Identificação

Bissexualidade: descoberta na fase adulta envolve autoconhecimento e autoestima

Além disso, o empoderamento também é importante no processo, que inclui enfrentamento de dilemas e preconceitos


Publicado em 27 de setembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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Apaixonada por literatura, Miriam Squeo, 37, sempre foi uma leitora voraz e começou a escrever poemas ainda na adolescência, mas nada que virasse uma publicação de fato. Tudo mudou quando ela se descobriu bissexual, há mais ou menos sete anos, e notou que a oferta cultural no audiovisual e nas letras para o público que se percebe bi ou lésbico na fase adulta, especialmente as mulheres, era limitado.  

“Encontrei histórias orientadas principalmente para a geração Z (nascida de meados da década de 1990 a 2010), e eu não conseguia me identificar. Eu queria criar uma referência para outras mulheres que estão se descobrindo e vivendo amores com mulheres na fase adulta, além de ter um ponto de vista mais realista para essa idade”, conta. 

Nascida em Trani, na região da Apúlia, conhecida por formar o “calcanhar” da Itália, Miriam morou também em Milão e em Paris, além de breves temporadas na China e na Austrália. Em dezembro de 2019, a diretora de marketing da L’Oréal Paris chegou ao Rio de Janeiro, onde vive atualmente. Se na França ela começou a experimentar sua sexualidade sem amarras, foi no Brasil que ela conseguiu se ver como uma pessoa livre.  

Mas não foi nada fácil, e esse processo de se aceitar bissexual e querer falar com o público adulto sobre o assunto virou livro. “Demorou um bom tempo para eu realmente abraçar essa nova identidade. Eu era heterossexual, heteronormativa. A primeira dificuldade está em você mesmo, de aceitar que algo está mudando. Foi algo que vivi de maneira solitária”, ela ressalta. 

Em junho, no Rio, Miriam Squeo lançou “Por Trás dos Meus Cabelos”, romance LGBTQIAP+ narrado em primeira pessoa, mas sem revelar o nome da protagonista, que vive descobertas e experiências na Itália, na França e no Brasil. Autobiográfica, a obra serviu para Miriam dar vazão a diversos sentimentos, dúvidas e angústias, mas também nasceu como uma possibilidade de diálogo com mulheres e homens que se reconhecem bissexuais quando adultos e de falar sobre liberdade feminina. 

“Por Trás dos Meus Cabelos” é descrito como um romance sáfico. “É qualquer romance ou livro que tenha como protagonista uma história de atração entre mulheres independentemente da sexualidade delas. Vem da poeta grega Safo, que há mais de 2.000 anos começou a escrever sobre o tema. O meu livro também trata esse assunto”, escreve Miriam no perfil @portrasdosmeuscabelos, no Instagram. 

Não foi por mero acaso que o lançamento do livro coincidiu com o momento em que a escritora contou a seus pais sobre sua bissexualidade. Certo dia, Miriam ligou para eles e foi direta: disse que não se envolvia com homens há um tempo, que namorava mulheres, se identificava como bissexual e que esperava que eles a amassem de qualquer forma. 

“Venho de uma família muito cristã, tinha muito medo de como eles iam reagir, mas foi incrível. O livro me deu essa coragem e é sobre isso também, faz uma reflexão de como é importante se permitir, viver uma vida livre e ter coragem de amar outra mulher ou outra pessoa (do mesmo sexo). Que seja uma história de amor-próprio”, diz Miriam Squeo. Segundo a escritora, “Por Trás dos Meus Cabelos” também aborda momentos de vulnerabilidade: “Tenho muito orgulho desse percurso”.  

Preconceito e invisibilidade

Psicólogo e especialista em terapia sexual, Rodrigo Torres pontua que atende diversos pacientes – homens e mulheres de várias idades e gerações – que se veem bissexuais já na fase adulta, “inclusive pessoas mais velhas que sempre se identificaram como tal de alguma maneira, mas não consideraram o desejo sexual por causa da repressão e sofreram com isso”. Para o especialista, os bissexuais ainda são muito estigmatizados e são vítimas de preconceito por serem vistos – erroneamente – como pessoas indecisas, mimadas e que querem tudo ao mesmo tempo. Torres ressalta que orientação sexual não deve ser criticada ou demonizada.  

“Existe uma invisibilidade dos bissexuais, além de muito preconceito até por acharem que eles têm uma sexualidade mais promíscua ou que querem fazer ménage o tempo inteiro. Eles são pessoas que se orientam para ambos os lados, em determinados momentos está mais homossexual, em outros mais hétero, mas não quer os dois o tempo inteiro”, explica.  

Em suas consultas, Rodrigo Torres gosta de trabalhar com empoderamento, autoestima e autoconhecimento, para que a pessoa bissexual passe por um processo de aceitação menos difícil e se assuma no mundo de forma livre e como ela realmente é, a despeito do julgamento de uma sociedade cada dia mais doente e indisposta à empatia e ao respeito à diversidade. “Nenhuma pessoa pode se definir ou se deixar definir pelo que ela faz no quarto dela ou no motel”, destaca o terapeuta sexual. 

“Meu primeiro conselho seria: se escute para ter coragem de viver algumas coisas”, completa Miriam Squeo. A autora de “Por Trás dos Meus Cabelos” salienta que o momento de aceitação é muito particular e ninguém deve se pressionar. Quando se sentir à vontade, o bissexual pode conversar com especialistas e escolher as pessoas que vão acolhê-lo: “Depois é deixar fluir naturalmente. Vai chegar um momento em que a gente se sente pronta”.

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