Nesta terça

Christian Dunker abre agenda de agosto do 'Conversas sobre Perguntas'

O pensador vai debater alguns dos dilemas e possibilidades da humanidade em meio à reconstrução das formas de convívio

Por Patrícia Cassese
Publicado em 04 de agosto de 2020 | 07:00
 
 
 
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Já com a quarentena imposta pelo novo coronavírus em curso, o psicanalista Christian Dunker aceitou o convite da editora Boitempo para compor o time de autores incumbido de discorrer sobre o tema na coleção Pandemia Capital. Em junho, pois, "A Arte da Quarentena para Principiantes" foi lançado em versão eletrônica, com um adicional e tanto.
 
"O valor integral da venda está sendo destinado aos movimentos de apoio às populações de periferia em São Paulo", conta o paulistano, de 54 anos, que, nesta terça-feira (4), a partir das 17h, vai discutir com o público o teor da obra e outros temas correlatos ao momento no webinário Conversas sobre Perguntas, que vem acontecendo desde o dia 14 de julho. 
 
Norteado pelo tema “Os novos desafios do eu – Psicanálise e vida pós-pandemia”, o bate-papo, desta vez, será transmitido pelo YouTube do Memorial Minas Gerais Vale - como já dito por aqui, o webinário é uma  iniciativa conjunta de quatro equipamentos do Circuito Liberdade: Casa Fiat de Cultura, CCBB BH, Memorial Minas Gerais Vale e MM Gerdau. Com realização sempre às terças, tem acesso gratuito e transmissão simultânea em Libras, além da mediação da jornalista Daniella Zupo.
 
Ao Magazine, Dunker lembra que o texto foi gestado sob o calor dos  acontecimentos, "tentando ajudar as pessoas com algumas recomendações básicas do que não fazer". E quais seriam essas indicações? "Evitar certas impulsividades, se prevenir de certas intolerâncias, se aquietar diante dos efeitos mais ou menos previsíveis da compressão territorial e da perda da liberdade de ir e vir...", enumera ele, que costuma comparar a empreitada a mantimentos que, em situações de guerra ou fenômenos da natureza, por exemplo, são atirados de aviões para garantir a sobrevivência de populações. "Sabe quando as aeronaves passam pelo céu e jogam uma caixa contendo alguns víveres? Bem, eles (alimentos) podem servir ou podem cair numa região na qual não tenham utilidade. Mas pelo menos a gente está tentando fazer alguma coisa nesse momento de caos e de desorganização errática do discurso sobre a saúde no enfrentamento dessa epidemia", situa ele, que também fundou e coordena o Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Confira, a seguir, outros trechos da entrevista.
 
Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, temos visto muitas situações que vão na contramão das recomendações sanitárias, como o desprezo à recomendação de usar máscaras em locais públicos e à de manter distanciamento. Mesmo em meio a esse cenário pouco alentador, algo de supreendeu positivamente neste período? Na verdade, várias coisas, desde a organização espontânea de redes de solidariedade, apoio e conforto, que atravessaram vários movimentos sociais, até iniciativas benéficas como, por exemplo, a do Congresso Nacional, ao aprovar esse apoio (o auxílio emergencial) de 600 reais para as pessoas, passando pela movimentação dos cientistas, como o Atila Iomarino, que tem se dedicado ao esforço de informação, pela comunidade dos pesquisadores, tão combalida com os ataques sofridos. Poderia até dizer vários (o esforço de) governantes sensatos, que têm escutado um pouco o sofrimento da população para tomar medidas de contenção do vírus, especialmente em pequenas cidades. Na verdade, a gente não consegue avaliar, pelo tamanho do Brasil, o número de iniciativas interessantes. Soluções locais muito boas acabam se perdendo em meio a essa massa de respostas grotescas.
 
Bem, em direção diametralmente oposta, o que detectou de pior? A pandemia acabou tirando o melhor de muitas pessoas, mas também o pior de outros, nos contextos culturais pelos quais ela atravessou. No caso do Brasil, a gente viu a emergência real dos negacionistas, bem como lideranças religiosas conduzindo seus clientes para a morte. E outras lideranças políticas apontando a cloroquina e outras medicações como solução. Vimos a falta de apoio aos dedicados trabalhadores de saúde, inclusive da saúde mental. Realmente, é na crise que a gente vê do que é feita a ética das pessoas, das comunidades, das instituições. A gente está vendo discursos de necropolítica, né? Do 'Vamos deixar morrer', de indiferença e de pouca empatia, de aproveitamento político dessa situação. Acho que isso é o pior, tanto pelos efeitos imediatos - desleixo, descaso e desperdício - quanto pelos futuros. As sequelas subjetivas e objetivas que a população vai ter a partir disso.
 
E como está a sua vida na quarentena? Bem, posso me considerar um privilegiado por ter muitos recursos para enfrentar essa situação, recursos que vão desde espaço, informática, até a possibilidade de trabalhar pela via online, de dar aulas, cursos e fazer intervenções. Agora, a vida se tornou mais sacrificada dada a intensidade de engajamento, da tentativa de contribuir e de concorrer para as pessoas que estão aí, na frente de batalha, na saúde mental, na saúde geral, na política, no jornalismo. Mais isso do que propriamente grandes dificuldades, embaraços pessoais concernentes à pandemia. 
 
Arrisca-se a prever como será o mundo pós-pandemia? Como psicanalista, a gente aprende a dar valor e a respeitar a memória, a capacidade das pessoas de lembrarem - mas também a incapacidade das pessoas de esquecer. Em abril, maio do ano que vem, esperemos que já exista aí uma vacina, que ela tenha passado (nos testes) e sido aplicada em todo mundo, que tenhamos deixado para trás esse pesadelo que foi a pandemia. Mas acho que dificilmente vamos deixar para trás a lembrança daqueles que se aproveitaram da situação para ofender o outro. Aqueles que menosprezaram a situação, que puseram o outro em risco, aqueles que, saindo da quarentena, ofenderam pessoas, desrespeitaram princípios básicos de sanitarismo e sanidade. Como todas as crises, depois vem o julgamento. Uma hora chegará o julgamento de Nuremberg (referindo-se ao tribunal internacional que, após o fim da Segunda Guerra, julgou, na cidade alemã, membros do regime nazista por crimes de guerra e contra a humanidade) para esses todos inconsequentes que agiram dessa forma no momento em que mais precisávamos deles.
 
Christian Dunker - no Webinário Conversas Sobre Perguntas - Nesta terça, às 17h, no YouTube do Memorial Minas Gerais Vale 

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