A pandemia tirou das salas de aula milhões de estudantes em todo o Brasil. Enquanto alguns locais e instituições usam formas alternativas de continuar com as atividades, familiares de crianças matriculadas na rede pública de Belo Horizonte reclamam da falta de ações da Secretaria Municipal de Educação para garantir ao menos parte do aprendizado e falam do prejuízo causado aos alunos. Por outro lado, a pasta informou que desde junho os professores trabalham remotamente para garantir o envio de atividades semanais aos estudantes e argumentou que o objetivo agora é não cumprir calendário, mas sim reconstruir “metodologias e práticas pedagógicas”.
Na capital, mais de 190 mil crianças estão matriculadas na rede pública municipal, distribuídas entre a educação infantil (86.160) e o ensino fundamental (104.913). Uma delas é Maria Luiza, 5, que desde março não faz nenhuma atividade escolar. Segundo a mãe, a engenheira Bárbara Saldanha, 46, há cerca de um mês a escola criou um grupo de WhatsApp, mas apenas um questionário socioeconômico foi enviado. “Certamente, ela será alfabetizada mais tarde que as crianças de escolas particulares, que estão tendo aulas online. O que eu peço é que haja atividades pedagógicas pelo menos semanais”, afirma.
Para outras famílias, o grupo de WhatsApp tem funcionado, mas não tem sido suficiente. Um desses casos é o da gestora de recursos humanos Jacqueline Faria, que tem se esforçado para manter os dois filhos, de 14 e 11 anos, ocupados. “Eles fazem as atividades da escola em um dia só, nos demais dias eles estudam, fazem redações, ditados”, relata.
Na mesma situação estão os filhos da promotora de eventos Ana Paula Rodrigues, 37. Os gêmeos de 12 anos contam com a ajuda de um primo para avançar na formação. “Em um ou dois dias eles acabam as atividades da escola e depois usam os livros didáticos. Não tem data para entregar, ninguém corrige. Nós que temos que ensinar essas atividades toda semana. E, como eu não tenho muito tempo para ajudar, meu primo é quem os ajuda”, explica.
Cansaço
A representante comercial Viviane Bertoldi, 48, e os dois filhos, de 13 e 14 anos, passam por uma situação parecida, mas ela conta que os dois já estão cansados da rotina em casa. “Eles estão estudando menos tempo, eu não estou conseguindo acompanhar para dar matéria do livro. Quando chega atividade, é mais fácil, porque eles fazem sozinhos, mas a matéria mesmo eles precisam da minha ajuda”, diz.
Nenhuma das mães ouvidas pela reportagem mandaria os filhos à escola caso as aulas fossem retomadas hoje. “Os pais não querem que as escolas voltem, a gente sabe que está em uma pandemia, que é perigoso e que eles são crianças. Somos cientes disso”, conclui Ana Paula.
Robustez
A principal reivindicação das famílias ouvidas pela reportagem é que haja uma previsão de retorno ou pelo menos um reforço nas atividades não presenciais, para que elas não sejam apenas para “cumprir tabela”. “Gostaria que todos os professores dessem aulas, que poderiam ser por WhatsApp, videoaula, videochamada”, pontua a representante comercial Viviane Bertoldi, 48.
No início da semana, a prefeitura sinalizou que pode optar por fundir dois anos letivos em 2021, orientada por uma portaria do Ministério da Educação. Segundo a secretaria municipal, o MEC observou que, mesmo que seja possível um retorno no segundo semestre deste ano, a maioria dos estudantes brasileiros não finalizaria a carga horária necessária até dezembro. “Provavelmente cada rede terminará este ano em um mês diferente, mas todos em 2021”, declarou a secretária de Educação de BH, Angela Dalben.
Para Jacqueline Faria, fundir dois anos em um vai ser difícil. “Como ficariam alunos que mudariam de escola? Os que estão tendo aulas neste ano? Nós, pais, estamos de mãos e pés atados devido à irresponsabilidade da prefeitura de não ter feito nada”, reclama.
Prejuízo
Crianças entre 6 e 11 anos são as mais prejudicadas pelo afastamento da escola por causa da pandemia do novo coronavírus, avalia o professor Eduardo Mortimer, da Faculdade de Educação da UFMG. Segundo ele, esta é a idade em que os alunos mais precisam de assistência para aprender, o que nem sempre está disponível em casa. As dificuldades se ampliam dependendo da origem social da criança, cujos pais, no caso das mais pobres, têm menos possibilidade de intervir na educação dos filhos.
A solução, para ele, passa pelo ensino remoto, mas que também traz seus desafios. “Esse tipo de ensino carrega uma série de problemas, como acesso e treinamento dos professores. Por mais que as secretarias argumentem que criam métodos alternativos, sabemos que muitos continuam sem acesso às aulas e correm o risco de abandonar seus estudos”.
O especialista em educação ainda cita dados de alcance da internet no Brasil, que apontam que mais da metade dos lares não têm acesso à rede.
Prefeitura
A Secretaria Municipal de Educação informou que desde junho os professores da rede municipal estão trabalhando remotamente para levar as atividades semanais aos alunos. Por meio das redes sociais da escola, de e-mail e da distribuição física de materiais em casa ou recolhidos na escola ou em ponto comercial próximo, os conteúdos têm chegado aos alunos, mas sem contarem como parte das ementas de cada série.
“O programa implementado não está focado no cumprimento de calendário, mas na reconstrução de metodologias e práticas pedagógicas no contexto da pandemia e suas consequências”, informou a pasta por meio de nota.