Livro

Claudia Nina lança o sensível e tocante 'Benedita'

Desta vez, a escritora, crítica literária e jornalista flagra uma garota que vive em situação de miséria no Brasil

Por Patrícia Cassese
Publicado em 18 de abril de 2022 | 17:03
 
 
 
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A história de "Benedita" (editora Dialogar), mais recente livro da escritora, crítica literária e jornalista Claudia Nina, despontou ao fim do que ela mesma diz ter sido um longo processo: "Consumiu) aproximadamente, seis anos", revela. A narrativa, conta, emergiu a partir do momento em que escutou, de uma pessoa muito próxima da família, a seguinte frase: "A gente até que não era triste, só não tinha o que comer”. O sentido contido ali, entende ela, atuou como uma espécie de condão, "que me levou à criação da narrativa, pouco a pouco".

De início, Claudia organizou trechos de relatos reais que vieram à sua mente, para uma organização dos fatos. Numa segunda etapa, adicionou uma parte ficcional. "A realidade foi o substrato, a base para que eu erguesse toda a estrutura. Não tive pressa. Escrevi inúmeras versões do livro. Enviei para umas dez editoras. Umas responderam com um 'não', outras, nem isso - o que é absolutamente normal no meio editorial e, por mais sofrido que seja, ajuda o autor melhorar. A versão final, tenho certeza, é infinitamente melhor do que a inicial que enviei a uma primeira editora", pontua.

Ponto para Claudia, que brinda o leitor com uma história sensível e potente, contada de maneira envolvente. Na história, Benedita é uma garota oriunda de uma família de parcos, parquíssimos recursos, e que, mesmo estando longe de ser filha única, voluntariamente assume a tarefa de proteger a mãe e poupá-la de mais dissabores do que a vida por si só já lhe destina.

e os irmãos furtam ovos, por exemplo, ela trata de fazer com que a mãe não perceba. A situação de todos é tão precária que os chinelos de borracha usados pelos meninos vêm de uma leva descartada por Pancrácio, o proprietário de uma bodega, que descobriu ter sido sua mercadoria toda corroída por ratos.

Naquela família, o desalento está sempre à espreita, como na tentativa de abuso familiar que Benedita sofre, nas internações da mãe ou num acidente que abala as já frágeis estruturas do núcleo.

Para criar a personagem que batiza a obra, a escritora conta que juntou várias referências. "A presença de Macabéa (a célebre personagem de Clarice Lispector), claro, é uma força imperativa, uma espécie de estrela-guia. Contudo, eu queria que Benedita tivesse um final redentor, que sua história fosse de superação entre tantas tragédias. Queria que a presença dela na escola, seu desejo de estudar, ler e de buscar um horizonte, desse aos leitores uma forma de esperança. É um alento, um sopro", descreve a autora que, vale dizer, obteve o doutorado pela Universidade de Ultrecht, na Holanda, com uma tese sobre Lispector, publicada no Brasil sob o título "A Palavra Usurpada".

Impossível o leitor não se sensibilizar com uma história tão crível, tão familiar à realidade brasileira, e que, embora seja manancial constante para a literatura, parece nunca se esgotar . "Quis exatamente isto: mostrar uma realidade que ainda existe e que, infelizmente, ainda vai demorar muito a sumir de nosso cenário agreste. Não pretendi deixar mensagens edificantes além de contar a história a que me propus e que, na base, realmente aconteceu e ainda acontece – muitas Beneditas vivenciam tragédias semelhantes e muitas conseguem encontrar outros rumos", diz ela.

Claudia conta que se deslocou até esse lugar para que, ouvindo os relatos, pudesse acrescentar vários episódios de ficção e criar personagens para dar sustentação literária à realidade. "Quis deixar apenas evidente a escola como ponto de partida para uma possível transformação. A professora primária Isabel é parte fundamental na criação desse passaporte", aponta.

Uma curiosidade é a citação do romance "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway, na história. "Durante uma das inúmeras reescritas de 'Benedita', resolvi reler esse livro, um dos que mais gosto", rememora ela, acrescentando que estabeleceu uma conexão imediata entre o delírio da mãe e o delírio do velho. "Achei que poderia criar ali uma referência intertextual, um jogo de reconhecimento com o leitor. A partir daí, criei outras situações em que a mãe de Benedita delira, sonha impossíveis, como um peixe grande, a esperança para a grande fome", descreve. "Imaginei que o amigo de Benedita, Pedro, filho da professora Isabel, pudesse ser este elo com o mundo literário, ao dar a ela um exemplar de 'O Velho e o Mar'. Isto é um gesto de amor: oferecer um livro, sabendo que a literatura é um amor de contágio. Uma pessoa contagiada passa a frente seu amor e assim por diante...", pondera.

Sobre a autora
Claudia Nina lembra que seus primeiros trabalhos em ficção foram o romance "Esquecer-te de mim" e o infantil "A barca dos feiosos". "Foram lançados praticamente juntos e firmaram meu ensejo de trabalhar na alternância destes principais gêneros". "'Esquecer-te' é meio teatral, tem histórias alternadas de três mulheres em um processo de queda e superação. Queria muito reeditar e, quem sabe, ver nos palcos. Já 'A Barca' é uma história sobre diversidade em uma sociedade na qual o olhar sobre o outro tem muitas vezes o peso de uma censura insuportável". Depois, vieram vários títulos, entre eles um juvenil, "Amor de longe" (Ficções), e vários infantis, como "A coruja e o mondrongo" (RHJ). ". Em seus já dez anos de carreira literária, já são 20 livros publicados.
 

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