Artes visuais

Dia Nacional do Fotógrafo: o papel e os desafios da fotografia no mundo atual

Eugênio Sávio, Isis Medeiros e Marcos Hermes falam sobre o uso da tecnologia, a democratização dos smartphones e a importância do debate sobre novas pautas em um contexto cada vez mais digital e plural

Por Bruno Mateus
Publicado em 08 de janeiro de 2021 | 07:23
 
 
 
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No fim de 2016, Sebastião Salgado, numa previsão apocalíptica, disse que a fotografia acabaria dali a 20, 30 anos, muito por conta do uso dos smartphones. Meses depois, ele mudou de ideia e admitiu que estava errado. No entanto, Salgado não vê valor estético e artístico em uma imagem capturada pelo celular. Em uma entrevista à “Folha de S.Paulo”, no início de dezembro do ano passado, o também fotógrafo Miguel Rio Branco disse que “a fotografia virou algo banal”. Essas são opiniões que suscitam debates, e não é de hoje.

A Mamana – Coletiva Brasileira de Fotógrafas, criada em 2016, no calor dos protestos contrários e favoráveis ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), se manifestou. Logo após o comentário de Rio Branco, o grupo, que reúne sete profissionais de Minas Gerais, Brasília, São Paulo e Pará e propõe a discussão de novas abordagens e novas leituras com recortes específicos, relacionando o papel da fotografia a questões de gênero, raça e classes sociais, divulgou um manifesto.

“E a gente se pergunta: banais pra quem? Para aqueles que estão usando câmeras de celular, tablets e equipamentos semiprofissionais para retratar o seu próprio lugar? Até hoje, as populações originárias e tradicionais, os corpos negros, as mulheres, corpos com deficiência, gordos, LGBTQIa+ estiveram, majoritariamente, à frente das câmeras como alvo, e não como corpo pensante”, diz um trecho do texto.

Integrante da Mamana, a mineira Isis Medeiros vê na democratização do acesso à fotografia, impulsionada pelos smartphones e pelos meios digitais, um novo fôlego não só para as novas gerações, mas também para a cobertura de pautas que em outros tempos não tinham tanta visibilidade na imprensa tradicional.

“Tem tantas coisas que precisam ser dialogadas no campo da fotografia. É um risco e um perigo muito grande você não se atualizar. Muitos valores estão sendo rediscutidos. Há muitas pessoas querendo contar suas próprias histórias, e elas precisam ter voz. Não vemos isso como banalização”, pondera a fotojornalista e documentarista mineira, que recentemente lançou “15:30”, livro com 71 imagens da destruição ambiental, social e humana causada pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em novembro de 2015.

Segundo Isis, a Mamana busca ampliar o trabalho feito por mulheres numa área majoritariamente ocupada por homens, além de trazer debates sobre novos pontos de vista no campo da fotografia. “As coisas estão mudando, o tempo está passando. A nova geração está super empolgada com a tecnologia e as ferramentas de se fazer imagem. Dizer para essa geração que isso não tem importância não faz sentido nenhum”, afirma.

Há 33 anos, o belo-horizontino Eugênio Sávio atua como fotojornalista, educador, produtor cultural e coordenador do projeto Foto em Pauta. Ele já viu diversas transformações acontecerem no processo fotográfico e, hoje, sobretudo na pandemia, em que as relações – pessoais e profissionais – são cada vez mais mediadas por plataformas online e aplicativos, ele avalia que a tecnologia é bem-vinda, sim, e não despreza o uso de celulares e aplicativos.

Encontrar valor artístico e jornalístico em uma imagem é subjetivo, e muitas vezes esse significado pode ser alcançado sem nenhuma pretensão, mas ele destaca: “Não é porque você tem um smartphone que virou fotógrafo. Tem que construir uma carreira consistente, coerente, tem que estudar, persistir, encontrar soluções para divulgar seu trabalho”.

A popularização da fotografia traz benefícios e desafios, Sávio comenta. Filtrar e separar o ouro do lixo nesse oceano de milhões e milhões de imagens é um dos obstáculos que se apresentam. “É um universo complexo, tem muita porcaria, mas não é difícil encontrar coisas realmente boas. O papel do fotógrafo é até mais importante, porque ele sabe pilotar nesses mares revoltos”, afirma o fotógrafo.

“Temos visto muita coisa legal de pessoas experimentando com o celular, e isso vai continuar. Passamos por um momento positivo na fotografia exatamente por isso”, ele completa. 

Experimentalismo, liberdade e respeito

“Os fotógrafos puristas são um bando de chatos – e olha que Sebastião Salgado é um dos meus ídolos, mas não concordo com ele. A fotografia é o olhar, o resultado, não é o instrumento que você toca. No digital você tem um mundo infinito. A fotografia não tem limites. Estamos em 2021, e o profissional tem que ser polivalente e estar aberto ao que está acontecendo agora”, diz o carioca Marcos Hermes, responsável por coberturas de grandes festivais de música, como o Rock In Rio e o Hollywood Rock, e por capas de discos e registros de figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Elza Soares e Anitta.

Hermes reforça que é fundamental o fotógrafo saber administrar suas redes sociais, lidar com o próprio acervo, ter noção de direitos autorais, organizar projetos próprios e autorais e ser uma espécie de relações-públicas de si mesmo. “Ser fotógrafo não é só fotografar, nunca foi. É gerenciar carreira, estar atento ao que está acontecendo, senão você fica pra trás, o mercado te engole”, ressalta.

Para ele, a fotografia e o fotógrafo deve se esforçar para fazer uma leitura de seu tempo com experimentalismo, liberdade e respeito: “É pensar no presente, mas sempre com um olhar no futuro. Você não pode parar. O que me interessa é a diversidade, poder fotografar Dorival Caymmi, João Gilberto e Pabllo Vittar”, resume.

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