A Academia Mineira de Letras (AML) segue interessada em estreitar suas relações com a sociedade não apenas por meio de uma maior circulação do conteúdo dos seus acervos. Há a proposta também de abrir o palacete para visitas guiadas, transformando o espaço em uma espécie de casa-museu.

“Praticamente tudo que temos na casa é mobiliário original que tem cerca de 90 anos. O índice de preservação da casa e dos objetos é algo raro na cidade. Aqui geralmente permanecem apenas as fachadas, o que não acontece na sede da Academia. Todo o interior está como era no passado e isso é outro potencial que essa sede possui”, diz Rogério Faria Tavares, atual presidente da AML. 

Ele ressalta que abrir a casa pode ser relevante especialmente porque ela oferece um retrato dos modos de vida na cidade no início do século XX. “Você imagina uma criança poder entrar aqui e perceber como as coisas funcionavam no passado. Há aqui indícios não só dos modos de viver, mas de trabalhar, porque aqui também funcionava um ambulatório. Pessoas nasceram e morreram nesse espaço. Eu imagino que um visitante poderia se surpreender com a dimensão dos ambientes, com o que eles guardam em termos de memória”, afirma Tavares.

Debates

A AML tem buscado contemplar autores e discussões que permeiam questões caras à literatura contemporânea. Há menos de dois meses, por exemplo, a mineira Conceição Evaristo, cuja candidatura à Academia Brasileira Letras conquistou apenas um voto no ano passado, participou de um bate-papo na casa, e a intenção, de acordo com Rogério Faria Tavares, é cada vez mais ampliar o escopo dos encontros.

“Desde que comecei a fazer a programação cultural da AML, eu tenho buscado pautar várias sessões sobre as chamadas literaturas ‘não-canônicas’. A professora Ivete Valty, por exemplo, esteve aqui falando sobre Carolina Maria de Jesus. Recentemente, a professora Constância Lima Duarte também realizou uma palestra sobre Maria Firmina dos Reis, e nós fizemos o lançamento do livro de Zuza, que foi uma catadora de papel. O Eduardo de Assis Duarte também veio aqui falar sobre literatura afro-brasileira, e eu convidei o poeta Edimilson de Almeida Pereira para abrir o nosso calendário acadêmico de 2020”, comenta Tavares. 

Sobre a polêmica em torno da candidatura de Conceição, Olavo Romano, membro da ALM e ex-presidente da casa, lamentou que a escritora não tenha conquistado a cadeira de número 7, agora ocupada pelo cineasta Cacá Diegues. Porém, ele reforçou que os ritos da casa não podem mudar, e a primeira coisa a ser feita por um candidato é comunicar os outros sobre sua intenção de campanha, pois essas são as regras.

“Você pode querer mudar uma instituição por fora ou por dentro. Estando lá, você pode tentar fazer as coisas serem diferentes, mas, de fora, só é possível fazer barulho”, diz. E, para ele, não há possibilidade de uma candidatura seguir outros ritos. “Por que haveria de mudar? Nós vamos cair aonde se isso for diferente? No apelo das redes socais com suas fake news e robôs pedindo voto? Às vezes, pode dar menos trabalho comunicar 39 eleitores do que reunir milhares de assinaturas”, defende Romano. 

Saiba mais sobre os rituais da AML:

1 - Após a morte de um acadêmico, aguarda-se um período de 30 dias de luto para realizar a sessão da saudade, que é aberta ao público. Só depois dessa solenidade que é lançado edital para vaga que foi aberta.

2 - Durante a posse, o novo acadêmico recebe um diploma, um bóton e promete seguir o estatuto da casa. É de praxe um veterano receber o recém-empossado com um discurso.

3 - Os chás são mensais e acontecem após uma reunião plenária, que dura, em média, cerca de 30 minutos.

4 - Quando um acadêmico morre, seu corpo é velado no palacete ou no auditório. Este é o momento em que são manifestadas as últimas homenagens ao membro da comunidade. 

 

Minientrevista

Wander Melo Miranda vai tomar posse no dia 10, ocupando a cadeira 7 da AML

O que você gostaria de priorizar logo após sua posse na Academia Mineira de Letras (AML)?

Primeiro, eu gostaria de fazer uma aproximação entre o acervo que tem lá e é muito rico com o de outros espalhados por Minas Gerais, como o Acervo de Escritores Mineiros da UFMG, o Museu Casa de Alphonsus de Guimarães, em Mariana, e o acervo de Murilo Mendes em Juiz de Fora. 

Você já deve conhecer um pouco das preciosidades da biblioteca da AML. O que já capturou sua atenção por lá?

Sim, para eu fazer o meu discurso de posse, eu precisei olhar para o trabalho dos antecessores da minha cadeira. E me chamou muita atenção os escritos do poeta Austen Amaro (1901-1991), que tem um poema, chamado “Juiz de Fora”, publicado com desenhos de Pedro Nava, que é muito interessante. Este é um poema de 1926. E acho que é um livro que merece ser retomado, porque ele ficou um pouco apagado desde então. Outro que me atraiu bastante foi o um livro de Avelino Foscolo (1864-1944), “A Capital”, que é o primeiro romance ambientado em Belo Horizonte. Ela ainda estava em construção quando foi escrito. Avelino é uma figura muito interessante. Ele foi artista de circo e publicou outros trabalhos também que eu vejo a possibilidade até de dar origem a uma coleção. Acho que há um grande potencial de textos ali que podem ser reeditados. 

Como você percebe a atuação da AML?

Eu acho que, desde as últimas gestões, principalmente as duas últimas, houve uma abertura muito grande da academia para a cidade. Têm sido realizados muitos eventos que são interessantes para os estudantes, para os jovens e para qualquer pessoa que se interesse por literatura. Como alguém da área de letras, eu acho que esse é um passo muito importante e revela uma proposta da Academia Mineira de Letras de se conectar cada vez mais com a comunidade local.