Língua Afiada

'Bolsonaro representa o atraso e a falta de intelecto', diz Felipe Neto

No centro de polêmicas e ameaças, youtuber critica presidente da República, admite erros do passado e aponta seu discurso para novas direções

Por Bruno Mateus
Publicado em 23 de setembro de 2019 | 21:00
 
 
 
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Poucos nomes têm sido tão citados, comentados, defendidos e atacados no Brasil nas últimas semanas quanto o de Felipe Neto. Desde que ele comprou 14 mil livros com temática LGBT para distribuir gratuitamente na Bienal do Rio, no início do mês – após a tentativa de censura do prefeito Marcelo Crivella a uma publicação de super-heróis que estampava um beijo gay –, o youtuber e empresário está no olho de um furacão que leva seu nome a portais, redes sociais, grupos de WhatsApp e papos de botequim. 

A enxurrada de manchetes sobre qualquer declaração desse carioca de 31 anos tem um novo capítulo a cada dia. Depois da entrevista por e-mail ao Magazine, no fim de semana, Felipe Neto declarou que vai entrar com um processo criminal contra o pastor Silas Malafaia, por este tê-lo chamado de bandido e dito “bota este canalha na cadeia”.

Naturalmente, tudo o que Felipe Neto diz repercute e ganha uma dimensão astronômica, sobretudo se o assunto for política. Os principais alvos são Jair Bolsonaro e o governador do Rio, Wilson Witzel. No Twitter, onde tem quase 10 milhões de seguidores, pode-se ler na descrição do perfil: “orgulhosamente odiado pelos integrantes do PSL”, em referência ao partido do presidente da República, a quem ele considera símbolo de valores reacionários e violentos.

“Bolsonaro representa o atraso, a falta de estudo, de intelecto, de humanidade e compaixão. Ele será lembrado na história como um ser humano tenebroso, e esse momento será estudado por nossos netos como algo dificílimo de entender”, opina. 

Reflexo de uma geração que, desde muito cedo, tem a internet como poderosa – e perigosa – ferramenta para dizer o que pensa, Felipe Neto encontrou nos meios digitais uma potente instrumento para influenciar milhões de jovens, seu público consumidor principal. Dono do quinto canal do YouTube mais assistido no planeta, ele tem uma legião de fãs – os inscritos em sua página passam dos 34 milhões, e somente um vídeo pode chegar a 7 milhões de visualizações.

Contudo, nem tudo é paz e amor para o youtuber. No mundo virtual, Felipe também recebe ameaças de toda espécie – e tão preocupantes que, na semana passada, ele tirou a mãe do país. Ao expor a situação, o youtuber recebeu o apoio de figuras como o escritor Paulo Coelho, a atriz Patrícia Pillar e os presidenciáveis de 2018 Guilherme Boulos e Manuela d’Ávila. “É assustador”, ele diz, “saber que as pessoas chegaram a esse nível de extremismo simplesmente por buscarem um regime de opressão que obrigue as pessoas a viverem sob suas regras morais. Isso é o mais assustador”.

Apesar de seguir postando vídeos com boa regularidade, ora sobre questões banais como situações bizarras flagradas por câmera de segurança, memes e as lápides mais engraçadas do mundo, ora abordando temas mais complexos como política, racismo ou violência policial, Felipe Neto aprendeu, após sofrer ameaças em maio, que há um assunto intocável: “Não falo mais sobre milícias”. 

Mudança

Foi em 2010 que um menino franzino de óculos escuros apareceu xingando muito na internet. A saga “Crepúsculo”, a banda Restart, o ator Fiuk e outros personagens eram alvos fáceis da verborragia de Felipe Neto no extinto “Não Faz Sentido”, onde ele criticava comportamentos e fazia piada de tudo. No Twitter, em um passado não muito distante, o influenciador já expôs preconceitos e, hoje, admite ter exagerado em algumas situações e aprendido com os erros. 

A mudança de mentalidade e até de linha editorial de seus canais, segundo ele, se deve a muita leitura. Ao ter contato com a obra de sociólogos e filósofos, Felipe Neto conta que repensou sua condição na sociedade como homem branco e hétero “e como a cor da pele e a orientação sexual podem servir como privilégio ou obstáculos ao longo da vida”. “Comecei a entender que a mudança só é possível quando passamos a conversar com gays, negros, mulheres, pessoas trans, travestis e perguntar: ‘como é a sua vida?’”, comenta.

Enquanto se equilibra na linha da dualidade tão presente nas polarizações dos nossos tempos, Felipe Neto, amado por uns e odiado por outros, segue sua rotina. Não consome “qualquer tipo de carne” há um mês, dorme de seis a oito por dia e administra quatro empresas. Quando está acordado, trabalha o tempo todo sem deixar de reservar um espaço para criar seus materiais.

As ameaças sofridas e as batalhas que mantém com bolsonaristas e apoiadores do governo federal ainda não ocupam o primeiro lugar na lista de preocupações, por incrível que possa parecer. Acordar cedo e ver seu Botafogo perder são as coisas que mais abalam o humor do youtuber. “A primeira eu já consegui superar e quase nunca acontece. Já a segunda, é melhor deixar pra lá”, brinca Felipe Neto.

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