no combate à Covid

Segundo a reitora Sandra Goulart, redução no orçamento foi de mais de R$ 100 milhões nos últimos dez anos; ainda assim, faculdade apresentou diversas inovações na pandemia

Por Juliana Siqueira
Publicado em 05 de setembro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Entre 1918 e 1920, a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte  que alguns anos depois se transformaria, junto com outras, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)  enfrentava um enorme desafio: a pandemia da gripe espanhola, que matou mais de 35 mil pessoas no país. Cem anos depois, a UFMG se viu ante algo semelhante: a pandemia da Covid-19. Foi o momento de enfrentar mais um inimigo, mesmo com cortes orçamentários que, nos últimos dez anos, somam mais de R$ 100 milhões.

À frente de diversas ações contra a enfermidade, incluindo a criação de uma vacina que poderá ser o primeiro imunizante para humanos 100% nacional, a UFMG chega aos seus 95 anos no próximo dia 7 de setembro com projetos de destaque nas mais diferentes áreas, trazendo os avanços da ciência para o dia a dia da população.

O paralelo entre esses dois momentos importantes e desafiadores da trajetória da UFMG é feito pela reitora Sandra Goulart. Conforme ela lembra, no início do século passado, estudantes e professores assumiram a linha de frente no combate à gripe espanhola, transformando a faculdade em um hospital provisório. Atualmente, diz ela, a instituição de ensino “faz milagres” com os recursos que têm: no começo deste ano, a UFMG apresentou o resultado de 31 projetos para o enfrentamento da Covid-19, que incluem, além da vacina,respiradores mecânicos eficientes e de baixo custo.

“Podemos dizer que os cortes no orçamento foram de mais de R$ 100 milhões nos últimos dez anos. Porém, durante essa pandemia, não paramos. Trabalhamos demais, em todos os turnos  manhã, tarde e noite. Fomos para a comunidade ajudar, para trabalhar, para aplicar vacinas. A nossa comunidade reagiu de forma unida para que pudesse enfrentar e atender as demandas da sociedade. Cada vez que se tira dinheiro da universidade, a sociedade é quem sofre, pois atuamos para ela. Não apenas formamos pessoas. Oferecemos mais do que cursos. Fazemos pesquisas e ações que atendem e ajudam a população”, salienta ela.

Prova disso é a promoção da própria vida – seja quando se fala de bem-estar, seja quando o assunto é mantê-la por meio dos avanços da ciência. Quem destaca essa realidade é o professor da Faculdade de Educação Geraldo Santos, coordenador do projeto que criou um respirador mecânico de baixo custo – para se ter uma ideia, o valor do equipamento chega a 10% dos vendidos atualmente, sendo de cerca de R$ 10 mil, enquanto os demais podem ser encontrados, em média, por R$ 100 mil.

“Em todo o mundo, estava havendo uma corrida por respiradores, e faltava insumos para fazê-los. Para o que construímos, utilizamos materiais disponíveis no Brasil. Não precisamos importar nada. Mostramos que não precisamos esperar o comércio internacional para salvar vidas. Temos um equipamento que é possível ser produzido com o que temos em mãos”, destaca Santos.

O respirador criado na UFMG, cujo protótipo já foi patenteado, é próprio para uso em condições menos favoráveis, sendo menos sensível a temperaturas mais altas, instabilidade na corrente elétrica e partículas suspensas no ar. Ao todo, é composto de 15 peças e pesa aproximadamente 15 kg. Uma pequena fábrica, com 15 pessoas na linha de produção, consegue fazer dois equipamentos por dia, segundo Santos. Em maior escala e em um caso de necessidade extrema, como o vivido durante a pandemia, os números podem se multiplicar, ajudando a colocar fim à falta de respiradores e, consequentemente, às mortes por conta disso.

“Não somente o respirador é importante, mas também o aprendizado que tivemos ao longo de todo esse processo. Percebemos que há diversos caminhos para fazer ciência, que começa com a experiência. Com esse equipamento, mostramos que o conhecimento popular, de trabalhadores não muito escolarizados, nos ajudam a construir uma nova ciência”, diz ele, lembrando que, em todo esse processo, houve também ajuda de pessoas que atuavam na prática com a mecânica, mas não são cientistas de formação. Para Santos, uma das faces mais importantes do conhecimento é “atentar-se para melhorias das condições humanas”.

Futuro promissor

Outro passo para um Brasil menos dependente da tecnologia do exterior e que revela a força da ciência desenvolvida em território nacional também foi dado na UFMG. Candidata a se tornar a primeira vacina contra a Covid-19 para humanos 100% brasileira, a SpiN-TEC deve começar a ser testada em humanos no ano que vem. Além disso, o imunizante deve ser dotado de particularidades importantes, como a capacidade de combater variantes do vírus da Covid-19, como a Ômicron.

O aprendizado durante todo esse processo também abrirá caminhos para novas descobertas e desenvolvimento de imunizantes para outras doenças, conforme salienta o coordenador do estudo da SpinN-TEC, Ricardo Gazzinelli.

“De certa forma, é algo inédito desenvolver uma vacina humana do zero no Brasil. Fizemos todos os passos que tinham que ser feitos. Temos muitas vacinas no país, mas oriundas de transferências de tecnologia do exterior. É um alto grau de complexidade. Foram dois anos de aprendizado importante, lutando, aprendendo o caminho das pedras”, diz ele.

Conforme Gazzinelli, todo esse trabalho vai ajudar a desenvolver vacinas para outras doenças no Brasil. “Montamos toda uma estrutura para que se possa fazer esse tipo de pesquisa que permita o desenvolvimento desses produtos. Aprendemos como sair do modelo testado em animais para levar em frente para ser testado em humanos”, diz.

Reabilitação pulmonar

A UFMG conta, ainda, com um projeto que oferece reabilitação a pacientes com doenças pulmonares crônicas. Chamada de "Respirar a iniciativa", é fruto do trabalho da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, a ação também beneficia as pessoas que foram diagnosticadas com Covid-19.

O tratamento dura oito semanas, sendo duas sessões semanais com uma hora e meia de duração. Os pacientes são submetidos a treinos aeróbicos e aplicam técnicas para melhorar a ventilação pulmonar e remover a secreção.

Coordenador do projeto, Marcelo Velloso destaca a relevância dessa ação. "A grande importância do trabalho realizado é a restauração da funcionalidade dos indivíduos, o que permite que eles retornem mais rápido às suas atividades cotidianas", salienta.

A reportagem procurou o governo federal para falar sobre envio de verbas para a UFMG e para se pronunciar acerca do aniversário da instituição de ensino, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Saiba mais projetos da UFMG desenvolvidos na pandemia

  • Ampliação da capacidade atual de processamento de 2.000 para 20 mil exames mensais por análise molecular RT-PCR para detecção da Covid-19
  • Confecção de escudos faciais em impressoras 3D (protetores faciais contra Covid-19)
  • Desenvolvimento de testes de diagnóstico sorológico para Covid-19
  • Desinfecção do ar utilizando radiação UV-C para eliminação do vírus Sars-CoV-2 e bactérias multirresistentes
  • Esterilização de máscaras N95
  • Modelo de simulação de necessidades de leitos para atendimento da Covid-19
  • Modificação de ventiladores pulmonares visando à utilização simultânea entre pacientes graves infectados pelo Covid-19
  • Produção em situação emergencial de álcool em gel 70% com insumos alternativos
  • Proposta de ações de telessaúde para a epidemia de Covid-19
  • Treinamento de estudantes de graduação em enfermagem para sua atuação frente à pandemia de Covid-19
  • Detecção e quantificação do novo coronavírus em amostras de esgoto nas cidades de Belo Horizonte e Contagem

Fonte: UFMG

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