Era para você ter ouvido muito mais o nome do artista plástico e escultor Amilcar de Castro (1920-2002) ao longo de 2020, ano em que se celebra o seu centenário de nascimento. Mas a pandemia do novo coronavírus, que impôs o cancelamento de eventos e o fechamento de espaços culturais, não perdoou nem a data, comemorada no dia 8 de junho. Com isso, diversas ações previstas para exaltar o legado de Amilcar acabaram sendo adiadas. A decisão, porém, não significa que os 100 anos de um dos nomes mais importantes do movimento neoconcretista vão passar em brancas nuvens.
Desde o fim de julho, quem passa pela rua da Bahia pode apreciar uma amostra de “Matéria e Luz”, na galeria do Centro Cultural do Minas Tênis Clube (CCMTC), que entraria em cartaz em abril – e acabou sendo adiada. A calçada recebeu uma escultura de grande porte em aço – espécie de marca registrada de Amilcar – feita nos anos 90, com 2,30 m por 1,87 m, e uma reprodução de 140 m² de uma pintura feita por ele, em 2001, foi plotada nos vidros do espaço cultural.
A expectativa é que a mostra seja aberta em outubro e fique pelo menos três meses em cartaz. “Queremos abrir neste ano ainda, porque é o centenário do Amilcar de Castro, mas estamos esperando as coisas voltarem a uma normalidade, com distanciamento para que as pessoas possam frequentar a galeria”, explica o diretor de cultura do Minas Tênis Clube, André Rubião.
A exposição vai reunir 50 obras de Amilcar de Castro, como esculturas, peças em eucatex e papel, telas e o original da pintura plotada no CCMTC, que será exposta ao público pela primeira vez. O objetivo, porém, não foi montar uma retrospectiva do trabalho do artista, como explica Rodrigo de Castro, filho de Amilcar e curador da exposição.
“Com a seleção, eu quis mostrar justamente a variedade da obra de Amilcar de Castro. Tem peças com metal, vidro, trabalhos antigos feitos com papelão. Mas, mesmo diante dessa diversidade de materiais, é possível enxergar claramente uma unicidade de linguagem e do pensamento do Amilcar”, detalha.
O curador explica ainda o título da exposição. “Amilcar consegue, a partir de gestos simples, como o corte e a dobra, transformar uma chapa de metal em uma escultura tridimensional. Quando ele a torce, a chapa se abre e, no vazio que surge, fatalmente entra a luz. Esse diálogo entre a luz e a matéria é que é a essência da obra dele”, avalia.
Legado
Passados 18 anos da morte de Amilcar de Castro, é perceptível um aumento no interesse por sua obra, principalmente no exterior, onde o neoconcretismo tem recebido cada vez mais atenção. Para Beatriz Lemos de Sá, marchand da galeria Lemos de Sá, a obra de Amilcar já deveria ter chegado aos principais museus do mundo. “Ele tratou o aço de uma forma que nunca havia sido tratado. Ele dobra o aço, corta, como se fosse papel. Isso mudou o jeito de se fazer escultura e teve um impacto no mundo inteiro”, afirma.
Filha de Amilcar e diretora do instituto que leva o nome do pai, Ana de Castro ressalta que suas obras influenciaram pelo menos três décadas da arte brasileira, integrando coleções privadas e espaços públicos no Brasil e em outros países.
“Ele foi capaz de transformar chapas pesadíssimas de aço, apenas com dois gestos simples de corte e dobra, em formas volumétricas de incrível leveza e plasticidade”, explica. “Meu pai era um perfeccionista quando se tratava da sua obra. Eram feitos projetos para as esculturas que eram inicialmente executados em papel-cartão, depois em pequenos tamanhos em aço para, finalmente, serem transpostos para as grandes escalas”, conclui.
Livro de poesias inéditas a caminho
Além da exposição “Matéria e Luz”, o Instituto Amílcar de Castro, em parceria com a Cemig, fará o lançamento de um livro inédito de poesias do artista, que vem sendo trabalhado há alguns anos. “Não há momento mais apropriado para esse lançamento do que a comemoração dos 100 anos”, defende Ana de Castro, diretora do instituto.
Como complemento à exposição, o Minas Tênis Clube também preparou um minidocumentário com a trajetória de Amilcar de Castro, que pode ser assistido no link abre.ai/bmYN.
Outras reuniões do trabalho de Amilcar de Castro também estão previstas para acontecer em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro ainda neste ano. Em São Paulo, a Dan Galeria abriu, em julho, uma exposição com mais de 30 obras – entre esculturas, pinturas e desenhos – que podem ser visitadas virtualmente (dangaleria.com.br/), enquanto outra mostra está prevista para o último trimestre no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE).