Lançamento

Ativista em várias causas, Lavínia Rocha lança romance infantojuvenil

Com ilustrações de Rubem Filho, 'O Mistério da Sala Secreta' traz dois jovens que lutam para que a escola pública em que estudam não seja fechada

Por Patrícia Cassese
Publicado em 09 de abril de 2021 | 16:36
 
 
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A belo-horizontina Lavínia Rocha tem apenas 23 anos, mas, acredite, já soma dez de escrita - com nada menos que 13 anos, lançou seu primeiro romance. Quando, a convite do Magazine, a mineira coloca a sua trajetória em repasse, uma das explicações possíveis para justificar este talento precoce vem de pronto: "Sempre fui muito incentivada a ler, tanto pelo colégio quanto pela família. Aliás, foi a bibliotecária da escola, Terezinha, que inspirou a personagem de 'O Mistério da Sala Secreta'", diz, fazendo referência a seu mais novo título, recém-lançado pelo selo YellowFante, da editora Autêntica. 

Na narrativa, que mira o público infantojuvenil, os protagonistas Júlia e Gabriel são tão amigos que, na infância, chegaram a formar uma dupla de espiões, a Juliel. Agora, diante da ameaça de que a prefeitura feche a Escola Municipal Maria Quitéria de Jesus, onde estudam, a dobradinha - cursando o 7º ano - volta à cena. É que, para tentar evitar esta catástrofe, têm que, antes, desvendar um mistério. "Os dois ficaram bem desapontados com a decisão da prefeitura e decidem fazer algo para reverter a situação. No meio disso, a dupla descobre que existe uma lenda que ronda a instituição, a dita 'Sala Secreta'. Segundo os alunos mais velhos, uma porta vermelha dá acesso a esse lugar oculto, do qual só saem aqueles que são merecedores e corajosos, como a heroína da Independência do Brasil que dá nome à escola", resume a autora, fazendo menção à primeira mulher a fazer parte do exército brasileiro, e que foi considerada a heroína da Independência.

Para a personagem Júlia, a história é um prato cheio para se meter em uma nova encrenca e reativar a citada dupla de espiões. Em contrapartida, para Gabriel, tudo não passa de um conto-da-carochinha. Com a alternância de narração em cada capítulo, o leitor vai conhecendo os dois lados dessa aventura e como cada protagonista vai lidar com o mistério que ronda a escola. "Tudo começou quando fiz uma viagem com alguns familiares a São Paulo e meu tio me levou a uma sala de escape, que é como um jogo em que você fica preso em uma  sala tentando desvendar os mistérios para conseguir sair. A experiência foi tão nova e surpreendente que decidi tentar escrever uma história capaz de passar essa mesma sensação. Assim, a primeira coisa que surgiu para mim foi a sala secreta. Depois veio a vontade de trabalhar com uma personagem histórica que não é tão conhecida, a baiana Maria Quitéria de Jesus". 

Ao pensar sobre o cenário, Lavínia conta que quis criar uma escola inspirada nas várias instituições às quais já frequentou com as suas palestras - sim, ela vem proferindo várias. "Com essas ideias em minha mente, sentei para fazer uma pesquisa sobre a heroína da Independência e para organizar como se daria a aventura dos personagens. Aliás, é um dos livros mais planejados que já escrevi, o que foi interessante, pois não é do meu feitio arquitetar tanto. Acabei vivendo uma aventura também", admite.
Lavínia diz que o livro reúne seus três principais focos de interesse: literatura, educação e história. "Acredito muito na educação básica e sonho com uma educação pública de qualidade para todos, por isso, o livro acaba sendo também um manifesto de defesa à educação, principalmente a pública, que, como disse Anísio Teixeira, é a máquina que prepara as democracias. Além disso, a história do nosso país é também um elemento importante para o mistério que a minha duplinha precisa desvendar, e elaborei este enredo como uma tentativa de apontar falhas nas memórias que nos são transmitidas; onde estão as heroínas do Brasil?", argumenta ela.

Aliás, esta foi uma pergutna que ela própria se fez, no passado. Leitora voraz, Lavínia sempre foi. "Devorava os livros sem nem ver, era bem 'ratinha de biblioteca'", assume. Já nas aulas de produção de texto, descobriu que se divertia ao criar mundos, enredos e personagens, mas se incomodava com o limite de 30 linhas da professora, o que a fez começar a escrever textos independentes. "Nessa época, mais ou menos, escrevi meu primeiro livro, 'Um Amor em Barcelona'".

Dentro de casa, ela se lembra do projeto que seus pais criaram para lhe presentear com livros. "Caso minhas notas permanecessem boas, eu tinha direito a um livro por mês (era o que conseguíamos comprar). Como eu era boa aluna, todo mês garantia um título novo. Em uma das visitas à livraria para escolher o exemplar do mês, conheci a literatura de Thalita Rebouças, que me fez perceber que havia escritores brasileiros vivos falando para jovens".

Na escola, a já citada bibliotecária Terezinha lhe indicou uma coleção que marcou sobremaneira a estudante: “A droga da obediência”, de Pedro Bandeira. "Despertou em mim essa pegada de mistério e aventura. Depois, ler (a autora mineira) Paula Pimenta trouxe a alegria de ver BH como cenário de romances, me instigando a escrever sobre minha própria cidade também".

Mas foi por essa época que ela passou a sentir falta de se enxergar não só nas histórias como nas orelhas dos livros. E veio a pergunta: onde estavam os autores e personagens negros? "Iniciei uma busca ativa para tentar equilibrar melhor a minha estante, o que me levou a Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e Chimamanda Ngozi Adichie, que estão hoje na lista das minhas autoras favoritas. Conhecer suas trajetórias mudou a minha", reconhece.

Confira, a seguir, outros trrechos da entrevista ao Magazine

Você ministra a palestra “Feminismo não é palavrão”. Quando sentiu que era uma feminista e o que te levou a se engajar nesta causa? Aos 17 anos, quando entrei na universidade, meu mundo pareceu se expandir. E foi um caminho sem volta. Se antes achava o termo “feminismo” até um palavrão, com leituras e conversas comecei a perceber que o movimento defendia aquilo que eu acreditava também. Direitos iguais? Ora, sempre foi o que desejei! Acompanhar a revolução que se deu em minha mente me despertou a vontade de levar isso à educação básica; se as meninas já têm idade para sofrer as dores do machismo, então também precisam conhecer o movimento que luta contra isso. Em 2017 recebi um convite de uma fundação para palestrar sobre feminismo no dia da mulher e comecei a rascunhar a primeira versão da palestra. Com a recepção positiva, escolas passaram a solicitar o tema e a palestra se tornou constante no meu trabalho.

“Feminismo não é palavrão” é constantemente atualizada e uma grande preocupação minha é fazer recortes; não há como falar de feminismo sem trazer o abismo que existe entre mulheres brancas e negras, por exemplo. É palpável, é estatístico, é real. Por isso é incontornável apontar as duplas opressões a que algumas mulheres estão submetidas. Do mesmo modo, procuro fazer outros recortes, como o da mulher LBT+, indígena, gorda, PCD. Com isso, por meio de dados estatísticos, notícias reais e principalmente exemplos do universo adolescente, revezo entre o pesar da realidade e o humor usado para provocar os alunos e narrar situações pelas quais já passei, na intenção de mostrar a força que nós mulheres temos e o caminho que ainda precisamos percorrer.

Bem, você também costuma falar sobre protagonismo negro. Queria que me especificasse mais... Dentro desta pauta, que viéses gosta de abordar? Raça, no Brasil, é um tema que por muito tempo tentou-se tomar como “superado”. O mito da democracia racial encontrou solo fértil em uma nação que faz um constante movimento de “esquecer” problemas e esconder cicatrizes que ainda não se fecharam. E foi com muita surpresa que comecei a perceber uma demanda para abordar o tema na educação básica. Não era uma tentativa de confirmar o “somos todos iguais”, e, sim, uma busca para levantar problemáticas: na prática, somos mesmo? Foi quando organizei uma palestra para falar sobre protagonismo negro na literatura. Se nós somos mais da metade da população, por que não somos mais da metade dos personagens ou dos escritores publicados? Onde estão as nossas histórias, ou, como diria Conceição Evaristo, nossas “escrevivências”? Para levantar esse debate, começo a provocar os alunos pela representatividade na TV e depois passo para dados e relatos de como funciona o mercado editorial brasileiro. Confesso que aqui meu objetivo não é só o de mostrar a realidade de um meio tão racista, mas também o de instigar alunos negros a escreverem suas versões, seus lados da História. Quase um pedido de socorro, uma convocação para me ajudarem a equilibrar a balança.

Replico a pergunta feito sobre a pauta feminista no caso do protagonismo negro. O que te levou a se engajar nesta causa? O movimento negro também me foi apresentado na graduação. Lembro que a minha identidade racial era tão bagunçada quanto se espera de uma menina negra de pele clara no Brasil da “mistura das raças”. “Morena”, “Parda” e até “Mulata” eram os termos que mais utilizava para me descrever. Um dia, encontrei na Internet que um dos significados de “pardo” era “branco sujo” e me afastei da palavra. Em uma aula, levei bronca da minha amiga quando disse “mulata”: “nunca mais diga isso sobre si mesma, a palavra é racista, vem de mula, o fruto infértil do estupro do senhor (cavalo) sobre a jumenta (escravizada)”.

Por fim, me encontrei em um não-lugar racial que me trouxe tanto incômodo a ponto de buscar respostas mais profundas. Estudei muito sobre raça, partindo de teorias estrangeiras até alcançar o conceito no Brasil, que às vezes tenho a impressão de ser algo que ainda estamos construindo. Levou um tempo até que eu pudesse entender que o afastamento da minha identidade negra também fazia parte de um projeto racista que não me quer reconhecendo ou lutando contra essa opressão. E o mais difícil de tudo foi reviver lembranças e entender as dores e as marcas que um sistema racista pode provocar. Não, não somos todos iguais como me ensinaram, ainda é preciso lutar muito para isso.

No mais, queria que falasse sobre os tempos de pandemia. Como estão sendo para você? O que tem feito, tem se debruçado sobre novas escritas? No início, foi um caos. Fiquei mais de um mês sem encostar em nada que envolvesse escrita. Faz parte do meu processo criativo estar com pessoas, buscar inspirações em histórias reais e ouvir o que meus leitores têm a dizer sobre as minhas histórias; estar com eles era parte fundamental do meu trabalho. Em meados de maio, recebi convites para alguns projetos e voltei a arregaçar as mangas. Foi diferente escrever sem os estímulos aos quais estava acostumada, mas consegui. Aos poucos, a nova realidade foi se encaixando, voltei a palestrar em escolas de maneira remota e busquei alternativas para continuar em contato com o meu público. Dobrei minha capacidade de leitura, o que me deu mais gás na escrita, pois, em geral, as artes têm esse poder sobre mim.
Apesar de parecer viver entre a esperança e o caos, andando sobre a corda bamba do meu humor oscilante, acredito que tenho feito o meu melhor: ficando em casa, me prevenindo, cuidando da saúde mental – falhando às vezes, não vou negar – e mantendo um bom ritmo de escrita e de progresso dos meus projetos.

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