Em 1990, já fazia 20 anos que os Beatles tinham se separado e uma década que John Lennon tinha sido alvejado com quatro tiros nas costas em frente ao Dakota, edifício em que morava com a mulher, Yoko Ono, em Nova York. Foi também naquele ano que cinco músicos se reuniram para homenagear o legado do quarteto que pegou a cultura pop pelas rédeas e mudou seu rumo no século XX. Surgia, então, a Banda Sgt. Pepper, com o nome em referência ao revolucionário álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, de 1967.
Em 2020, essa história nascida em Belo Horizonte completa 30 anos. Da formação que tocou os primeiros acordes, com Marcelo Carrato (bateria), Marcos Gauguin (guitarra solo e vocal), Mauro Mendes (guitarra base e vocal), José Alberto Mendes (teclado e vocal) e Jô Rocha (baixista), Carrato e Gauguin seguem na ativa, após milhares de shows e diversas trocas de integrantes, um punhado de festivais em Liverpool, dois discos (e uma surpresa inesquecível), memoráveis especiais de Natal no Palácio das Artes e a consolidação do nome de uma banda que, para além do cover, se dedica à pesquisa e ao estudo da obra do quarteto, reproduzindo, nos palcos, com preciosismo, os mínimos detalhes com o objetivo de chegar a uma imitação perfeita.
Esse é o segredo e a razão pela qual a banda é reconhecida também fora da capital mineira e consegue manter essa rara longevidade tratando-se do universo cover. “Os Beatles têm muitas particularidades nas harmonias, nos arranjos vocais, situações que precisam de artimanhas. O inglês de Liverpool é diferente, existe uma identidade na pronúncia. É tudo muito meticuloso, e fazemos com muito esmero”, diz Marcelo Carrato. “Ainda bem que a gente está reproduzindo algo que é riquíssimo. Passam-se 30 anos, e você ainda acha um detalhe que não tinha visto. Isso sempre acontece”, ele completa.
A preocupação em não soar apenas como mais uma banda cover e conseguir caminhar ao longo das décadas com essa coerência e respeito à obra original também faz da Sgt. Pepper uma referência no mundo beatlemaníaco. “Tocar cover envolve repetição, e é necessário que você esteja feliz com o resultado. Costumo criticar o pessoal que toca cover mais ou menos. Meio parecido é muito ruim, fica faltando algo”, pondera o guitarrista Marcos Gauguin, que faz a direção musical da Sgt. Pepper.
Atualmente, Roney Nascimento (teclado e vocal), Christian Magalhães (baixo) e Alexandre Carvalho (guitarra base, violão e vocal) também integram o grupo belo-horizontino.
Poucos anos depois de sua formação, em 1994, a Banda Sgt. Pepper foi convidada a participar da Beatleweek, em Liverpool, sendo o primeiro grupo latino-americano a integrar o festival, do qual fizeram parte até 2001. Por lá, foram aplaudidos diversas vezes no mítico Cavern Club, “inferninho” onde John, Paul, George e Ringo começaram a ganhar fama entre os jovens da cidade. Após um hiato, voltaram em 2019 à terra dos Beatles.
Em BH, a Sgt. Pepper marcou os sábados nos saudosos Mister Beef e Pau e Pedra, onde tocaram, em cada um, por uma década. Nos últimos anos, o quinteto vem se apresentando no Maria das Tranças, sempre para um público muito diverso, que vai dos 10 aos 80 anos, o que só comprova o alcance e a imortalidade da obra dos Beatles. “Conseguimos criar uma identidade, tocando de forma honesta, sem picaretagem. Desde o início foi assim, não saímos tocando de qualquer jeito”, diz Carrato.
Nesses 30 anos de estrada, que devem ser celebrados quando os shows forem retomados, o que não mudou para Marcelo Carrato e Marcos Gauguin é a vontade de estar em cima do palco redescobrindo a magia de uma canção que nunca termina. “Tem dia que você toca uma música e dá aquela arrepiada. A banda ainda tem fôlego e tesão, com certeza. Enquanto conseguir ficar em pé e mexer os dedos, eu não paro”, sentencia o guitarrista Gauguin.
Repertório
Entre centenas de canções do quarteto inglês, a banda belo-horizontina toca, atualmente, cerca de 60. Essa seleção, explica Gauguin, está dividida em quatro repertórios que variam de acordo com as apresentações. Há um número tal de músicas que tocam em três sábados, outro número das que se repetem em duas, e assim vai. “Se eu toco 30 em um sábado, não posso tocar outras 30 no outro. Então, vou fazendo listas, colocando as músicas para rodar entre elas. Quando entra alguma faixa nova, é hora de renovar tudo. Perco um dia fazendo isso”, ele diz. “Twist And Shout”, “Can’t Buy Me Love”, “Hello Goodbye” e “While My Guitar Gently Weeps” estão entre as que não podem faltar nos shows.
Um fax com a assinatura de Paul McCartney
Nessa trajetória de 30 anos, a Sgt. Pepper gravou dois discos com canções dos Beatles até então inéditas ou que figuravam apenas em álbuns de outros artistas – nenhuma delas foi, de fato, gravada pelo grupo em seus trabalhos de estúdio; posteriormente, algumas entraram na coleção “Anthology”. “Come and Get It” (1996) e “Afonso Pena com Abbey Road” (1998) reúnem, ao todo, 24 faixas, e estão disponíveis na íntegra no site do grupo e no canal da banda no YouTube. Entre os achados estão “I’ll Be on My Way”, “You Know what You Do”, a própria “Come and Get It”, “From a Window”, “In Spite of All the Danger”, “I’ll Keep You Satisfied” e “Sour Milk Sea”.
Segundo Marcelo Carrato, a ideia era reproduzir os temas como se fossem Ringo, George, Paul e John tocando, imaginando os arranjos, as vozes, a batida dos quatro de Liverpool. “Tivemos essa ousadia”, comenta o baterista, completando: “Ou arrogância, como o Gauguin brinca”.
Os belo-horizontinos enviaram “Come And Get It” para o escritório de Paul McCartney, e a surpresa chegou quase dois anos depois, num papel assinado por ninguém menos que James Paul McCartney. “Boa sorte em sua música, seu trabalho parece tão natural e não forçado. Nada no álbum parece espalhafatoso, soa como uma reconstrução meticulosa do passado”, dizia um trecho do texto.
“Receber um fax do Paul elogiando foi um grande reconhecimento. O dono da obra falar isso foi como um troféu pra gente”, comemora Carrato.