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Como evitar a 'torta de climão' nas festas de fim de ano?

Proximidade do Natal e das confraternizações no trabalho trazem relaxamento e descontração, mas podem gerar constrangimentos


Publicado em 11 de dezembro de 2023 | 06:30
 
 
 
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Cercada de água por todos os lados, com gôndolas a embalar casais de namorados sob uma lua prateada, Veneza entregava-se à noite a luxuosos bailes de Carnaval em salões requintados, onde tudo era permitido e só havia uma obrigação: o uso de máscaras.  

A tradição atingiu seu ápice no início do século XV, mas segue reveladora de uma característica fundamental do ser humano. “Antigamente, as pessoas colocavam máscaras no Carnaval para as outras não saberem quem elas eram”, aponta Rafaela Lôbo, especialista em comunicação e colunista do Comunique-Se Bem.  

A lembrança histórica tem um objetivo preciso: com a proximidade das festas de fim de ano, as confraternizações no trabalho e em família prometem momentos de lazer e relaxamento, mas carregam junto o risco de desentendimentos, vexames e barracos, aquela “cena” que ninguém quer protagonizar e, nos últimos anos, ganhou o descontraído apelido de “torta de climão”.  

“É importante ter consciência de que todos nós temos uma máscara social, mas, ainda assim, somos nós, e não podemos assumir, nas festas de final de ano, uma personalidade completamente diferente daquela que temos durante a semana, porque as pessoas observam umas às outras no dia a dia. Então, é necessário entender quem somos e manter certo padrão, independentemente do ambiente”, pondera Rafaela.  

Ela utiliza uma máxima voltada às crianças para explicar melhor seu raciocínio: “Se é errado, não faça, mesmo se o seu pai não estiver olhando na hora”. E completa: “Se você é sério, fique um pouco mais descontraído, mas mantenha certa seriedade, caso contrário as pessoas vão falar: ‘Ele não é tão sério como parece’. O mesmo vale para quem costuma ser brincalhão, tudo dentro de limites”, afirma.  

Equilíbrio. Cumprimentar a todos e não se limitar à “panelinha” é uma cortesia indispensável, assim como observar o perfil da cerimônia. “Sendo a empresa mais formal, você precisa agir com mais formalidade, inclusive em relação à vestimenta; e, mesmo que seja uma empresa de estilo mais informal, não precisamos chegar provocando escândalo”, opina.  

Se a máscara carnavalesca surgiu para que as pessoas liberassem fantasias que não tinham coragem de assumir em público, a especialista traça uma diferença entre o tom da folia e aquele reservado a encontros que reúnem familiares e colegas de trabalho com quem não temos tanta intimidade. Trocando em miúdos: variações são permitidas, mas mudanças bruscas tendem a gerar problemas. Ou seja, naquela festa regada a bebida alcoólica, cuidado para não perder o equilíbrio. 

Recentemente, viralizaram nas redes sociais imagens de uma festa no trabalho em que os convidados beberam tanto que acabaram tatuando o nome da empresa no corpo. O caso mais inusitado foi o da funcionária que sequer era contratada, mas atuava como freelancer.

“Os extremos precisam ser evitados. Quando a festa é aquela ‘open bar’ e ‘open food’, as pessoas vão com o espírito de se esbaldar, e aí mora o perigo. Beber está permitido, fique ‘alegre’, mas não fique ‘tonto’. Se você encher a cara, é grande a probabilidade de resolver ‘dançar na boquinha da garrafa’ e falar o que não deve”.  

Ela mesma já presenciou esse tipo de situação constrangedora, que deixa claro que o imperativo de não exagerar na bebida alcoólica vale para todos. “Foi muito grave porque o gestor começou a xingar os funcionários de ‘preguiçosos’, ele bebeu muito e não parava de falar”.  

Jogo de cintura. Apesar do cenário desalentador, posteriormente o gestor deu a volta por cima, e Rafaela explica como: “Ele foi afastado, mas conseguiu retornar depois de conversar com a equipe, assumir o erro, refletir e mudar a postura. Ao invés de dar desculpas, o que precisamos nesses momentos é pedir desculpas, superar a nossa arrogância”, sublinha.   

A linha tênue entre não ser desagradável ou ofensivo e preservar certa naturalidade a fim de não soar falso estaria na “capacidade social de respeitar tanto a si quanto aos outros”. Nesse sentido, Rafaela dá uma dica preciosa para pessoas cujo temperamento não permite ignorar assuntos em que a discordância se impõe. Com a polarização política no país, ela alerta sobre o fato de que o tema subiu ao topo no ranking de embates entre pessoas que compartilham relações de intimidade.  

“O essencial é as pessoas serem objetivas e expressarem o ponto de vista delas. Quando você diz que prefere não discutir determinado assunto, está dito. Alivia a pessoa, porque ela deixa claro o seu posicionamento e não dá trela para confusão. O silêncio também é comunicação, assim como o olhar, o gestual. Ir para outro ambiente é outra solução eficaz”, orienta.  

O ideal de união associado ao Natal passou a sofrer abalos justamente em razão do afloramento dessas convicções ideológicas. Costuma-se dizer que, além de política, futebol e religião não se discutem. Rafaela não concorda totalmente com a afirmação.

Na opinião dela, “se não houver fanatismo”, esses temas podem ser abordados com leveza. Segundo a especialista, são “as perguntas pessoais” que devem ser evitadas, principalmente se “você não tem mais convívio diário com aquela pessoa, mesmo que seja sua parente”.  

Temáticas. “Se você é mais velho e viu alguém jovem crescer, tende a ficar com a impressão de que ele ainda é aquele ‘bebezinho’ que dormia no seu colo, quando já se passou um ano e, nesse período, ele pode ter se transformado em um adulto”, metaforiza. No rol de perguntas pessoais a serem evitadas, a especialista elege uma como a mais perigosa.  

Como se sabe, pessoas trocam de namorado, separam-se, terminam noivados. Tão importante quanto não questionar a ausência do parceiro, seja ele marido ou apenas o eventual “paquerinha”, é não arriscar chamá-lo pelo nome. Pode ser que você confunda Fernanda com Paula, a ex com a atual.  

Na cena teatral belo-horizontina é conhecido o já folclórico caso da atriz que chama todos de “meu bem”. Mais do que carinho, a estratégia evita que ela se equivoque na hora de falar o nome do interlocutor. Rafaela presta reverência à sabedoria da artista. “Usar o ‘você’ é a garantia de não cometer embaraços”, ressalta.  

Essa polidez contemporânea vale para aquelas “perguntinhas maravilhosas” que tias ou primos que não vemos há muito tempo costumam fazer no Natal, como: “já se casou?”, “quando vai ter filhos?”, “ainda não está grávida?”.

Para esse tipo de pergunta invasiva, a dica é mudar o rumo da prosa, “desviar o foco para o novo brinquedo da criança ou o sabor da gelatina”, amenidades capazes de levar à unanimidade. É como ensinam os ditados “colocar panos quentes”, “ter jogo de cintura”. Não precisa ser tudo a ferro e fogo.

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