Literatura

Educador brasileiro lança livro sobre a gênese épica e trágica do Timor Leste

Obra 'Timor-Leste - Revisitando os 20 Anos do Nascimento de Uma Nação', de Renato Mattarelli Carli, traça a rica história da jovem democracia através de memórias

Por Alex Ferreira | @alexnycman
Publicado em 31 de agosto de 2022 | 15:53
 
 
 
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Como será poder testemunhar de perto a gênese de um país? Pois a resposta para essa pergunta pode ser encontrada nas páginas do livro "Timor-Leste - Revisitando os 20 Anos do Nascimento de Uma Nação" (Edição do autor, 208 págs., R$ 49,99), que o psicólogo, educador e ativista ambiental Renato Mattarelli Carli lançou em maio deste ano.

A obra relata suas experiências na pequena e longínqua ex-colônia portuguesa durante os anos de luta dos timorenses pela independência. Renato, que foi gerente do departamento de teleducação da Fundação Roberto Marinho entre 1999 e 2004, participou diretamente da implantação de programas didáticos e culturais na então nascente democracia. 

Ele conta que se identificou bem cedo com o drama e as dificuldades vividas por um povo peculiar e obstinado.

"Naquela época, quase não se tinha informações sobre o Timor Leste e eram raras as manifestações de solidariedade mundo afora por eles. Foi quando eu vi uma reportagem sobre um massacre de civis que aconteceu em novembro de 1991, e foi perpetrado pelas tropas indonésias que ocupavam o território. Quase 400 pessoas indefesas foram mortas brutalmente. Aquilo me comoveu muito", relata Renato. 

"Depois, eu tive a sorte de assistir a uma entrevista dada pelo Dr. José Ramos Horta, timorense ganhador do prêmio Nobel da Paz, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1996. Fiquei impactado ao ouvi-lo falar abertamente das atrocidades que aconteciam naquela pequena ilha asiática que também falava o idioma português, mas que quase ninguém conhecia no Brasil", lembra o educador.

Encabeçando o projeto Telessala do Telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho, Renato foi um dos responsáveis pela reintrodução do ensino da língua portuguesa no Timor Leste – que tinha sido praticamente banida durante a ocupação indonésia no país. 

"Além de ter sido uma experiência única de aprendizagem em minha vida, foi também um privilégio compartilhar com eles o sentimento de liberdade e de restauração de sua independência. O que mais me comoveu naquela experiência foi ver a resiliência, a determinação e a vontade da população para superar uma história de opressão e sofrimento", valoriza.

Ainda que assolada por tantos conflitos e incertezas, a população recebeu o programa didático como muita esperança, diz Renato. E ele acrescenta: 

"Tivemos uma recepção extremamente positiva apesar do momento crítico que o país passava. Mas nosso desafio era grande, pois a maioria das escolas e até a própria Universidade de Díli (uma das principais do país), usavam como instrumento de educação o idioma indonésio e o dialeto nacional. O português era a língua oficial, porém pouco mais de 10% da população falava a língua", cita.

"No entanto, com a capacitação de professores no Brasil, adaptações na metodologia para a realidade local e um conhecimento anterior que alguns educadores já tinham do método Paulo Freire, conseguimos uma boa aceitação de nossa proposta de cooperação", complementa o ativista.

Sérgio Vieira de Mello

Composto por sete capítulos, o livro não só traça um rico painel da história dessa ilha lusófona do Sudeste Asiático, mas também traz detalhes sobre a participação do Brasil nos primeiros passos dos Timor rumo à sua emancipação. 

Entre os pontos altos, estão os relatos sobre a visita do presidente Fernando Henrique Cardoso à jovem nação, assim como os contatos que Renato teve com o diplomata Sérgio Vieira de Mello, brasileiro que atuava como o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e era cotado para assumir o comando da ONU. 

Sérgio morreu em 2003 durante um atentado em Bagdá, no Iraque. 

"Conheci o Sérgio e estive em vários eventos institucionais com a participação dele. Mas o mais marcante foi a entrevista que fizemos com ele para a série televisiva Globo Ecologia numa cidade chamada Manatuto, onde ele simbolicamente passou o país para as mãos dos timorenses através das viúvas dos mortos na guerrilha", recorda.

"Nessa conversa, ele fala das questões ambientais do Timor alertando especificamente sobre a fragilidade da barreira de corais que envolvem a paradisíaca Ilha de Jacó, bem como toda a região do Mar do Timor. Faço essa narrativa no livro e a considero uma das passagens mais emocionantes de minhas jornadas no Timor Leste. O Sérgio foi o homem mais íntegro, competente e pacificador que conheci em minha vida", afirma Carli.

Repleto de experiências marcantes, lições únicas e histórias comoventes, "Timor-Leste - Revisitando os 20 Anos do Nascimento de Uma Nação" pinta um retrato valoroso de um povo intrépido e tenaz, que tem muito em comum com o Brasil. 

"Além da língua, temos inúmeras outras áreas de aproximação com o Timor Leste, que é um país majoritariamente católico com tradições e cultos religiosos extremamente semelhantes aos nossos. Além da paixão que eles têm pelo nosso futebol, música e novelas", observa Renato.

"Embora seja um período muito pequeno, nesses 20 anos de nação, o Timor Leste já conseguiu realizações notáveis e seguem, cada dia mais, rumo à construção de uma sociedade livre e democrática. Sigo torcendo sempre por eles", finaliza.

"Timor-Leste - Revisitando os 20 Anos do Nascimento de Uma Nação" 
Preço: R$ 49,90 (208 págs.)
Autor: Renato Mattarelli Carli 
À venda pelo endereço de email: r.mattarelli@uol.com.br

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