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A negra (e potente) ressonância de Josy.Anne

Cantora e atriz lança nesta quinta-feira, nas plataformas de streaming dedicadas à música, o seu primeiro álbum 'cheio', Mozamba

Por Patrícia Cassese
Publicado em 20 de janeiro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Se o início da trajetória da belo-horizontina Josy.Anne como intérprete se deu no território do canto lírico, foi na potência dos tambores que pontuam as festas de reinado que ela de fato se conectou à sua ancestralidade. Este encontro, aliás, se deu pelas mãos daquele que é uma referência neste universo, o dispensa-apresentações Maurício Tizumba. É que foi ao frequentar o Tambor Mineiro, a iniciativa idealizada pelo notável multiartista, que Josy.Anne começou a se enfronhar na história desse legado ancestral de reis e rainhas com presença marcante em Minas Gerais. Desde então, esse mergulho já resultou em um single, “Espelho” (2016), e, na sequência, em um  EP, “Essência”. A boa notícia é que mais um fruto desta imersão está disponível agora à apreciação do público: é que, nesta quinta-feira, desembarca nas plataformas musicais o repertório de seu primeiro disco "cheio", “Mozamba”. 

Produzido em parceria com Ipori Art Project, Bendito Ofício e Sinergia Projetos Cultura, e realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, o trabalho tem a concepção, composições e direção musical assinados pela própria Josy.Anne, com direção artística de Maré de Matos e produção musical de Richard Neves e PodeSerDesligado. O álbum conta com a participação da Babadan Banda de Rua, da cantora Júlia Tizumba e, como não poderia ser diferente, do mestre Maurício Tizumba (pai de Júlia).

Também atriz - recentemente, integrou o elenco de "Por Que Não Vivemos", espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, com Camila Pitanga no elenco, e que ficou em cartaz no CCBB BH -, Josy.Anne conta que, considerando-se tudo o que realizou como artista, sua trajetória já soma 15 dos seus 34 anos. "Entrei na carreira de atriz para buscar um território musical, mas foi tocando tambor que me descobri efetivamente artista. Entendi que dava para compor e até para sobreviver de arte, tudo atrelado ao tambor, aos ritmos afro-diaspóricos", explica ela, acrescentando que "Mozamba" tem como pilares a música afro-mineira atravessada pelo reinado, no que ela chama de uma "negra ressonância mineira".

Todas as canções, vale destacar, são de sua própria autoria. "Componho a partir do ritmo, da melodia, e os instrumentos vão entrando. E há uma particularidade que é o fato de o disco ter outras músicas que são do reinado mesmo, toadas, como a que abre o disco", cita, lembrando que, durante o processo que antecedeu a gravação, conversou com as capitãs Pedrina e Ester Antonieta, com a atriz Kátia Aracelle e com a rainha Konga Ana Luzia da Silva  Moraes, todas do Massambique (palavra kimbundu, do grupo linguístico bantu)  de Nossa Senhora das Mercês, de Oliveira; assim como da poeta, ensaísta e dramaturga Leda Maria Martins ("o livro 'Afrografias da Memória' foi uma grande fonte de pesquisa, por falar de reinado de uma forma muito lírica, poética").  "O território do reinado é abrangente, e escolhi o recorte que é a luz dos olhares das mulheres, que essas capitãs e rainhas congas carregam - além da Leda. Assim, as canções têm essa perspectiva".

A faixa que poderia ser citada como "a de trabalho" é "Berê Berê", que ela compôs "pensando nesses corpos negros que vieram em travessia (do outro lado do Atlântico) e na chegada deles à terra pindorâmica, desconhecida, onde foram escravizados". Na música, Josy quis falar dessa fé devotada a Nossa Senhora do Rosário, que, não obstante as adversidades por aqui encontradas, é saudada com a frase “undamba berê, berê". "É a força do reinamento, é  o que eles trouxeram de memória ancestral para manter, dentro do possível, a vida em festa na chegada dos corpos da diáspora, em louvação a Nossa Senhora do Rosário".

Outra música que ela destaca é "Labareda", na qual convida a já citada Babanda, big band afro-mineira, que tem o reinado como seu carro-chefe. "Ela tem um arranjo maravilhoso, com instrumentos de sopro. Na verdade, é a unica música que falo da minha perspectiva pessoal, um 'essa sou eu'. É uma música simples, como aliás costumam ser as canções do reinado. Na verdade, muito simples e, ao mesmo tempo, muito complexas, já que têm muitas camadas".  

Josy.Anne não deixa de citar, ainda, "Canela Fina", para a qual convidou Maurício e Júlia Tizumba. "Brinco que é a linhagem Tizumba, por meio da qual eu me conectei ao tambor mineiro, o qual depois fui pesquisar e também divulgar. Uma homenagem que faço a eles, à importância do resgate histórico que empreendem. Na verdade, cada música é uma homenagem. 'Manganá' é para Pedrina, 'Capitã' é para a Rainha Kátia Aracelle, 'Pedra Preta' é para Maré de Mattos, e tem homenagem também a Marku Ribas, entre outros... Ah, sim. Depois descobri que Canela Fina é também o nome de uma etnia indigena. Falei: 'Gente, é isso! A música faz uma interlocução entre territórios, os povos originários e os que vieram, nessa miscelânea que é o Brasil".

Embora confesse ter planos de fazer shows em BH e São Paulo, Josy.Anne pondera que, neste momento particular da pandemia, com a variante Ômicron em curso, "tudo está muito em aberto". "Assim, por ora, a ideia é realizar algumas conversas em ambiente online, para a gente respeitar esse período que, antes de tudo, é de muito cuidado com o ser humano. Prefiro, neste momento, não me arriscar a fazer shows - então, a gente vai trabalhar o conteúdo do álbum nas redes sociais. Quem quiser acompanhar, pode ficar de olho no meu canal no YouTube, no Instagram, Twitter... Até a gente poder voltar a se encontrar. Porque, claro, quero muito fazer um show com convidados. Sei que quando a gente se apresentar vai ser  uma grande comemoração - mas, por enquanto, só no modo virtual mesmo", enfatiza, prudente.

 

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