Coronavírus

Pandemia aumenta a espera por pensão alimentícia

Crise financeira dos pais e audiências paradas na Justiças afetam os filhos

Por Rômulo Almeida
Publicado em 25 de maio de 2020 | 03:00
 
 
 
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A pandemia do novo coronavírus aumentou a espera de pais e mães pela garantia da pensão alimentícia para seus filhos na Justiça. Para evitar aglomerações nos tribunais, os prazos processuais presenciais foram suspensos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 19 de março a 31 de maio.

Audiências de conciliação não estão sendo realizadas presencialmente nas Varas de Família de Minas Gerais. Fundamental para o acordo entre as partes, as sessões podem ser feitas pela internet, mas apenas uma foi conduzida eletronicamente neste mês pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). 

O TJMG informou que está se esforçando para implantar tecnologia que permita as audiências por videoconferência nas Varas da Família com segurança. Até o início da pandemia, os equipamentos necessários para as reuniões online haviam sido instalados apenas nas varas criminais e em outras três salas da Justiça de Belo Horizonte.

Esse impasse atormenta a vida de pais e mães que buscam um acordo, como é o caso de Paula Santos*. O marido dela pede a redução do valor da pensão, alegando falta de dinheiro por causa do coronavírus. “Tenho duas crianças, de 9 e 6 anos, e o pai delas, mesmo antes da pandemia, ficava sem pagar. Isso gerou um montante devedor, e, até hoje, o juiz não determinou que ele pague a pensão ou que vá preso”, conta Paula.

A paralisação dos processos impede que as partes cheguem a um ponto comum, justamente no momento em que a crise impacta a renda dos pais e aumenta a necessidade dos filhos – os dois critérios usados para a definição do valor a ser pago. “A pensão só pode ser paga dentro de um binômio que se chama ‘necessidade e possibilidade’. A dificuldade de pagamento já era imensa antes. Imagina agora, com essa crise”, explica a juíza Maria Consentino Agostini, da Entrância Especial do TJMG.

Entenda

Em caso de queda na renda do responsável pela pensão, o valor a ser pago pode ser reduzido, mas, para isso, é preciso um acordo judicial, como explica o juiz Carlos Alexandre Romano Carvalho, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Lagoa Santa. “Caso não tenha condições de arcar com o custo da pensão, o responsável deve entrar com uma ação revisional de alimentos”, diz. 

O juiz alerta que a pandemia, no entanto, não exime o responsável da pensão. “O juiz tem que olhar as duas realidades. A pandemia por si só não isenta o pai de pagar pensão nem reduz a quantia”, esclarece.
* nome fictício

Estutura precária

Advogados apontam que a estrutura do TJMG não é suficiente para a celeridade dos trabalhos em tempos de pandemia. “O sistema de informatização do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi muito precário. A implantação do PJE (Processo Judicial Eletrônico) foi feita muito rápido, sem investimento pesado em infraestrutura”, relata a advogada Katia Aleixo, que tem processos na área de família.

O TJMG informou que a suspensão de audiências presenciais não está afetando a prestação dos serviços e que as demandas urgentes estão sendo apreciadas.

Prisão

A pensão alimentícia pode gerar prisão por dívida no Brasil. Mas noo dia 27 de março, o STJ decidiu que quem está preso por não pagar pensão deve cumprir a pena em casa durante a pandemia. A medida não desobriga nem reduz a necessidade do pagamento.

Guarda compartilhada

Outro ponto do direito de família que está sofrendo o impacto da pandemia é a guarda compartilhada. O isolamento social dificulta a realização de visitas de pais e mães separados a seus filhos. Esse é o caso de Lucas Santos*, de 36 anos. “Pais de crianças pequenas que desejam manter contato e exercer sua função paterna se veem impedidos neste momento”, lamenta.

Para ele, o encontro por videoconferência, orientado pela Justiça, não é suficiente, já que seu filho tem 3 anos. Lucas acredita que os pais estão desprotegidos pela Justiça. “Você não pode proibir a mãe de defender o filho, mas você tem que dar garantias para o pai exercer o poder familiar, de estar com o filho durante um evento histórico, uma crise humanitária. E não tem uma política pública nesse sentido até agora”, disse. 

Para reduzir problemas como o de Lucas, o juiz Carlos Alexandre Romano Carvalho recomenda o bom senso e o diálogo entre as partes. Segundo ele, não existe uma receita que se aplique a todos os processos. “Eu tenho o caso de um menino de Lagoa Santa (região metropolitana) que tem que visitar a mãe em Contagem (na mesma região) toda semana, mas a criança está no grupo de risco porque tem uma doença congênita”, exemplifica.

“O melhor na guarda compartilhada é os pais conversarem, senão como você vai compartilhar uma obrigação em que você não se dá bem com a pessoa que é coobrigada?”, explica.

O magistrado diz ainda que deve ser analisada a qualidade da relação entre pais e filhos. “Os pais precisam entender que o importante não é o tempo que você fica com a criança, mas a qualidade. Há casos em que o pai coloca o filho para jogar videogame e não dá atenção à criança”, conclui.
* Nome fictício

 

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