Teuda Bara confessa que não saberia precisar exatamente o dia, o ano e o mês em que participou do projeto Camarim em Cena, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo. “Lembro que foi um bate-papo que não acabava mais. Tinha figurino, objetos de cena, tudo muito arrumadinho. E eu sentada lá, linda, falando (risos) para uma plateia maravilhosa. (Tinha) tanta gente que o Itaú teve que mandar fechar (o acesso, em certo ponto). Ao final, me sopravam: ‘Teuda, termina’, porque já tinha passado do horário. Mas como eu ia fazer? Todo mundo falando, perguntando... É muito bom quando você está assim, na mão do público”, rememora a atriz mineira, integrante do Grupo Galpão.
 
Sua conterrânea e colega de profissão Bete Coelho, por sua vez, explana: “Eu estava encenando a peça ‘Terceiro Sinal’, do Otávio Frias Filho, no próprio teatro do Itaú, e, ao mesmo tempo, estava em cartaz com um texto do Bob Wilson. Vendo agora, em tempos de isolamento, parece outra realidade. Não quero cair no saudosismo, tipo ‘oh, como éramos felizes’, mas foi uma experiência muito bacana. Na verdade, naquele dia, lembro que estava cansada, precisei correr muito para chegar ao teatro, estava atrasada. Muito exausta. Acho que (no registro) tem até um certo ar de impaciência, que não é muito o meu feitio”, pontua ela.
 
Bete Coelho e Teuda Bara são duas entre os vários expoentes das artes cênicas que participaram da citada iniciativa Camarim em Cena, realizada pelo Instituto Itaú entre 2016 e 2019 e que, agora, no bojo das programações disponibilizadas online para tentar dar alento a quem está em casa, confinado em função da pandemia do novo coronavírus, pode ser vista a qualquer hora, ao simples acessar do site da instituição. 
 
Na verdade, o episódio com Teuda Bara entrará no ar no próximo dia 30. O projeto teve início neste mês com o registro do encontro com a atriz Maria Alice Vergueiro (dia 9), seguido do programa com Bete Coelho (no dia 16). Neste sábado (23), vai ao ar o episódio com Cleide Queiroz. O de Teuda encerra a primeira temporada, mas a notícia alvissareira é que já há outras três engatilhadas, alcançando até o final de agosto. Não só. A série evidencia o destaque da cena mineira, não só com os nomes já citados, mas com talentos como Angel Vianna, Yara de Novais e Grace Passô, outras entrevistadas que estão na primeira temporada.
 
Os programas, lembra Galiana Brasil, gerente de artes cênicas do Itaú Cultural, já haviam sido disponibilizados anteriormente no canal Curta!, mas, agora, o poder de alcance se amplia exponencialmente com a disponibilização no site. “O projeto revela um aspecto primordial das artes cênicas que é como foi chegar àquilo a que o público assiste da plateia. A gente trabalha muito com a fruição, a obra já pronta. Já essa série trata do que se chama de ‘formação de público’, para usar uma expressão até já meio desgastada. Mas passa por aí, o camarim é o artista, é onde ele tira e coloca máscara. Então, a gente brinca com essa analogia”, situa.
 
Ela acrescenta que, no curso dos encontros, os convidados compartilharam com o público momentos pouco conhecidos de suas trajetórias. “O Zé Celso Martinez Corrêa, por exemplo, falou do irmão (Luiz Antônio Martinez Corrêa, brutalmente assassinado em dezembro de 1987, quando tinha apenas 37 anos), e, narrada por ele, a história mostra outro dado de realidade, de humanização, não só no lugar do artista”, explica Galiana.
 
Antes da pandemia, o Itaú Cultural já estava tocando a edição 2020, que, aliás, dá início a uma nova vertente: Camarim – Territórios estava sendo gravada na própria sede dos grupos, em variadas praças. “Já havíamos feito as filmagens com o Galpão, aí, em Belo Horizonte, em dezembro do ano passado, e com o grupo Lume, em Campinas. E estávamos com as do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, previstas para maio”, conta Galiana. Agora, é esperar as coisas começarem a voltar ao normal e, enquanto isso, assistir aos programas disponibilizados. “O bacana é que cada espectador pode fazer a sua curadoria. E mesmo maratonar, como uma série”, sugere ela.
 
Bete Coelho aguarda o esperado retorno à normalidade (mesmo que consciente de que será lento e gradual) para retomar os ensaios de “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, nos quais ela estava imersa antes da quarentena. “Tivemos, claro, que interromper o processo. Eu estou dentro de casa, seguindo as orientações de confinamento, há mais de dois meses, nem sequer indo andar na rua”, diz. “Estamos vivendo ainda um estado de choque e tentando entender não só isso tudo, como de que maneira podemos tentar usar esse tempo a nosso favor, para que quem sobreviver possa usufruir de um mundo melhor. E quando soube que essa série seria disponibilizada, fiquei muito feliz, porque a vejo como uma bela homenagem ao ator e ao teatro, importante em um momento no qual a classe está sendo muito massacrada. Estamos sendo injustiçados de maneira ignóbil, vilipendiados de uma forma que jamais poderíamos imaginar”, lamenta.
 
Teuda também sentiu na alma o corte abrupto na agenda. “Você vê como são as coisas. Em janeiro, estava de férias, mas fui fazer ‘As Orfãs da Rainha’, da Elsa Cataldo. E, quando acabou, já fomos (o Galpão) para São Paulo, para fazer ‘Nós’. Voltamos e entramos no processo de ‘Quer Ver, Escuta’, nome do próximo trabalho do grupo, construído sobre poemas. A gente com esse trabalho cheio de poesia, e aí vem essa coisa, essa pandemia, e estou fechada em casa. Sei que sou privilegiada, tenho um quintal, uma área com plantinhas, cachorros. Mas chega uma hora que você não aguenta mais. Então, estamos fazendo essa coisa que não sei nem que nome dar (o contato virtual com os colegas de grupo). Porque ninguém faz teatro olhando para tela”, diz ela, divertindo-se ao lembrar que ganhou, dos companheiros de grupo, um tripé “com lugar para colocar celular e com luz para gravar”. “Mas estou apanhando demais”, gargalha.