Espera sem fim

Coronavírus: Mineira entre brasileiros que estão na Ásia em busca da repatriação

Quase 6.000 cidadãos estão no aguardo do Itamaraty para conseguir retornar ao país; na Tailândia, baiano sofre com hostilidade e alto risco de contaminação em quarto de hostel

Por Daniel Ottoni
Publicado em 07 de abril de 2020 | 14:00
 
 
 
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Brasileiros que estão no exterior querem fazer valer à risca a orientação do 'fique em casa' em meio á pandemia do coronavírus. No entanto, 5.800 cidadãos que se encontram fora do país estão encontrando muitas dificuldades de embarcar para território brasileiro. Entre os que aguardam por novidades por parte do Ministério das Relações Exteriores, está a mineira Thaís Natiely, de 25 anos, de Belo Horizonte. A estudante está na cidade de Phuket, na Tailândia. Antes em Bangkok, ela precisou ficar na capital tailandesa depois que a conexão para Kuala Lumpur não foi permitida quando se preparava para voltar ao Brasil. 

Percebendo o risco de contaminação na cidade, ao lado de uma amiga, ela decidiu ir para um município de menor perigo, além de ter custo mais baixo para se manter no dia a dia. "Fomos na embaixada brasileira em Bangkok, porém nunca nos passaram nenhuma data nem previsão para o voo de repatriação. Estou utilizando o meu fundo de emergência para sobreviver. Já tentamos de todas as maneiras alternativas como troca de trabalho por moradia, mas não foi possível. Alugamos um apartamento por um mês pelo cartão de crédito já que não temos recursos financeiro para nos mantermos por mais tempo aqui. Nosso retorno estava para o dia 24 de março", conta. 

Thaís é uma das integrantes de um grupo de WhatsApp que chegou a ter mais de 300 brasileiros, presentes na Ásia, e que agora conta com cerca de 180. O número foi reduzido quando alguns conseguiram retornar para casa com meios próprios. 

Entre os que seguem na Ásia, está o personal travel Adriano Leal, baiano de Vitória da Conquista. Com a Itália e o Vaticano, que eram os carros-chefe do seu trabalho, fechados, ele retornou para o sudeste asiático para montar roteiros. Foi quando as fronteiras se fecharam, o que o forçou a buscar a repatriação por meio de consulado e embaixada. Um voo chegou a ser conseguido pelas autoridades brasileiras, mas seria necessário pagar uma taxa de R$ 10.500.

"Com esse dinheiro, sobrevivo por oito meses aqui em Bangkok. O voo foi cancelado pois apenas 15 pessoas se dispuseram a pagar. Estou vivendo de doações, morando em um hostel em um quarto com mais sete pessoas que me fez lembrar do Carandiru. O local tem uma entrada e saída frequente de pessoas, o risco de contaminação é grande. Há poucos dias, tivemos uma infestação de baratas", relata. Pra piorar, estrangeiros estão sendo hostilizados quando saem às ruas. Ele aponta que, no grupo de pessoas aguardando por uma posição do governo brasileiro, estão grávidas, idosos e crianças. 

Até agora, nenhuma ajuda

Os brasileiros que estão na Tailândia, Camboja e Laos recebem os cuidados de uma mesma embaixada brasileira, sediada em Bangkok. Apesar da promessa de uma ajuda financeira, ela ainda não chegou para quem preencheu um formulário enviado pela entidade. É o caso da técnica de enfermagem Joice de Oliveira, de 35 anos, natural de São Pedro da Aldeia (RJ).

Ao lado de um marido e de um outro casal, eles sobrevivem como podem depois do dinheiro se tornar escasso. "Estamos contando com biscoitos pra sanar a fome e precisamos escolher entre almoço e jantar. Fomos expulsos de um hostel que exigia pagamento em dinheiro. Nossa alternativa é pagar parcelado no cartão de crédito, por sorte conseguimos encontrar um local que nos aceitasse. Pagamos por um outro e estava fechado quando lá chegamos. Gastamos dinheiro que não poderíamos com o deslocamento, que precisou ser feito de táxi por causa das malas. Se pudesse ir a pé, eu iria para economizar", indica. Seu retorno na viagem a turismo era para acontecer no dia 30 de março e o voo foi cancelado ainda no dia 22.

Quando percebeu que a situação começava a se complicar, ela tentou adiantar o retorno, sem sucesso. Ela conta que recebe pressão dos chefes para retornar o quanto antes ao trabalho. "Nossa vida está toda parada. Quando viemos, a situação não estava tão grave, foi logo após o Carnaval. Alguns disseram que enfrentamos todo o risco, mas este caos não estava instaurado, nem existia alerta do governo sobre isso. Em 15 dias, tudo desabou", lamenta. 

Governo afirma que atua em busca da repatriação

Procurado pela reportagem, o Itamaraty afirma que desde o início das restrições de movimentação provocadas pela pandemia de Covid-19, tem atuado para ajudar os brasileiros retidos no exterior.

"Estamos trabalhando, junto com a ANAC e o Ministério do Turismo, para superar os problemas criados pelos extensos cancelamento de voos. As embaixadas e consulados ao redor do mundo estão em negociações constantes para conseguir superar obstáculos como o fechamento do espaço aéreo, a proibição do trânsito interno e restrições severas de movimentação dentro das cidades. O Ministério das Relações Exteriores também está contratando voos fretados que permitam o retorno dos brasileiros retidos em países com absoluta interrupção dos voos comerciais", informa a nota, que não dá uma previsão sobre quando os brasileiros poderão retornar ao país de origem. No começo da pandemia, um total de 16 mil brasileiros estavam longe de casa. 

"Quem estiver em situação de dificuldade, pode solicitar ajuda ao consulado ou a embaixada em sua região, os quais buscarão, de acordo com as limitações legais existentes, dar apoio aos nacionais em situação de hipossuficiência financeira", completa o comunicado. Nesta terça-feira, os integrantes do grupo do sudeste asiático receberam mensagem da embaixada orientado a cadastrar seus nomes em uma lista por email. A lista vai identificar os passageiros que buscam a repatriação, mas seguem sem previsão de retorno. 

Falta de controle em Guarulhos chamou atenção de mineiro que conseguiu retornar

Entre os mais de 11 mil brasileiros que conseguiram retornar nos últimos dias, está o mineiro Ricardo Bueno 38 anos, digital influencer, natural de Araújos, na região centro-oeste do Estado. O retorno de viagem para Galápagos começou a ter problemas na conexão em Quito. "Foi nos informado que o aeroporto estava fechado, informação que apuramos que não procedia. Isso viria a acontecer no dia seguinte somente. Buscamos alternativas como passar por Bogotá, sem sucesso. Reunimos cerca de 10 brasileiros na mesma situação, este número passou para 20 logo depois. Um voo foi marcado para 6 de abril, antes de ser cancelado. As ruas de Quito estavam desertas, um hotel ao lado do nosso foi invadido e só podíamos sair do quarto para ir ao supermercado e farmácia", cita. 

O toque de recolher às 14h fez o hotel liberar os funcionários às 12h, com o hotel não mais disponibilizando refeições. O grupo se uniu para cozinhar por conta própria. O dinheiro de alguns acabou e uma 'vaquinha' precisou ser feita para ajudá-los. "O mais complicado foi quando pessoas que tomavam remédios controlados não tinham receita para comprar os medicamentos. Recebíamos da embaixada a informação que estávamos entre as prioridades mas a demora se deu por 15 dias. Voltamos no dia 30 de março em um voo fretado do governo", lembra.

Ricardo conta que o processo para deixar Quito foi uma operação de guerra, com todos os brasileiros sendo deslocados para uma praça e escoltados por polícia e exército. "Parecia que estávamos sendo deportados por algum crime, foi surreal", recorda.

A chegada ao Brasil no aeroporto de Guarulhos surpreendeu o grupo, que se deparou com free shop aberto e não passou por nenhum tipo de controle, além da medição de temperatura. Agora, Ricardo está em Santos (SP) ao lado do companheiro cumprindo o período de quarentena. "Estamos vendo tudo pela janela e estou surpreso com muita coisa. A sensação é de descaso, que não estamos preparados. Pessoas não usam máscara, muitos idosos estão transitando normalmente e já vi obras e churrasco na rua", completa. 
 

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