Personagem presente na vida e nos hábitos da população brasileira há sete décadas, desde que foi inaugurada em 18 de setembro de 1950, a televisão faz aniversário em meio à pandemia do novo coronavírus e continua em boa forma, a despeito de prognósticos apocalípticos que vez ou outra surgem sempre quando alguma tecnologia ou uma nova maneira de se consumir informação e entretenimento cai no gosto de pessoas sempre ávidas por novidades.
Entretanto, o isolamento social imposto pela Covid-19 parece ter apenas reforçado o protagonismo do “tubo mágico” trazido para o Brasil pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand. Durante a pandemia, o consumo de TV cresceu. Isso se deve, claro, ao próprio efeito da quarentena, mas também a alguns fatores, entre eles as constantes evoluções estéticas e tecnológicas pelas quais essa mídia atravessou no país, capazes de mantê-la em diálogo com o que acontece no mundo.
Para o professor e pesquisador Gabriel Priolli, grandes transformações acontecem na televisão a cada dez anos: foi assim com a implementação do videotape, em 1960, que possibilitou a gravação de programas e a retransmissão para outras praças, dando início à rede nacional. Nos anos 80, por exemplo, surgiu o videocassete doméstico, que viabilizou a gravação caseira.
“Nos anos 90, você tem a chegada da TV por assinatura, e o mercado se reconfigura. A partir dos anos 2000, os acontecimentos tecnológicos também mudam drasticamente o cenário”, comenta Priolli, que trabalhou como editor executivo na Globo, na RecordTV e na Bandeirantes e foi diretor na TV Cultura e na TV Gazeta.
Professor de rádio e televisão, pesquisador e diretor do Museu da TV, Rodolfo Bonventti reforça essa ideia. Para ele, as mudanças mais radicais ainda têm consequências nos dias atuais: “Em termos de recepção do público, o surgimento do controle remoto foi, para mim, a maior revolução da TV no Brasil. Em termos de produção, foi o videotape”. De acordo com o acadêmico, devido aos avanços cada vez mais frequentes, a TV agora deve ser estudada a cada dois ou três anos.
Para além da modernização, aspectos sociais, econômicos e culturais não podem ser desprezados quando se fala da presença ainda importante da televisão no Brasil. Antes, durante ou depois da pandemia, ela terá seu papel na rotina de milhões de lares de norte a sul do país. “A TV está incorporada ao cotidiano do brasileiro, e isso não vai mudar de uma hora para outra. Em algumas residências, a TV está ligada como companhia. É algo muito mágico e poderoso”, avalia Bonventti.
Embate com a internet e o streaming
Claro que a internet e as plataformas digitais impactam o consumo de TV. O YouTube, por exemplo, altera completamente o conceito de distribuição audiovisual no mundo. “A televisão continua sendo a principal mídia do país, mas ela perde a centralidade absoluta, não é a dona da voz e da palavra. A internet muda isso, são milhões falando com milhões, o espectador não é mais um ser passivo”, pondera Gabriel Priolli.
O pesquisador, no entanto, diz que a TV tem se adaptado no meio do percurso e continua sendo um fundamental testemunho ao vivo de seu tempo. “As pessoas ainda correm para a TV para ver as notícias”, ele diz.
A popularização dos smartphones, das redes sociais, dos serviços de streaming e da TV on demand, para muitos, pode minar o alcance e a relevância da televisão aberta na sociedade brasileira. Rodolfo Bonventti discorda: “Em um país como o Brasil, sempre haverá uma população sem o privilégio de assinar um canal pago, uma Netflix. Essa população vai continuar observando a TV que surgiu em 1950”.
Segundo o especialista, as novas tecnologias não são necessariamente inimigas da TV – pelo contrário. “As redes sociais acabam incentivando esse momento. Você comenta o que viu, vira assunto, e isso faz com que as pessoas acabem vendo TV de alguma forma”, acredita.
O jornalista e escritor Humberto Mesquita, que, em 60 anos de profissão, acumula passagens pelas TVs Excelsior, Tupi e Bandeirantes, além de grandes veículos da imprensa escrita, avalia que a enorme evolução tecnológica da televisão paradoxalmente tirou do homem a necessidade de criar, e o conteúdo, segundo ele, caiu em termos de qualidade. Segundo Mesquita, a informação hoje “está calcada no dinheiro, no poder econômico”.
Mesmo assim, ele diz que a TV foi, é e será um elo muito forte entre a população e a realidade do país. “A Globo até hoje, lamentavelmente na minha opinião, interfere em muitos acontecimentos políticos da sociedade, como na ditadura e nas tentativas de golpe. Isso mostra a força da televisão”, afirma Mesquita.
A TV na pandemia
- A média diária do número de TVs ligadas no Brasil cresceu 17%*
- 7 horas e 32 minutos é o tempo médio diário dedicado a ver TV no país durante a pandemia, crescimento de 20%*
- A quantidade de telespectadores na faixa etária de 12 a 17 anos registrou crescimento de 21%; entre pessoas de 35 a 49 anos esse número chegou a 22%*
- De acordo com as classes sociais, houve aumento no consumo de TV de 26% (A e B), 16% (C) e 8% (D e E)*
- Segundo dados da Via Varejo do Rio e do Distrito Federal, as vendas de TVs de 55, 50 e 32 polegadas cresceram mais de 200% durante a pandemia e superou a venda de celulares
*Dados do Ibope