Boa nova

Alaíde Costa celebra 85 anos cantando José Miguel Wisnik

Intérprete coloca sua voz a serviço de dez músicas do compositor, três delas novíssimas; álbum marca o reencontro artístico dos dois após mais de meio século

Por Patrícia Cassese
Publicado em 08 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Dona de uma das vozes mais belas da música brasileira, e notória por sua interpretação visceral, a cantora Alaíde Costa festeja hoje seus 85 anos de vida. Claro, em meio à pandemia, não haverá festa. Mas o principal presente, que ela enaltece à reportagem do Magazine, tem o adicional de também ser extensivo a seu público: o disco "O Anel  - Alaíde Costa canta José Miguel Wisnik", que será disponibilizado nas plataformas digitais de streaming, incluindo a do Sesc Digital, que chancela a iniciativa e oferece o conteúdo de forma gratuita e sem necessidade de cadastro. A versão física do álbum deve sair entre maio e agosto de 2021. Já no dia 19, os dois sobem ao palco do Sesc Pinheiros para uma apresentação do repertório, pela série Música #EmCasaComSesc. A transmissão começa às 19h, no YouTube do Sesc São Paulo (@sescsp) e no Instagram do Sesc Ao Vivo (@sescaovivo)

Em "O Anel", Alaíde e Wisnik retomam uma parceria que teve início há nada menos que 52 anos, quando ele contabilizava apenas 20, de idade. Na ocasião, São Paulo recebia a sua edição do Festival Universitário da Canção Popular, exibido pela extinta TV Tupi, Alaíde foi a voz escolhida para apresentar a canção de estreia de Wisnik, "Outra Viagem", escrita naquele ano. Passados mais de meio século do evento, os dois seguiram se encontrando, mas esporadicamente, o que se tornou ainda mais raro quando Alaíde se mudou para o Rio de Janeiro. Com a sua volta para São Paulo, ela fez um show cujo nome era justamente "Outra Viagem", a música de Wisnik. "Até liguei para convidá-lo, mas ele tinha uns problemas para resolver no dia, e não pode comparecer". 

Meses atrás, os dois se encontraram em uma reunião de amigos, que acabou sendo o ponto de partida para o álbum. "Um mês depois, o agente dele me ligou, perguntando se eu gostaria de fazer uma apresentação na Casa de Francisca (espaço de shows de MPB na capital paulista), eu e ele. Eu falei: 'É lógico que sim'. Eles me mandaram alguns CDs, passei a ouvir, mas acabou não acontecendo. No entanto, logo na sequência veio a proposta de gravar o disco. Achei uma maravilha", conta ela, que partiu para a escolha do repertório. "Tinha muita coisa linda. Eu fui muito pela melodia e letra, mas já quis ficar com todas as dez que ele me mandou".

O título guarda uma das histórias mais interessantes da relação entre os dois. "Na época do festival, a prima dele trabalhava em uma danceteria, e, aí, ela nos convidou para ir lá. Lá pelas tantas, eu, que estava com um anel no dedo, tirei e pus na mão dele. Agora, quando fui ensaiar, me lembrei dessa história", conta Alaíde. 

"Aquele gesto me surpreendeu muito", rememora Wisnik. "Ela tirou o anel que tinha e me deu, foi muito forte. E ela se lembrar daquele episódio agora! Veja, isso tem 52 anos, tanta coisa aconteceu depois disso, é mais de meio século, e ela se recorda com uma memória cristalina de tudo. Eu sou conhecido pela ótima memória, mas ela se lembra (dos fatos) mais do que eu. No caso do festival, de quem organizava, o quarteto vocal que cantou conosco - que eu tinha esquecido. Na verdade, acho que isso acontece porque, mais do que os fatos, ela não esquece as pessoas. Essa memória está ligada às pessoas que estavam ali", diz ele, que acabou compondo uma música especialmente para ela e para o disco, "O Anel".

"Ou seja, o disco é toda uma coisa dessa entre algo do passado e o presente, uma viagem no tempo.  Curioso dizer que a música que ela cantou lá atrás, no festival de  1968, que era a primeira composição que eu apresentava, de certo modo também fala do tempo, do ciclo da vida".

Wisnik conta que, no projeto gráfico (capa e encarte), aparecem fotos de árvores cortadas vistas a partir do miolo do tronco. "Então, mostra aqueles elos, anéis do tempo, como se fossem ondas. Como quando você atira uma pedra na água e dá aquelas reverberações. Esse não era nosso projeto consciente, mas acabou sendo o sentido geral do disco". Quanto ao anel propriamente dito, o objeto físico, o compositor conta . "A letra da canção fala justamente disso: 'o anel que tu me destes, não guardei nem esqueci' (risos). Então, é tudo sobre o fato de eu ter perdido esse anel, de não ter acreditado que Alaíde, depois de tanto tempo, ia me perguntar sobre esse anel, que era um pacto de não esquecimento. Nesse sentido, a canção é o anel. O objeto não está aqui concretamente, mas está inteiro na minha memória. Ele não se quebrou nem se partiu, ele é feito de uma liga indissolúvel, que continua existindo entre nós, e que é esse disco".

Não por outro motivo, Wisnik conta que o trabalho lhe trouxe uma "felicidade enorme". "Porque parece que junta a vida inteira. A minha vida adulta está inteira nele - na verdade, até antes dos meus 20 anos. Veja, logo no começo do disco tem  'O Anel' (faixa 2), que, como contei, está ligada a esses encontros com a Alaíde, lá em 68 e agora. Mas, no final, a última faixa, tem uma música - "Olhai os Lírios do Campo" - que fiz quando tinha 16, 17 anos. Compus para um teatro estudantil. E, olhando hoje, você vê que foi influenciada justamente pelo grande sucesso na voz da Alaíde à época: 'Onde Está Você' (Oscar Castro Neves/Luvercy Fiorini). Ou seja, esse final junta essa música que fiz aos 16 com 'Onde Está Você', unindo essas pontas. Mas em todo o disco esses tempos se interligam. Só posso dizer que me deu uma grande alegria", manifesta.

Alaíde não é menos efusiva. E recorda ,em particular, o dia em que Wisnik cantou "O Anel" para ela: "Adivinha o que aconteceu comigo? Caí no pranto. É uma música muito linda, uma grande homenagem", comove-se citando também "Saudade da Saudade", outra que bate fundo em sua alma. Não por outro motivo, citando o aniversário, hoje, ela resume: "Estou muito contente de chegar até aqui, e bem de saúde. E, embora não haja festa, com um presentão, que é o disco".
 
Confira a seguir, o repertório do disco
1. Aparecida (José Miguel Wisnik)
2. O Anel (José Miguel Wisnik)
3. Saudade da Saudade (José Miguel Wisnik/Paulo Neves)
4. Ilusão real (Guinga/José Miguel Wisnik)
5. Estranho jardim (José Miguel Wisnik)
6. Assum branco (José Miguel Wisnik)
7. Por um fio (José Miguel Wisnik/Paulo Neves)
8. Laser (Ricardo Breim/José Miguel Wisnik)
9. Outra viagem (José Miguel Wisnik)
10. Olhai os lírios do campo (José Miguel Wisnik/Flávio Rezende) e Onde está você (Oscar Castro Neves/Luvercy Fiorini) - em versão pot-pourri


Uma diva no Clube da Esquina
Alaíde Costa tem uma relação pra lá de especial com Minas Gerais. Ela participou do antológico "Clube da Esquina" (1972), como "Me Deixa em Paz", cantada junto a Milton Nascimento. "Tenho uma lembrança muito boa. Um grupo de meninos, todos muito jovens, fazendo uma música muito especial, muito diferente de tudo o que acontecia. Foi muito bom pra mim (participar)", diz, lamentando apenas não ter cantado, no álbum, uma música deles. "Cantei com o Milton, aliás, uma composição escolhida por ele, que me ouviu cantando-a, gostou e me convidou", diz, sobre a canção de autoria de  Monsueto Menezes e Airton Amorim. 

Ela conta que há tempos não vê Bituca. "A última vez foi em um show dele aqui, em São Paulo, a que fui assistir. COm quem tive mais contato ultimamente foi o Toninho Horta,  inclusive lançamos um CD juntos ("Alegria é Guardada em Cofres, Catedrais", gravado entre 2011 e 2014 e lançado em 2016). Também fiz um show com Lô Borges, mas isso já tem uns dois, três anos", situa. 

 

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