Literatura

Academia Mineira de Letras entra em nova fase e expõe seu acervo

Com novo presidente, entidade expande sua programação e amplia inventário dos 32 mil itens exibidos em suas estantes

Por Rafael Rocha
Publicado em 06 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
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“As pessoas não querem mais ficar só no celular mandando WhatsApp umas para as outras. Ninguém aguenta mais isso, atingimos um ponto de saturação”. A frase é uma espécie de chamamento do novo presidente da Academia Mineira de Letras (AML), Rogério Faria Tavares. Eleito em maio, o jornalista se dedica a convencer a população a frequentar o espaço, que tempos atrás se dedicou mais a convescotes beletristas – ou, na língua dos meros mortais, coquetéis de intelectuais.

O novo momento não parece ser voo de uma andorinha solitária. Tavares chega associado a nomes de relevo da literatura, como o doutor em história social Caio Boschi e o doutor em letras clássicas Jacyntho Lins Brandão. Ambos integram a nova diretoria da entidade. “Queremos abrir mais as portas da academia para a cidade”, revela o novo presidente.

Ampliar a diversidade entre os 40 acadêmicos é outra necessidade urgente da AML, cujos custos são mantidos com recursos públicos, parte por repasse direto do governo estadual, parte por isenção fiscal de impostos federais. Somente 10% dos integrantes são mulheres, e nenhum dos membros é negro. A modernização da instituição, no entanto, sofre resistências e não se configura como uma trilha sem obstáculos. “Não se muda uma entidade centenária de um dia para o outro”, contextualiza Inês Rabelo, gestora de projetos do espaço cultural e defensora das mudanças.

A nova gestão pretende resgatar o sopro alvissareiro de tempos atrás da casa da literatura, que faz aniversário em dezembro, quando completa 110 anos. Ter eleito uma mulher para a academia (Henriqueta Lisboa, em 1963), 14 anos antes da entrada de Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras, foi um desses momentos de progresso.

Mas quem passa em frente ao sisudo casarão construído há quase cem anos no número 1.466 da rua da Bahia não imagina que o imóvel esconda em suas imponentes instalações cerca de 32 mil publicações, entre livros, revistas, manuscritos, cartas, fotos e outros itens. Nomes fundamentais da cultura mineira e brasileira estão nas prateleiras, como Cyro do Anjos, Abgar Renault, Henriqueta Lisboa, Emílio Moura e Bartolomeu Campos de Queirós. Afonso Arinos, Juscelino Kubitschek, Milton Campos e Tancredo Neves são outros destaques.

A administração atual dá sequência e expande um amplo trabalho de catalogação do acervo, iniciado no fim de 2017. “É a primeira inventariação feita na academia”, revela a bibliotecária Soraia Carvalho, que coordena os trabalhos.

O mapeamento tem sido um mergulho em direção ao incerto, segundo Soraia. “A gente abre um livro e encontra quatro cartas. Estamos em processo de descoberta. A cada hora, encontramos uma coisa”, diz. Por isso, todo o levantamento pode levar, no mínimo, cinco anos.

No meio desse manancial, alguns tesouros ganham realce, como um livro do século XIX e diversas crônicas de Carlos Drummond de Andrade datilografadas pelo próprio poeta nos anos 60 e 70.

Outro nome estimado pela equipe que garimpa o acervo é do professor Eduardo Frieiro, um importante escritor mineiro um tanto esquecido pelas gerações atuais. “Ele foi um autodidata, que se tornou referência como crítico literário. Fundou a Biblioteca Pública a pedido de JK, foi um dos fundadores da Fafich (a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG) e chegou a publicar um livro de Drummond, de quem foi amigo, pelo selo Pindorama, que comandava”, explica Soraia.

O autor foi um prolífico missivista, por isso cerca de 2.000 cartas que Frieiro trocou com intelectuais e autoridades – cuja publicação em livro é certamente necessária – também integram o acervo da AML. Frieiro atuou ainda como professor da disciplina história do livro, e fichamentos de aulas ministradas nos anos 30 e 40 estão nos arquivos da instituição.

A cada caixa aberta, a equipe envolvida nesse resgate bibliográfico pretende presentear a cidade com acesso ao material, que ajuda a clarear momentos de nossa memória e cultura. “Com a leitura, nosso horizonte se alarga e somos capazes de experimentar o improvável. Afirmamos um valor fundamental: sem livro, é impossível construir um país”, garante Tavares. 

Algumas pérolas encontradas pelo garimpo na Academia Mineira de Letras:

Bolsistas do Cefet e da PUC Minas trabalham no inventário das cerca de 32 mil publicações que integram o acervo da Academia Mineira de Letras, entidade criada em 1909 na cidade de Juiz de Fora por jovens escritores. O trabalho de catalogação do extenso material deve levar, no mínimo, cinco anos.

Estão bastante organizadas as inúmeras crônicas escritas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade e publicadas nos anos 60 e 70 que constam no acervo da AML. Foi o próprio escritor que as datilografou. O material encontra-se encadernado, e a intenção da entidade é liberar o acesso aos escritos para consulta.

Entre os achados até o momento, itens do professor Eduardo Frieiro estão entre os que mais fazem brilhar os olhos dos pesquisadores. O autor era bastante organizado e guardava cópia de todas cartas enviadas e recebidas, portanto, o material acumulado consiste em rico acervo memorialístico. Drummond era um dos destinatários de suas correspondências.

Um dos itens mais raros das prateleiras da AML é esta obra, datada de 1878. É de autoria de José Caetano S. Guimarães, irmão de Bernardo Guimarães, e foi guardada por Frieiro.

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