Especial

Cartas e afetos

Itabira tenta resgatar orgulho da obra do poeta, cujos textos citam também a cidade

Por José Vítor Camilo
Publicado em 12 de agosto de 2017 | 14:17
 
 
 
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Apesar de Itabira se fazer presente em todas as fases da obra de Drummond, muitos de seus conterrâneos ainda parecem guardar certa “mágoa” do escritor. Tanto que frases como “ele abandonou Itabira” são comuns entre os mais de 100 mil moradores da cidade. Superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, Marta Mousinho Gomes Barbosa, 66, diz ter tido uma surpresa ao se mudar para a cidade, no início da década de 90. “Fiquei encantada, mas foi um susto ver que havia essa mágoa. Falam que ele virou as costas para Itabira, que nada fez pela terra natal, o que é um contraponto ante a opinião de muitos especialistas. Isso foi se dissipando com o tempo, principalmente entre os mais jovens, mas ainda existe”.

Marta entende que tudo decorre de uma má interpretação de texto, com base no poema “Confissão de um Itabirano”. “Quando ele diz que ‘Itabira é apenas uma fotografia na parede’, entenderam que era uma despedida, um não querer da cidade. Mas se esquecem da última frase: ‘E como dói’. É preciso frisar o amor de Drummond por Itabira, que perpassa toda a sua obra. Ele sempre se refere à fazenda do Pontal, onde passava férias, a sinhá Maria, aos pais, irmãos e a outras pessoas da cidade”, frisa.

A foto a que Drummond se referia ficava na parede do apartamento em que vivia no Rio de Janeiro – e, segundo Marta, continua lá. “Ele sentia falta de Itabira, mas, por questões pessoais, que não me cabe analisar, não quis voltar. Embora há quem diga que viesse, e que andava pela cidade à noite. Mesmo que não, a gente sabe que, de coração e em pensamento, andava por estas ruas”, finaliza.

Sobrinha-neta do escritor, Otávia Senhorinha de Andrade Muller, 47, também vê até hoje uma certa resistência ao “tio Carlos”. “Constantemente escuto que ele não gostava daqui. Mesmo a criação dos museus, dos Caminhos Drummondianos, não mudou a concepção sobre a sua figura. Por isso penso que é preciso fazer com que o itabirano leia, perceba e sinta Drummond. Nas escolas e com a população. É fácil criticar o que não se conhece e, infelizmente, a leitura não é um hábito entre as pessoas”.

Apesar de não ter conhecido o tio-avô pessoalmente, Otávia ressalta “delicadezas” que fizeram diferença em sua história. “Tenho cartas dele para mim, de quando era uma criança. E na década de 70, os adultos não conversavam com os pequenos, que tinham que ficar apáticos, sentadinhos. Tio Carlos não, ligava para minha mãe toda semana e, quando eu atendia, queria saber como estava na escola, várias coisas. Não era só gentileza, ele era assim. Por isso, o sentimento que tenho por ele é de afeição”.

E não era só da família que o poeta sentia falta. Segundo ela, várias pessoas o mantinham informado sobre os acontecimentos locais. “Em 1976, minha mãe mandou, pelos correios, uma farinheira de jacarandá, com farinha de fubá feita com torresmo. Ele respondeu que a farinheira era um objeto muito bonito, mas tinha gostado mesmo era da farinha, que o tinha feito se lembrar de Itabira. Está vendo como é o sentimento, o amor à cidade?”, pontua.

São várias as pessoas que guardam as cartas trocadas com o escritor que, lembra a sobrinha-neta, a todas respondia. “Aos cinco anos, desenhei uma menininha tomando sol e coloquei no envelope do cartão de aniversário que meu irmão enviou a ele. A resposta foi que os presentes que mais tinha gostado eram o cartão e minha menininha. Se hoje a gente não tem tempo para responder e-mails, imagina uma pessoa se dignar a responder as cartas, ir ao correio e postá-las? É típico de alguém muito afetuoso”.

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