A admiração pelo trabalho de Sebastião Rocha, ou simplesmente Tião Rocha, já vinha de longa data, mas foi ao conhecer mais amiúde a história de vida do educador, antropólogo e folclorista belo-horizontino, há cerca de dez anos, que a escritora e contadora de histórias Beatriz Myhrra se deu conta do quanto urgia partilhar detalhes daquela trajetória ímpar a mais pessoas.

"Foi após um evento, quando fomos tomar um caldo no Bar do Bolão. A meu pedido, ele me contou a sua história. Fiquei muito impactada e, na hora, pensei: 'Alguém tem que fazer um filme da vida dele'", rememora ela, que, da sua parte, resolveu escrever um livro para o público infantojuvenil.

Nascia, assim, "Depois do Sol", que será lançado presencialmente nesta quinta-feira, em evento na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (praça da Liberdade, 21, Funcionários), das 19h às 22h, que, além da tradicional sessão de autógrafos, vai contar, ainda, com apresentação do Coral dos Desafinados. A entrada é gratuita.

Uma das partes da vida de Tião que mais encantaram Beatriz refere-se a um episódio ocorrido na infância dele, quando, na sala de aula, no Grupo Escolar Sandoval de Azevedo, acabou recebendo um castigo por ter insistido que sua tia, de nome Etelvina, era uma rainha. "Ele nunca entendeu o motivo (da reprimenda), até que, anos depois, ao tratar do assunto com um professor, este lhe esclareceu o que poderia ter ocorrido (NR: Etelvina, ou Tia Gorda, como ela era conhecida, era rainha perpétua do Congado, no bairro São Geraldo, uma tradição que não costuma ser estudada nos bancos de escola)".

Foi quando Tião resolveu cursar história e antropologia, e, inicialmente, se tornou um professor. Mais tarde, foi ser educador, e, com seu trabalho, fez a diferença na vida de milhares de  pessoas, inclusive salvando muitas crianças da morte neonatal, por exemplo. Em 1984, Tião fundou o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento/CPCD, organização não governamental sem fins lucrativos que trabalha com educação popular e com desenvolvimento comunitário.

"Ele pensou um modelo de educação que, tal como o que ocorreu com Paulo Freire, também se tornou referência no mundo inteiro,  já tendo inclusive arrebanhado alguns prêmios", informa Beatriz.

Para se aprofundar ainda mais na história de vida de seu homenageado antes de partir para a escrita, Beatriz viajou para cidades como Araçuaí e Curvelo, cidades onde ele começou a colocar em prática as suas ideias.

Já neste ponto, Beatriz sabia que não iria fazer uma biografia nos moldes tradicionais, mas, sim, com um caráter lúdico. Morando em Nova Lima na época, ela certo dia teve uma espécie de epifania ao se dar conta da magnitude de um espetáculo da natureza ao qual tinha o privilégio de conferir a cada alvorecer.

"De início, o processo (do surgimento do dia) é lento, parece um espreguiço da manhã. Os sons diurnos vão substituindo os noturnos. A claridade vai se fazendo. É um processo lento. Mas quando o sol aponta atrás do morro, mostra sua coroa, ele sobe muito rápido. Então essa foi a inspiração no sentido de uma imagem para fazer o livro", descreve ela.

O aspecto lúdico se dá em alguns recursos por ela adotados, como transformar a Tia Etelvina, a rainha, na estrela que não foge com a chegada do Sol, que, por sua vez, representa o Congado. Tião aparece na forma do Fio de Voz. "É uma obra absolutamente poética, cheio de imagens oníricas, míticas mesmo, e de metáforas. E se passa no céu. O Fio de Voz vai sair flutuando, com o seu chapéu como para-quedas- já que a marca do Tião  é o chapéu panamá - para tentar encontrar outras vozes e, juntas, fazerem um coral, uma ciranda. Ele embarca em um cometa, todo feito de histórias, que o leva para a Lua, que é uma avó, uma mãe. Lá, o Fio de Voz convida as demais estrelas para uma grande roda, mudando o firmamento. A história é isso", resume ela.