Edição comemorativa

Em 'Desnorte', Bob Wolfenson costura e conecta sua fotografia livre e inquieta

Fotógrafo celebra 50 anos anos de carreira e lança livro que traz imagens marcantes de artistas, top models, celebridades e cenas do cotidiano de cidades pelo mundo

Por Bruno Mateus
Publicado em 18 de maio de 2021 | 07:07
 
 
 
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De frente para a câmera que dispara cliques e flashes sem parar, vestido com um paletó que cobre o peito nu, Iggy Pop sensualiza, imita expressões de prazer e se contorce, sacana. Ele enfia as mãos, cobertas por luvas de couro prata, dentro da calça e brinca, sorri, provoca e põe a língua para fora. “Ele queria fazer a foto dele com a mão por dentro da calça, colocava e tirava a mão. Foi divertido. Acabei escolhendo um close dele”, conta, por telefone, o fotógrafo Bob Wolfenson, 67.

A imagem do astro punk norte-americano, que esteve no Brasil em 2015 para participar do São Paulo Fashion Week, estampa a página 109 de “Desnorte”, livro que Bob lançou no início do mês para celebrar seus 50 anos de carreira, que começou cedo, quando ele tinha 16 anos e precisou começar a trabalhar, após a morte do pai. 

O emprego que ele conseguiu foi como aprendiz no estúdio da Editora Abril, em São Paulo. “Daí em diante, fui sendo conduzido por uma ambiguidade que me aproximava e me afastava da profissão, até que uma espécie de chamado vocacional se apossou de mim, amalgamando-me à minha fotografia de tal forma que hoje é impossível dissociar-me dela. Eu sou ela, e vice-versa”, escreve o fotógrafo no texto de apresentação da obra.

Como álbum de uma banda que passeia por baladas, rocks, canções melosas, pesadas, elaboradas ou pop, “Desnorte”, que será tema do encontro virtual entre Bob e Afonso Borges, do projeto Sempre um Papo (Veja detalhes ao fim da matéria), é a coletânea de um fotógrafo que clicou – e ainda clica – diversos e distintos lugares, personagens, rostos, ambientes e corpos. O livro reúne retratos, fotos de moda e de viagens turísticas ou viagens em busca de locações; polaroides, álbum de família e nus femininos feitos para trabalhos da “Playboy”, por exemplo.

Gisele Bündchen, Caetano Veloso, Oscar Niemeyer, Luiz Melodia, Sophia Loren, Fernanda Montenegro, Pelé, Sarah Vaughan, Xuxa, a fachada do Copan, o calor e os pedestres de Miami, a moça que olha desconfiada pela janela do ônibus, o corpo nu de Vera Fischer e a foto de Fernanda Torres danificada pela enchente que atingiu quase 80% do arquivo de Bob, em fevereiro de 2020.

São cerca de 100 fotos (selecionadas entre mais ou menos 2.000) dispostas ao longo de 132 páginas de forma a criar conexões, nexos e narrativas que aparentemente não existem entre imagens e pessoas tão diferentes. Mas esse foi o “(des)norte” que Bob Wolfenson perseguiu e construiu para, em um processo minucioso e estudado, conseguir dar conta de traduzir um pouco do que foi meio século de uma carreira tão diversa. Bob diz que, por uma questão de personalidade, não consegue ser um especialista monotemático. A seu modo, “Desnorte” é o carimbo que valida essa afirmação.

“Fotografia tem uma coisa de especialização, de estilo. Você tem um estilo e é aceito e enaltecido por ele. O meu estilo é essa possibilidade de trafegar por vários gêneros da fotografia pelos quais eu transito e passar tranquilamente de uma coisa para outra. Só posso ser o fotógrafo que sou e estou sendo quando todos os outros fotógrafos em mim estão presentes”, ele comenta.

Seria até natural que, ao celebrar cinco décadas de ofício, Bob Wolfenson fosse tomado por uma nostalgia momentânea ao olhar para o passado e pensar em tudo que já fez. No entanto, ele não se prende a qualquer saudade do que viveu. Bob só se interessa pelo agora: “Respeito o passado, mas sou totalmente aderido aos dias de hoje, no sentido até da transformação monumental que as questões tecnológicas trouxeram”.

E o “agora”, tempo presente-filosófico que sempre o acompanhou independentemente do período ou da idade, implica necessariamente mudanças. Talvez elas evitem que a profissão se torne monótona e cansativa ao longo de milhares e milhares de dias. Mudança para ele é transformação, por isso ele nunca se prendeu a um só gênero na fotografia. Bob Wolfenson recorre a um pensamento do folclórico Neném Prancha (1906-1976), personagem de tantos casos do futebol brasileiro. “Vou mudando para continuar na mesma, para continuar igual. Adoro essa frase dele”, diz.

Recentemente, o fotógrafo produziu um ensaio dos jornalistas Andrea Sadi e André Rizek com seus gêmeos recém-nascidos. A sessão durou quase três horas. A novidade, trazida pelos tempos de pandemia, é que não precisa haver encontro presencial para tudo acontecer: bastou Bob, de sua casa, dirigir as cenas e Rizek apertar o botão do celular em seu apartamento. “Eu falava ‘põe a câmera aqui, vira a cabeça pra lá’, mas quem fazia a foto mesmo era ele (risos). Aquilo foi o maior 171”, brinca o fotógrafo, desdenhado por ter levado o crédito das imagens. 

Ele está aberto às novidades e costuma dizer que nem em seu sonho mais delirante ousou imaginar o fotógrafo que seria hoje. Não pelo sucesso e pela fama, ele pondera, mas pela forma como a fotografia se tornou parte dele e ainda o faz se sentir vivo. Sobre aposentadoria, ele ainda nem pensa, e só vai atinar para isso quando as ideias e os convites para trabalhos sumirem. “Vou continuar fazendo sempre que puder. Tenho muito mais tesão agora do que quando tinha 16 anos. Tesão e vivacidade, acho que é isso que eu poderia ensinar para aquele Bob garoto, que começou a trabalhar com fotografia”, pontua Bob Wolfenson.

“Desnorte”

Publicado de forma independente, “Desnorte” (123 páginas, 30 cm x 40 cm) está à venda pelo e-commerce da plataforma Kickante. O livro tem tiragem de 750 exemplares: 100 em capa azul ou verde, já esgotados, 100 em capa rosa, vendidos a R$ 280, e outros 550 em capa craft, vendidos também a R$ 280.

Sempre um Papo 

Nesta quarta (19), Bob Wolfenson participa de mais uma edição do #SempreUmPapoEmCasa. Às 19h, ele fala sobre o livro “Desnorte”, que reúne cerca de 100 fotos em 132 páginas e celebra os 50 anos de carreira, que o fotógrafo completa em 2021. O encontro, mediado por Afonso Borges, será transmitido pelas plataformas digitais – YouTube, Facebook e Instagram – do projeto.  

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