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Bené Fonteles e Gilberto Gil são os convidados da segunda do Sempre um Papo

O cantor e compositor conversa com o artista plástico, curador, ativista e músico sobre o tema As Naturezas de Ser

Por Patrícia Cassese
Publicado em 05 de abril de 2021 | 11:10
 
 
 
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Bené Fonteles conta que, ao receber o convite para participar do projeto Sempre um Papo junto a seu amigo de fé, irmão camarada Gilberto Gil, o tema que nortearia a conversa veio de bate-pronto à mente dos dois: a poética do ser.  Aliás, esse é o subtítulo do livro "Gil Luminoso", escrito por Fonteles e lançado em 1999. À época, Gil e Bené participaram do Sempre um Papo, em uma edição que teve como palco o Grande Teatro do Palácio das Artes. "Deve estar fazendo 20 anos", lembra Bené, nostálgico. "O livro é sobre a poética do ser e, na verdade, a música dele (de Gil, como um todo) discute muito isso - no fundo, uma boa parte dela é sobre existir plenamente, de várias formas. A música do Gil é filosófica, assim como a minha também. Sou poeta/compositor, e é por isso inclusive que a gente se encontrou e que nos tornamos parceiros de algumas músicas. Nosso assunto preferido é esse - ao menos quando não temos obrigatoriamente que falar de outras coisas sobre as quais a vida acaba nos exigindo (que falem)", situa.

Para o também ativador cultural, artista plástico e curador paraense, hoje com 68 anos, Gilberto Gil é um dos artistas da MPB que, em sua trajetória artística e na vida pessoal, mais pontes fez (e faz) entre o ocidente e o oriente. "Ele realmente foi fundo nos livros dos mestres espirituais, nos grandes filósofos. E eu também  tenho essa busca. Como ele diz, somos buscadores da verdade. Uma verdade que, claro, nunca é absoluta, porque isso não existe. Mas é um assunto que de fato a gente gosta muito, inclusive, porque a nossa onda é a de não separar a natureza interna da externa. Nós dois acreditamos que o ser humano não é separado da natureza. Nós somos natureza.  Na minha opinião, essa separação é que gerou,  de certa forma, essa crise contemporânea - e, quem sabe,  talvez até a pandemia", elocubra.

E já que é o próprio Bené a tocar no assunto, vem a pergunta inevitável: o novo coronavírus vai ser um assunto em pauta na conversa? "Olha, é quase inevitável, mas a gente queria até fugir um pouco (disso). Todo mundo já fala sobre, a pandemia é um assunto dissecado de uma forma muito forte, e a gente precisa também de outras histórias. Mas, por outro lado, a pandemia também é causada por essa fragmentação (do homem com a natureza), o não respeito à nossa natureza interior e exterior. Daí a destruição ambiental".

Bené enfatiza que tanto ele quanto Gil são militantes da causa desde os anos 80. "Eu criei o movimento Artistas pela Natureza, e ele, a Fundação Onda Azul, para defender as águas. Então, nós somos muito ligados a essas questões mais viscerais, do planeta. Aliás, não é nem a palavra 'defesa', é conscientizar as pessoas a serem mais respeitosas com a vida, com a própria alimentação. Veja, o Gil é uma pessoa que tem essa preocupação com essa coisa da alimentação desde antes do exílio. Na prisão, ele já mudou a alimentação, já passou para a macrobiótica. E eu também, há 40 e tantos anos mudei a minha alimentação. Nós temos caminhos muito parecidos, a coisa da espiritualidade, dos mestres, e também a questão da alimentação, da filosofia de levar a vida. Eu diria que mais que uma amizade, nós temos uma irmandade, porque a questão espiritual nos une profundamente". No que tange à sua produção artística, Bené Fonteles disse que a pandemia não o influenciou. "Sou muito produtivo. Não deixei de escrever, de fazer meu trabalho de artes visuais.

Estava morando em uma chácara em Brasília e comecei a trabalhar com a própria natureza no lugar, o cerrado. E num dado momento, percebi que muitos artistas escritores estavam  até criando, mas não conseguindo fazer a produção escoar. E aí comecei a editar um catálogo virtual chamado ‘Poéticas da Quarentena’. Convidei artistas para enviar obras escritas, e era tanta gente que chegava a ter mais de 40 em uma edição só. Ele já teve sete edições, a última lançada neste fim de semana, chamada 'Pantanal Agora', em defesa, claro, do Pantanal, depois daquelas queimadas todas. Os artistas fizeram um residência artística no pantanal e levaram todo o equipamento para capacitar brigadistas a apagar incêndios", explica.O catálogo anterior foi dedicado aos 90 anos de Augusto de Campos, e contou com as participações de Gil, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Tom Zé, Adriana Calcanhotto e outros. "Só a movimentação de fazer esse catálogo virtual, para não deixar a peteca cair, foi um trabalho, eu diria, até árduo, de edição, de contato com essas pessoas todas, de fazer isso acontecer e também lançar nas plataformas digitais". 

Momento mineiro

Recentemente, Bené se mudou para Caldas, no sul de Minas, para criar o instituto Antes Arte do que Tarde.  "Eu tenho essa frase, que é uma versão do Antes Tarde do Que Nunca, e também inspirada no Libertas Quae Sera Tamen, dos Inconfidentes, já que sou inconfidente eterno. Esse instituto vai cuidar da tal da minha obra, que já perpassa 50 anos. E vim fazer isso aqui num lugar muito bom, que é o sítio Rosa dos Ventos, do Carlos Rodrigo Brandão, que foi professor emérito da Unicamp. Estamos organizando o instituto, fizemos ata, estatuto, registro. Então, não consegui dar trela nem pra isso tudo que está acontecendo desde que começou esse governo. Eu criei uma coisa paralela, sabe? Que não é essa realidade que está aí”, anseia".

Em um dado momento, Bené revela que está concedendo a entrevista deitado numa rede na varanda da casa dos seus amigos e olhando a paisagem. "Parece que estou dentro de um quadro de Guignard. Você vê essa região da Pedra Branca... Um lugar mágico, de uma beleza! Estou vendo quase 360 graus de paisagem ainda preservada, pois é um vale, não dá para fazer grandes cultivos. Então, sou encantado por isso. No meio da pandemia, é um privilégio morar aqui. Desde junho, moro a quase meia hora de Caldas, estou num distrito, Pocinhas do Rio Verde, e ainda não fui à cidade. Porque não necessito. Ainda mais agora, quando cada vez mais a gente tem que se guardar. Tomei a primeira dose (da vacina contra a Covid-19), falta a segunda. Se eu estivesse em Brasília, seria muito perigoso. Aqui, eu posso e estou construindo uma casa. E Minas é Minas, né? Minas não tem mar, porém, o mar não tem Minas. Esse é um refrão de uma música minha", conclui. 

#SempreUmPapoEmCasa com Gilberto Gil e Bené Fonteles

Nesta segunda (5), às 19h

Local: Youtube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo

Informações: www.sempreumpapo.com.br

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