O Ministério da Saúde informou ter destinado 379 mil comprimidos de cloroquina a Minas Gerais – o Estado foi o sexto que mais recebeu o medicamento e, no Sudeste, fica atrás apenas de São Paulo, que obteve 536 mil unidades.
O protocolo da pasta federal é que o remédio seja utilizado inclusive em casos leves de Covid-19. Em Minas, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) diz avaliar a alternativa pelo menos desde maio, ainda sem conclusão.
Ao mesmo tempo, alguns municípios mineiros adotam a opção e distribuem o medicamento para pacientes com sintomas leves como forma de tratamento precoce.
A quantidade de comprimidos destinados a cada cidade, segundo o ministério, foi inicialmente baseada no volume de casos de cada local em março, no começo da pandemia, com a projeção de que o quadro de cerca de 20% dos pacientes evoluísse para grave – situação em que a cloroquina era utilizada, inicialmente. Nas entregas posteriores, o ministério passou a considerar o estoque do medicamento informado por cada município para enviar mais.
Na primeira entrega, em março, foram enviados 27 mil comprimidos a Minas, quantidade que aumentou mais de dez vezes em setembro, quando a SES-MG recebeu 286 mil unidades. Por demanda dos municípios, a secretaria havia pedido 364 mil. No total, desde março foram recebidos 371 mil comprimidos, informa a pasta. A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre o porquê de não ter enviado os demais e aguarda retorno.
Maior procura
A cidade que mais demandou o remédio foi Unaí, no Noroeste de Minas. A prefeitura fez um pedido de 72 mil comprimidos no final de julho, dos quais recebeu pouco mais de 59 mil, de acordo com a secretária municipal Denise de Oliveira. O montante solicitado seria para o tratamento de cerca de 4.000 pacientes, ela explica. Com pouco menos de 85 mil habitantes, a cidade registrava 2.339 casos confirmados de Covid-19 e 49 óbitos, segundo dados da prefeitura, atualizado na última quinta-feira (24).
Unaí é um dos municípios mineiros que disponibilizam a cloroquina para tratamento precoce da doença. Conforme a prefeitura anuncia nas redes sociais, se o médico achar necessário, o paciente que procura o Centro de Atendimento para Enfrentamento da Covid-19 da cidade recebe o medicamento já nos primeiros sintomas, em um kit com outros remédios. A reportagem questiona o governo municipal de Unaí desde o dia 18 deste mês, mas não recebeu mais esclarecimentos sobre o protocolo.
“Kit Covid”
Após assumir oficialmente a liderança do Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello aventou a possibilidade de fornecer a cloroquina para todo o país em uma espécie de “kit Covid”, a ser disponibilizado gratuitamente por meio da Farmácia Popular.
Ipatinga, no Vale do Aço, é mais um exemplo de cidade que segue o protocolo do uso de cloroquina para pacientes com quadros leves. A reportagem tentou contato com a prefeitura repetidas vezes e não teve retorno sobre os detalhes do protocolo. Já Belo Horizonte não adotou a indicação ministerial e, por isso, não recomenda o uso do medicamento para quadros brandos. Ainda assim, se houver recomendação médica, fornece o remédio pela rede pública.
Total de comprimidos de cloroquina enviados a MG
Março: 27 mil
Abril: 27 mil
Maio: 31 mil
Setembro: 286 mil
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG)
As cidades que mais solicitaram comprimidos entre julho e agosto
Unaí: 72 mil
Ipanema: 30 mil
Abre Campo: 30 mil
Itabirito: 27 mil
Teófilo Otoni: 18 mil
Três Corações: 15 mil
Timóteo: 12 mil
Itabira: 12 mil
Manhumirim: 10 mil
Guapé: 8.400
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG)
Sem recomendação de órgãos
Ao contrário do Ministério da Saúde, uma lista de instituições nacionais e internacionais não recomenda o uso de cloroquina para casos leves da Covid-19, seja com ou sem combinação com o remédio azitromicina. Entre eles, estão a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). O argumento dos órgãos é que há uma lacuna de conhecimento científico sobre a droga para o tratamento de Covid-19.
O Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) admite que não existem evidências para validar o uso da cloroquina, mas deixa a cargo do médico escolher se receitará o medicamento. Nesse caso, o paciente precisa assinar um termo em que informa ter ciência de que a droga não tem eficácia comprovada. “O médico vai explicar para o paciente que o que existe são estudos observacionais e que o medicamento é benéfico no entendimento do profissional”, explica a presidente do CRM-MG, Cibele Alves Carvalho.
Uma cuidadora de idosos, de 51 anos, que pediu para não identificada, relata que, ao ter sentido falta de ar e taquicardia e procurar um médico na capital, o profissional teria prescrito cloroquina e azitromicina sem sequer pedir exame de Covid-19. “Aceitei tomar e, no terceiro dia, a taquicardia piorou. Fui parar no hospital, fiz o teste de Covid-19 e deu negativo”,disse.
Pesquisas ainda não detectaram eficácia
Uma pesquisa envolvendo oito instituições médicas brasileiras – como os hospitais paulistas Albert Einstein e Sírio-Libanês – e cerca de 667 pacientes concluiu que o remédio não traz qualquer benefício no tratamento de casos leves de Covid-19 e que há alterações nos batimentos cardíacos. “Nos pacientes hospitalizados, não faz sentido usar hidroxicloroquina, porque não existe benefício e pode haver malefício”, afirma Flávia Machado, pesquisadora da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Cuidado Intensivo (BricNet) e membro do grupo do estudo. Agora, o grupo conduz outra pesquisa, com participação de 1.300 pacientes de casos leves da Covid-19.
Em BH, um time de pesquisadores de hospitais da capital iniciou um estudo para avaliar a eficácia da cloroquina. O projeto está sob risco de ser cancelado, segundo um dos organizadores, o infectologista Unaí Tupinambás. Ele diz que houve baixa adesão dos profissionais. “Uma das hipóteses para a falta de procura é a polêmica política que a droga se tornou”, diz.
Médicos fazem live em defesa da aplicação
A imunologista e oncologista Nise Yamaguchi, que diz assessorar informalmente o Ministério da Saúde, defende o movimento Covid Tem Tratamento Sim, que une médicos favoráveis ao uso da cloroquina no tratamento precoce da Covid-19 e dissemina a ideia nas redes sociais.
“Hoje, nossa fala ficou multiplicada, como se fosse um exército de guerrilha, multiplicada em centenas de cidades do Brasil. As nossas lives (em defesa do tratamento) costumam lotar tanto que acaba não dando para todos participarem”, conta. Ela disse que há 10 mil médicos espalhados pelo Brasil que defendem a medicação.
“Se o paciente ou o médico não quiserem o remédio, tudo bem, mas ele tem que estar disponível. Não dá para errar em uma doença dessas”, argumenta.
Respostas dos municípios
A prefeitura de Timóteo, no Vale do Rio Doce, diz que, no pedido de comprimidos, levou em conta o número de habitantes da cidade, casos acumulados e diários de Covid-19, hospitalizações, atendimentos e quantitativo de azitromicina dispensados na pandemia. O pedido visa seis meses, segundo a prefeitura, que reforça que cabe ao médico prescrever ou não a droga, que será disponibilizada nas farmácias municipais. Pelo menos até o dia 22 deste mês, a cidade não recebeu as unidades, declara.
A prefeitura de Itabira, na região Central, disse ter recebido 640 comprimidos do Ministério da Saúde, até então, e que não pretende realizar novos pedidos. A demanda de 12 mil levava em conta uma estimativa feita para a pandemia para um ano a um ano e meio. Nenhum comprimido foi utilizado para tratamento ambulatorial.
As demais prefeituras procuradas pela reportagem não responderam.