Quando Isadora, a primogênita da bailarina e professora da UFMG Graziela Andrade, começou seu processo de socialização, entre seus 2 e 3 anos de idade, um desafio logo se impôs na relação mãe e filha. "É que ela era o meu carrapatinho", brinca Graziela, falando sobre a dificuldade da rebenta em querer se separar da genitora, mesmo que por um curto período. Um dia, na peleja para deixá-la na escola, ela lançou mão de uma ideia que lhe veio naquele momento à mente: argumentou que, a partir dali, as duas teriam um segredo que as manteria sempre juntas: um elástico invisível que ligava ambos os corações.
"Daí em diante, todo dia a gente se abraçava forte e fazia 'tic-tic' para atar o elástico. E ainda testávamos, fazendo um vai e vem curtinho (risos). Funcionou tanto que virou um tic-tic danado lá em casa. A cada saída de alguém, todo mundo se abraçava para ligar o elástico", lembra a bailarina, que mais recentemente resolveu narrar essa experiência em um livro destinado ao público infantil. Surgiu assim “Tic-Tic: O Elástico Invisível do Coração”, projeto piloto do selo independente Acolá Editora. Neste sábado, aliás, a escritora participa, a convite da Brazilian Educational and Culture Centre, da Inglaterra, de uma live para fazer a leitura de sua obra. A live acontece às 9h no Brasil e às 13h na Inglaterra, pois visa atender também os brasileirinhos que moram além-mar. A ideia é com as ações da POLH - Português como Língua de Herança. dando acesso à nossa cultura e literatura às crianças bilíngues. A transmissão se dará no Instagram da editora
@acolaeditora.
Graziela evita dizer que a obra tem uma mensagem a passar. "Gosto de pensar que cada leitura é única. Alguns não verão nada demais ali, outros se emocionarão profundamente. O 'Tic-Tic' fala de amor, mas também de medo, angústia e individualidade. Para um olhar mais atento, há de se perceber que antes da ligação existe um corte, nossa ferida primeira. Digo, o cordão umbilical é rompido e o elástico invisível cresce no coração. De verdade, estou substituindo um fato real por uma fantasia. É como se dissesse: está tudo bem, você não ficará sozinho", esclarece. Em todo caso, a indicação de leitura é para crianças até 7 anos. "Mas tenho um sobrinho de 8 anos que adorou. Fiz para ele um marcador de página com feltro e fios de silicone. Ele puxou tanto que arrebentou. Depois, foi conferir com a mãe: 'O elástico invisível é mais forte do que esse, né, mãe?'", encanta-se a autora.
Vale lembrar que o livro já estava sendo editado antes da pandemia, e acabou sendo lançado em meio a ela. "Então, se aderiu a este contexto também. É de novo um jeito de dizer que não estamos sozinhos, que há uma rede de afeto suprindo nossos corações até a possibilidade dos beijos e abraços voltar", diz Graziela.
Fato é que o tic-tic tem sido aplicado em muitas situações. "Tempos atrás, uma mãe, que é pediatra na Santa Casa, teve acesso ao livro e me procurou para dizer como a leitura foi importante para os filhos dela, que tiveram uma história de hospitalização longa no nascimento. Depois, me contou sobre a ala de oncologia infantil do hospital. Disse que,como as crianças são imunossuprimidas (em determinados momentos do tratamento contra o câncer), por vezes ficam completamente isoladas, sem poder receber visitas de voluntários e, em alguns casos, até a dos pais. Imagina só?! Então eu fiz uma doação dos livros e soube que a psicóloga está usando o tic-tic pra trabalhar com essas crianças este momento de separação", revela, orgulhosa.
Para a autora, independentemente da situação, a criança, quando escutada, tem total possibilidade de fazer suas interpretações sobre uma história. Portanto, vai significá-la dentro de seu universo, fantasias e questões. "Acredito que cada leitura vai proporcionar a adultos e crianças outras construções de tic-tic’s, afinal, estou falando de um elo amoroso capaz de dar segurança na relação entre pais e filhos, e isso pode mesmo ser compreendido de maneira muito “elástica”. É uma potência da literatura".
Hoje, com anos, Isadora já não usa o elástico com tanta frequência, justamente por atualmente dar conta de compreender que não irá perder a mãe ao se afastar dela por um certo período. "Mas vez ou outra o tic-tic ainda aparece, e ela até faz com a irmã mais nova, Helena, de 2 anos. Elas gostam muito de ouvir a história também. A Isa, que ainda não foi alfabetizada, conta a história para as bonecas, e percebo que o texto está todo decoradinho", orgulha-se Graziela, revelando que a "metodologia" também já foi empregada por outras mães. "Inclusive a minha cunhada. Agora, com o lançamento do livro, a metáfora está se ampliando - e é muito bonito ver o livro encontrando seus leitores e caminhos". Graziela diz estar tendo retornos muito afetuosos. "Um deles foi o de uma menina que queria saber se o elástico atravessava o céu, eu disse que sim, que além de invisível, ele era invencível. Ela tinha perdido um parente querido e estava diante do mistério da morte, o elástico não podia falhar neste momento", relata.
Graziela conta que os tempos de pandemia trouxeram outras indagações à sua filha mais velha. "Esta semana, por exemplo, ela me disse: 'Mãe, eu queria que o mundo voltasse a ser como antes'. Eu não sei o que vai acontecer com o mundo depois da pandemia, mas tento encontrar respostas que não a deixem muito angustiada e, ao mesmo tempo, que não a recolham a um mundo totalmente fantástico. Ela sabe o que está acontecendo e a Covid-19 já se tornou seu 'inimigo número 2'. Vive criando planos para acabar com ele e voltar para a escola, que tanto ama. Eu percebi ela mais nervosa, irritada, respondona, e como na escola dela, que segue a pedagogia Waldorf, não há aulas online ou dever de casa, criamos uma escolinha em casa. Então, temos o horário de estar com elas fazendo atividades manuais, brincadeiras, arte. É muito especial", conta.
Por último, mas não menos importante: as ilustrações. Graziela narra que estava com o livro pronto e atrás de alguém para ilustrar. Quando viu as aquarelas da Maria Rocha em uma rede social, teve certeza que eram as imagens do "Tic-Tic". Assim, ela mesma foi à editora do livro, e, então, todos trabalharam em conjunto. "Eu, Maria – que é uma artista portuguesa - e o Vitor, que cuidou da diagramação. Foi tudo muito suave, houve uma sintonia imediata. O que acho mais rico nas ilustrações dela é que ultrapassam o texto, não são uma simples narrativa, têm uma riqueza poética própria e que, ao mesmo tempo, se compuseram perfeitamente com o texto. Maria e Vitor se encantaram com a história, então, foi um encontro perfeito! Brinco que eles agora se emaranharam nos meus Tic-Tic’s e estarão comigo no próximo livro!", promete.
Em tempo: No Brasil, “Tic-Tic: O Elástico Invisível do Coração”, pode ser adquirido através do site da autora
graandrade.com/tictic, pelo preço de R$32, com frete já incluído. Em BH, está disponível ainda na Livraria Quixote. Integra também o portfólio do programa “Conte Outra Vez”, para clientes Nextel. Traduzido para o inglês e francês, as versões ebook e impressa estão disponíveis, através do portal Amazon.com, em mercados como Europa, UK, Japão, América do Norte, Índia e Austrália.