Onde encontrar forças para seguir adiante quando você se sente abatido e, não bastasse, o horizonte que se descortina é absurdamente árido e desolador? Como não sucumbir? Com o emblemático título “E Ainda Assim Se Levantar”, a nova montagem da aplaudida Luna Lunera – que estreia hoje, no CCBB-BH, marcando também os 18 anos da companhia – partiu de questões afins que, comungadas pelos integrantes nos encontros iniciais do habitual processo de gestação de um novo trabalho, encontravam eco no esgotamento que há tempos se espraia num país fraturado.
O rascunho inicial deu vez ao projeto “A Potência da Precariedade”, que se tornou o embrião do espetáculo. “Mas, veja, ali pensando ‘precariedade’ no sentido mais amplo possível, a partir do momento em que a gente se percebe fragilizado, quando acredita que não vai aguentar mais”, explica a diretora Isabela Paes.
Porém, ela ressalta que a iniciativa não é um elogio à precariedade. “Na verdade, esses momentos podem ser perigosos. Mas a gente vê pessoas nessas circunstâncias (adversas) encontrando mais forças do que seria possível supor”, complementa. Daí, o grupo partiu para a sala de ensaios com esse mote. “E começamos a localizar os acessos que aumentam a nossa potência de existir e nos permitem seguir, e aqueles que nos diminuem, nos deformam, nos fazem paralisar”, narra.
Nesse processo de escrutínio, ganham foco não só os fantasmas internos de cada um e os dilemas particulares, como situações reais do mundo atual, mas também cujo impacto já está afetando a esfera íntima.
Processo. Em cena, três personagens que, a princípio, são designados pelos nomes dos atores – Anderson Luri, Cláudio Dias e Letícia Castilho –, para depois irem perdendo essas referências e se transmutando em personas que, ao fim, poderiam ser qualquer espectador que compactua com os dilemas ali retratados.
“Na verdade, nessa montagem, a Luna Lunera tira uma série de ‘proteções’ do teatro – não há cortinas, por exemplo, tampouco uma história dramática na qual (a encenação) se sustenta. Não é começo, meio e fim, não há o ápice do herói. Os atores não são personagens construídos à la (Constantin) Stanislavski. Começam sendo essas três presenças e, a partir do meio, quando a gente entende que as questões tratadas estão ficando universais, que tocam o público, os nomes vão desaparecendo, pois podem ser muitos”, prossegue Isabela.
Além da potência dos corpos em cena, “E Ainda Assim Se Levantar” se escora em um pilar que, num espectro mais amplo, simboliza a arte como resistência: a música.
Uma das centelhas da montagem veio ainda em 2017, quando, num momento de descontração, Cláudio Dias e Cláudia Corrêa, hoje não mais no grupo, estavam cantarolando “Vá Se Benzer”, de Preta Gil, cantada por ela e Gal Costa. Um trecho da letra diz: “Vá se benzer/ Não banque o santo/ Eu não pareço com você/ Não acredito no que vejo na TV/ Meu sangue é forte, de origem nobre/ Negro, branco, índio eu sou”.
Aquele átimo, lembra Cláudio, deu ao grupo uma pulsão de levante. “A partir da constatação de que a música pode ser revolucionária, contagiar e transformar a realidade. Ela é um ponto importantíssimo da formação cultural do país – nomes como Chico, Gal, Gil, Caetano e Elis... Como são emblemáticos nesses momentos de resistência! São faróis, e o espetáculo traz essa questão da música – e das festas, como o Carnaval – como formas de resistência”, analisa o ator.
E foi do universo do Carnaval que a Luna Lunera pinçou uma música que, mesmo não tendo em seu bojo o espírito que rege a folia, acabou sendo incorporada ao evento na tradição de ser tocada quando os blocos, durante o cortejo, se deparam com um senhor ou senhora debruçado nas janelas: “Carinhoso” (Pixinguinha e João de Barro). Mais especificamente na interpretação de Elis Regina. “Na peça, num momento em que a minha persona se reconhece cansada, a ponto de não conseguir mais se levantar da cadeira, manifesta o desejo de, um dia, ao menos uma vez, ser agraciada com a banda tocando ‘Carinhoso’”.
Na vida real, o ator vê esse ritual como um convite a um sorriso. “É uma cena que sempre me dá vontade de chorar, pois é evidente a transformação da pessoa que é homenageada. Penso que ela deve levar essa imagem consigo o resto do ano”, aventa.
“Vá Se Benzer” também está presente, mas, frisa Isabela, em uma participação menor, ainda que forte: “Há várias músicas conhecidas, que aparecem de formas diferentes, inclusive com os atores tocando – mas, principalmente, como resistência. Como a dizer: ‘preciso fazer algo, ficar assim, não consigo. E para não sucumbir, preciso seguir em movimento”.
Programe-se
O quê. Peça “E Ainda Assim se Levantar”
Onde. CCBB (Praça da Liberdade, 450).
Quando. De 16/8 a 9/9 (sexta a segunda), sempre às 20h10.
Quanto. R$ 30 (inteira)