Vale a pena conferir

A potência das causas atuais está na Mostra Cine Direitos Humanos 21

A partir desta quarta, a iniciativa apresenta, de forma online e gratuita, 78 títulos

Por Patrícia Cassese
Publicado em 07 de abril de 2021 | 11:03
 
 
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Curadora e produtora da Mostra Cine Direitos Humanos 21: Olho no Olho, que entra em cartaz hoje, em ambiente virtual, Beatriz Goulart aponta que, neste momento político autoritário -  "espelho e motor de uma sociedade normativa, ainda casa grande, ainda senzala, em que a cultura é a primeira a ser atirada do barco, e no curso da pandemia -, a produção assumiu para si a tarefa de tentar amplificar os Direitos Humanos, sublinhar a diversidade e proteger nosso legado cultural. 

"Há dez anos exibimos mostras com essa tônica, procurando formar públicos, e fomos também sendo ‘tomados’ por elas, por essas questões que são invisibilizadas pelo status quo. Buscamos filmes comprometidos com valores éticos e também estéticos a fim de provocar identidades e promover debates", discorre.  Como exemplos de filmes perturbadores, que ela pondera serem essenciais nesse momento, a produtora cita “Eagoraoque”, dos cineastas Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald; ou “Dona Sônia pediu uma arma para seu vizinho Alcides”, bem como “Para onde voam as feiticeiras”, que aponta para os preconceitos de gênero e raça; e os artísticos “Sanã”, “Obatalá” e “Preta-Prata”. "E tantos outros distribuídos nos eixos.  A programação traz também filmes belíssimos sobre o brincar na terra batida, nas regiões brasileiras, com diferentes geografias e sotaques. E há documentários sobre a pandemia e a clausura, as dificuldades e descobertas desse novo viver. Ampliar o olhar, encostar o olho no olho, sair do controle da mídia e retomar o poder político de encarar o outro e a si mesmo, sentir o alcance das mãos, dos punhos, acessar sentimentos amortecidos, recobrar o poder das ruas, voltar a se revoltar. Estamos propondo um banho de multiplicidade para lembrarmos quem somos".

Beatriz salienta que é a primeira vez que a mostra é realizada online. "Estamos felizes com o amplo retorno dos cineastas arrolados, do cuidcineastas arrolados, do cuidado com que a Polo audiovisual tem tratado nosso projeto. Reunimos uma equipe feroz na divulgação, na tecnologia e também, claro, nos Direitos Humanos", diz, fazendo questão de citar os envolvidos. "Alexandre Pimenta, parceiro e mentor; Rita Cupertino na redação e curadoria, Laila Vieira de Oliveira e Priscilla Messiane nas organização das lives, tecnologias diversas e consultoria dos Direitos Humanos; Estêvão Marques partilhando comigo o design da Mostra, e Helga C. Prado na imprensa. Contamos também várias parcerias, entre elas, o Coletivo Alvorada, Escola Casa Viva, da poderosa editora Cristina Amaral e tantos outros amigos e militantes da causa".

Confira, a seguir, os eixos temáticos

Tempo Suspenso
A vida se tornou perturbadora diante da ameaça invisível de um vírus que possivelmente veio da destruição do ecossistema (segundo cientistas ambientais) e de onde poderão surgir outros. Como lidar com a impossibilidade de se relacionar plenamente com o outro? A corporeidade será mais virtualizada? Como explicar às crianças algo inexplicável? Sobretudo, como fazer da interrupção das atividades públicas um tempo de reinvenção do privado, de questionamento crítico do que somos e para onde vamos? 
Live nesta quarta, às 19 horas: Direitos Humanos e a pandemia do Covid 19: compreendendo direitos, aproximando ações no enfrentamento ao negacionismo.

Ocupa a Cidade, a Cultura, o Campo, a Amazônia
Os povos originários brasileiros - os indígenas, os herdeiros diretos das tradições e ocupações comunitárias afrodescendentes - os quilombolas, e a classe trabalhadora brasileira de baixíssima renda - os excluídos, lutam incessantemente pelo direito à terra e à moradia, num país que não reconhece as demandas sociais como uma política emergente de saúde, de segurança social e de cidadania. 

Destaques:
"Quilombo Rio dos Macacos
". Josias Pires. doc. 14 anos. Brasil. 120min. 2017. Os quilombolas de Rio dos Macacos lutam pela propriedade da terra de uso tradicional, reivindicada pela Marinha do Brasil. Além de denunciar graves violações de direitos humanos – direito de ir e vir, acesso à água, saúde, educação, moradia e trabalho – o lme registra processos de negociações; mostra conflitos; documenta aspectos culturais, simbólicos e características do território. 

"Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados". Aiano Benfica. 22:47. doc. Brasil (MG) 2018.  A noite é tempo de luta (ou há um novo lugar possível sendo avistado no horizonte). 
LiveNesta quinta, às 19 horas. Direitos Humanos são Direitos Sociais: A ocupação da cidade enquanto acesso a direitos e promoção de saúde mental.

Diversidade e Luta
A normalidade é um conceito em constante transição e que exige, na atualidade, um esforço de toda a sociedade na compreensão da diversidade de demandas que ela comporta. Acenando para os direitos de gênero (no que tange aos LGBTQI+) e direitos à diferença (portadores das chamadas “deficiências” físicas e de sofrimento mental), a filmografia apresentada nesse programa retrata a realidade atual pelo olhar de quem está em foco, colocando à mostra sua linguagem própria, seus anseios, suas exigências e suas expectativas para um relacionamento social mais digno e respeitoso. Tudo atravessado pelo domínio político do próprio corpo e suas escolhas.

Live - Sexta, às 19 horas. Criatividade e resistência no enfrentamento das fake news e na construção de redes

Contemporaneidades - Camadas de Brasil
O desejo de transformar uma realidade que parece imutável, a violência que busca a paz, a violência filha da violência, a tentativa desesperada de caber, a luta sem violência, a luta diária pela justiça, resistir, criar, ir além do conceito preexistente de felicidade. Respirar na prisão, respirar na terra invadida, na memória da casa sob a lama e lutar por re-existir nesse contexto, formar teias. Esse eixo procura lançar luz sobre as várias faces da sobrevivência, hoje, aqui e agora.

"Essa terra é nossa". Nuhu yãgmu yõg hãm. Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero. 70:36 . doc. 16 anos. Brasil. 2020 "Antigamente, os brancos não existiam e nós vivíamos caçando com os nossos espíritos yãmiyxop. Mas os brancos vieram, derrubaram as matas, secaram os rios e espantaram os bichos para longe. Hoje, as nossas árvores compridas acabaram, os brancos nos cercaram e a nossa terra é pequenininha. Mas os nossos yãmiyxop são muito fortes".

Políticas Extremas
Uma distopia_ “lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação” sempre demanda uma resiliência proporcional. E é nesse parâmetro de compensação que uma camada da população vive no território brasileiro. O cinema ‘de autor’ tem demonstrado ser uma grande ferramenta na desconstrução da miopia social, revelando injustiças, descortinando o jogo espúrio do poder (independente se público ou privado), buscando apontar criticamente os meandros da luta versus sujeição.

"Sem Asas". Renata Martins. 19:41 . Ficção. Brasil . Livre. 2019. Zu é um garoto negro de 12 anos. Ele vai à mercearia comprar farinha de trigo para a sua mãe e, na volta pra casa, descobre que pode voar. 
 

Infâncias
O programa Infâncias mostra muitos quintais e terreiros em diferentes sotaques. "Citando as jornalistas e autoras Gabriela Romeu e Marlene Peret “brincar é uma espécie de língua-mãe da Infância”. Nesse quesito, as infâncias são visitadas na promessa de aquisição de culturas diversas na comunidade, na praça, na terra batida. Há crianças nas aldeias que trabalham brincando; outras nas cidades reinventam palavras e brinquedos com caquinhos de ferro velho, e outras ainda nem trabalham nem brincam. Tudo tem seu viés socioeconômico e a tudo isso é imprescindível sermos sensíveis, estar de olhos bem abertos". 

Juventudes
Os filmes desse programa propõem a perspectiva de que existem várias juventudes, às vezes, extremamente díspares. E como as políticas públicas, as expectativas dos pais e da sociedade afetam essas realidades? O quanto esses jovens possuem de autonomia para criarem as suas próprias histórias de vida?

Africanidades
A cultura é o que identifica e representa o grande caldeirão de tradições e inovações do ser humano e dos povos no planeta. É carregada de simbolismos e significados, sentimentos e emo- ções, formas e movimentos. Sua tradução se faz no corpo presente, na fala, nas atitudes e nos inúmeros fazeres diários e artísticos. Ignorar, subestimar e aviltar uma cultura é sinal de empobrecimento ideológico e de morte ao maior legado do ser humano. O apartheid brasileiro existe e deve ser desconstruído dia a dia.

Janelas
Alinhar conhecimento à prática democrática; elevar os padrões de comportamento social; criar alternativas de trabalho solidário. Paralelamente ao movimento de entropia, onde o sistema desordenado beira o caos, existe a criatividade, a empatia, a vontade que costura as redes. Coletivos de pessoas que se importam, que se dedicam e se aventuram a trabalhar por um mundo mais harmônico, menos competitivo.
"Quem se importa". Mara Mourão. 93:00 . doc. Brasil. Livre. 2012 Documentário longa metragem sobre empreendedores sociais no Brasil e ao redor do mundo. Pessoas brilhantes, que criaram, cada qual, uma organização inovadora capaz de não só mudar a sociedade ao seu redor, mas também causar impacto social suficiente para que estas idéias possam virar políticas públicas.

A mostra Cine Direitos Humanos – Olho no Olho foi possível através da Lei Aldir Blanc, viabilizada pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Ficará no canal da Polo desta quarta a 11 de abril. Os filmes poderão ser vistos a qualquer hora nesse endereço – http://www.poloaudiovisual.tv/cinedireitoshumanos21/

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