Entrevista

Eliane Parreiras reforça olhar interessado na inovação

A presidente da Fundação Clóvis Salgado afirma que pretende retomar atividades interrompidas, como editais de ocupação voltados para o teatro, além de revitalizar a infraestrutura dos equipamentos

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 31 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Ex-secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais e ex-gerente de Cultura do Sesc em Minas, Eliane Parreiras retorna à presidência da Fundação Clóvis Salgado, onde pretende retomar atividades interrompidas, como os editais de ocupação voltados para o 
teatro, além de revitalizar a infraestrutura artística. Ela também defende o equilíbrio entre a tradição e o fomento à pesquisa.

Entre 2009 e 2010, você presidiu a Fundação Clóvis Salgado. Como é retornar para a instituição neste momento e quais são os principais desafios desta vez?

Eu tive a honra de estar na fundação quando ela fez 40 anos e, sem dúvida nenhuma, agora chego com outro olhar, não só por conta da minha experiência profissional em outros espaços – como a própria Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e o Sesc em Minas –, onde tive a experiência de estar à frente de um espaço cultural como o Sesc Palladium. A relação das pessoas com o consumo cultural mudou muito. Tivemos uma revolução tecnológica em muito pouco tempo, uma outra maneira de lidar com essa produção cultural e com consumo cultural. Isso também influencia muito esse meu olhar hoje para que possamos trazer essas inovações para a Fundação Clóvis Salgado. Os desafios são enormes porque vivemos um período em que a cultura precisa retomar esse lugar estratégico na sociedade para o desenvolvimento econômico, social e humano. A Fundação Clóvis Salgado faz parte disso como um dos principais ativos de cultura do Estado e do país. Temos necessidades imediatas, como a revitalização da infraestrutura cultural dos espaços, o fortalecimento dos corpos artísticos, da nossa produção artística, a democratização do acesso, atraindo novos públicos, além do fortalecimento do Cefart (Centro de Formação Artística e Tecnológica). 

Em entrevista recente ao Magazine, o secretário de Estado de Cultura, Marcelo Matte, afirmou que os recursos da pasta iriam cair pela metade. Que impacto isso pode ter nas ação da Fundação?

Na verdade, esses números estão sendo reorganizados. O cenário que o secretário encontrou, quando ele chegou, é de uma adequação geral do Estado a uma realidade fiscal muito grave de compromissos que precisam ser acertados de uma obrigação com repasses constitucionais, com os municípios, com funcionalismo público. Então, num primeiro momento, houve alguns cortes lineares e, agora, estamos em um momento de reorganização. O governador (Romeu Zema) tem falado sobre isso, e a equipe da secretaria também, a ideia é ter foco para que não sejam inviabilizadas as políticas públicas ou a prestação de serviços. A Fundação Clóvis Salgado também faz parte desse processo de adequação, e nós precisamos colaborar com isso em um primeiro momento. Nós estamos estabelecendo prioridades para não deixar de ofertar os serviços e estamos buscando as parcerias privadas. 

Mas já há uma previsão de quanto será reduzido do orçamento da Fundação? 

Nós tivemos uma adequação linear em torno de 10%, mas, como eu disse, nós estamos conseguindo preservar muitos dos processos. Inclusive, queria já anunciar em primeira mão que um dos problemas que nós estamos enfrentando é a questão do ar condicionado e da central elétrica do Grande Teatro. Eles já foram autorizados pelo governo, o secretário Marcelo Matte se empenhou pessoalmente nisso, e os reparos foram preservados dentro do orçamento. Nós acreditamos que em torno de quatro meses nós vamos estar com as duas questões resolvidas de maneira definitiva. 

Os contratos de designação de professores do Cefart com duração de apenas um ano têm sido questionados porque interrompem a continuidade de um projeto pedagógico. Como você pretende lidar com essa situação?

A minha proposta é que nós tenhamos uma modelo coparticipativo de gestão, isso vai ser apresentado aos representantes dos alunos para que possamos ter um diálogo mais aberto para que possamos entender de maneira mais clara as faltas e como uma dessas ações impacta no processo pedagógico e no desenvolvimento das atividades. O Cefart, sem dúvida nenhuma, é muito estratégico para a Fundação, que, no ano que vem, vai completar 50 anos. Temos o desafio de trabalhar com uma tradição e de garantir espaço para a inovação. E o Cefart é uma ponta importante nesse aspecto da inovação, da pesquisa, da experimentação. Temos o desafio que é fazer com que os critérios legais consigam interferir o mínimo possível no processo pedagógico. Neste momento, estamos estudando e discutindo isso, queremos iniciar o diálogo com os professores e coordenadores de curso para entendermos como podemos avançar nessa linha da experiência de uma ocupação dos espaços, além de juntos percebermos como podemos tratar dessas questões respeitando os critérios legais com o menor impacto possível nas atividades. 

No fim do ano passado, foi inaugurado o Cefart Andradas (ao lado da Serraria Souza Pinto), mas a infraestrutura ainda não está completa para receber os estudantes. Quais serão os próximos passos para conclusão desse espaço?

No ano passado, foi feito uma ocupação provisória, e foi pré-inaugurado um pequeno teatro que homenageou João das Neves (1935-2018). Essa ocupação foi temporária para que depois se desenvolvesse um projeto arquitetônico para termos uma ocupação definitiva. A intenção agora é dar continuidade a isso. Pretendemos desenvolver um projeto arquitetônico realista. Não adianta pensar em algo que vai demandar investimentos gigantescos porque não temos ambiente para isso. Em seguida, vamos fazer as adequações físicas exclusivamente necessárias para que se possa operar efetivamente lá. Há a intenção de que esse espaço possa dialogar com a questão da tecnologia e também ativá-lo como espaço para experimentação teatral, mas isso é um projeto de médio prazo. Para que exista uma ocupação definitiva, é necessário cumprir essas etapas obrigatoriamente.

Como é pensada a programação dos teatros da Fundação hoje? Há uma linha curatorial? 

A Sala Juvenal Dias e o Teatro João Ceschiatti, nos últimos anos, não estavam com edital de ocupação. E isso é algo que eu quero retomar. A ideia não é que ele feche a agenda inteira, porque nós precisamos ter uma margem de manobra inclusive para poder trazer essas outras programações. Mas a ideia é que tenhamos editais de ocupação voltados para a produção local. Mas ainda não consigo dizer se neste primeiro ano nós vamos conseguir dar algum estímulo relacionado a essa ocupação. A programação dos espaços está sendo reestruturada. A minha ideia é criar uma espécie de comissão curatorial dos espaços todos. Nós temos uma diretoria de programação artística, mas acho que isso deve ser feito de uma maneira coletiva. Minha intenção é que nós tenhamos, assim, um grupo para que essas decisões fiquem menos na mão de um diretor ou presidente, mas exista uma integração maior e nós possamos ganhar muito em relação à diversificação de olhares e de colaborações. 

A cultura vem sendo bastante desvalorizada atualmente. Que papel a Fundação pode exercer nesse contexto?

Uma das coisas que me motivou a vir para a Fundação foi recuperar esse lugar de protagonismo na cultura mineira e nacional. 
E acho que é muito importante ofertar essa programação de uma maneira democrática, acessível, e fortalecer a produção artística. Agora acho que nós precisamos avançar na questão dos indicadores. Não basta dizer que a cultura tem impacto para o desenvolvimento econômico e na geração de emprego e renda. Nós precisamos de informações precisas. Quantos dos alunos do Cefart ingressam na vida profissional e estão gerando renda para suas famílias ou dando continuidade aos estudos? Qual impacto geramos em relação ao turismo conectado à atividade cultural? Precisamos da aferição de dados, porque isso pode deixar claro que investir em cultura não é gasto, mas uma necessidade que deve estar na centralidade das políticas públicas. 

 

 

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