Depois da expansão no início dos anos 2000, com a abertura de várias lojas pelo país, as livrarias Saraiva e Cultura enfrentam hoje o desafio de manter suas redes em atividade, enquanto negociam dívidas com credores e fecham as portas de estabelecimentos, na tentativa de conter prejuízos. Juntas, ao lado da Amazon, representam cerca de 40% das vendas de livros no país. Por isso o declínio das duas atinge a cadeia nacional do livro.
“Uma crise sem precedentes” é como especialistas têm se referido a esse contexto, que, de acordo com Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), não deverá retroceder no ano que vem. “O próximo ano provavelmente será pior que o de 2018, pois iniciaremos com a crise das livrarias instalada, com menos lançamentos e risco de desabastecimento”, disse Pereira, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
Esse risco de desabastecimento de títulos relaciona-se ao impacto da suspensão do pagamento às editoras, uma vez que essas grandes livrarias entraram com processo de recuperação judicial a fim de evitar a falência. Como pontuou o editor e presidente do Grupo Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, em carta divulgada recentemente, “as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos” – o que implica na redução do capital de giro.
Dessa forma, um efeito dominó está em curso, como observa Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro. “Eu tenho recebido ligações das gráficas para saber como estão as coisas, porque essa crise também chega até elas. Sem receber, as editoras podem não conseguir sanar seus compromissos com as gráficas, e o autor também acaba sendo prejudicado, porque ele não consegue receber seus direitos autorais”, comenta Torelli.
Modelo de negócio
O editor e jornalista Haroldo Ceravolo, fundador da Alameda Editorial em 2004, acrescenta que as distribuidoras também estão sendo prejudicadas. “A BookPartners, que é a maior distribuidora de livros do país, entrou com recuperação judicial meses atrás, e essas grandes livrarias são devedoras dela”, recorda ele. A seu ver, o que está em xeque no momento é um modelo de negócio que não mais se sustenta, uma vez que os créditos governamentais, nos quais essas grandes redes basearam seu crescimento, não estão mais disponíveis como em anos atrás.
Para ele, a aumento dos contratos de consignação e a adoção de práticas semelhantes às usadas pelos supermercados contribuíram para o atual colapso. “As livrarias deixaram de pagar pelo produto que recebiam antecipadamente ou no prazo acordado no momento da venda. Elas passaram a pagar depois da comercialização. Isso jogou o financiamento da produção editorial ainda mais para as editoras, porque o capital de giro demorava mais para voltar”, completa Ceravolo.
Para Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), será necessário uma reconfiguração dessas relações, caso tais redes queiram sobreviver. “As livrarias, independentemente do seu tamanho, terão que pensar em uma estratégia de volta às origens. Há um processo de crescimento e quase que uma exaltação da necessidade de crescimento, que é imposta quase como uma obrigação. Mas o atual momento está mostrando que não é bem assim. É possível ser vitorioso sem ser o maior”, sublinha Gurbanov.
Regulação é retomada
Os motivos que provocaram a queda dessas grandes livrarias, sendo arrastados junto com elas outros setores do mercado editorial, são vários. Mas além do modelo das “megastores”, que vem sendo considerado inviável, outro aspecto muito questionado por quem atua nesse segmento são os descontos sobre os lançamentos. Para Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro, essa prática revelou ser “um tiro no pé”.
“Descontos até acima do custo do livro foi algo que começou em 2009 e veio se repetindo sistematicamente, principalmente, por conta das vendas online. Mas competir com descontos é um verdadeiro absurdo, uma morte anunciada”, diz Torelli.
Ele defende que qualquer redução no preço dos livros deve seguir estratégias como as exercidas em outros países, a exemplo da França, onde apenas dois anos após o lançamento da obra é possível praticar 5% de desconto. “Foi o que possibilitou o ressurgimento de livrarias menores e charmosas que existiam em Paris”, completa.
A proposta de lei brasileira, que atualmente aguarda parecer na Casa Civil, propõe que seja vetado descontos acima de 10% até o primeiro ano de circulação do título. Para o editor e jornalista Haroldo Ceravolo, essa medida poderia contribuir para frear a diminuição de livrarias no país – de acordo com a Aliança Nacional de Livrarias, estima-se que hoje existam 2.500 lojas no país, contra as 3.481 em 2012.
“Na França, o consumidor vai encontrar o livro recém-lançado praticamente pelo mesmo preço na Fnac, na Amazon francesa ou na livraria de bairro. Então, isso faz com que as pessoas frequentem as lojas mais próximas de suas casas, fomentando a pequena burguesia do livro, que é tão importante quanto as grandes redes”, pontua Ceravolo.