A imagem que se tem da escrava Anastácia é a representação de uma mulher negra que tem presa ao rosto uma máscara composta por um pedaço de metal colocada no interior da boca, entre a língua e a mandíbula, e fixada por detrás da cabeça através de duas cordas. Simbolizando o silenciamento e brutalidade do sequestro e escravização, a máscara é uma imposição de senso de mudez e de medo.
Em "Estilhace!", espetáculo que tem sessões neste sábado e domingo, no Teatro Espanca!, o diálogo inovador entre linguagens visa provocar uma reflexão sobre os dispositivos de silenciamento do povo negro, bem como, as potencialidades de superação desses processos.
A montagem é dirigida pelo artista e educador musical Leandro Souza com coreografia da capoeirista e bailarina afro Júnia Bertolino e em parceria com os videoartistas Paulo Roberto Rocha e Caio Maggi. No espetáculo, o público é convidado a experimentar as diversas camadas e linguagens da performance que tem a forte influência do afrofuturismo - conceito em que a tecnologia se une à produção artística e projeta o futuro pela perspectiva afrocentrada. As referências à máscara de metal e as novas narrativas e possibilidades de expressão propostas serão percebidas no deslocamento da bailarina, que por meio de sensores fixados ao corpo, produzem, em tempo real, sons e imagens.
Para Júnia, a construção compartilhada com Leandro tem resultados surpreendentes, como o acúmulo de conhecimento e o apoderamento de tecnologia para a arte negra. Ela conta que ao longo da trajetória artística já havia integrado projeção de vídeos à sua atuação na dança, mas que é a primeira vez em que performa com este tipo de tecnologia. “Há 14 anos, usei imagens, mas pela primeira vez, sensores integrados ao meu movimento. Mais do que nunca, vejo que as danças populares e afro-brasileiras precisam usar novas linguagens. Neste trabalho, trago a reflexão do feminino e da mulher na capoeira como uma boa oportunidade de performar com a cabaça e o berimbau, elementos tão representativos na manifestação da valorização das manifestações da manifestação cultural afro-brasileira”, reflete.
O projeto, que é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, foi desenvolvido a partir de pesquisas feitas por Leandro Souza sobre estratégias de interação para música, dança e outras linguagens artísticas explorando tecnologias digitais. “Este projeto possui impacto cultural inovador, uma vez que coloca a mediação digital a serviço da criação artística, e traz para o espectador, um espetáculo que questiona os mecanismos de racismo, a herança do processo de sequestro e escravização, assim como a colonização. Além de refletir sobre a urgência pela quebra dos muitos silêncios instituídos”, afirma. O diálogo da tecnologia com as imagens, poesia e as danças afro-brasileiras e contemporânea se dá por meio de sensores fixados nas pernas e braços da dançarina, em que os sons do berimbau e os vídeos projetados serão alterados em tempo real.
É a partir da movimentação de Júnia Bertolino no palco que se produz além de sons e imagens como, principalmente, narrativas, como faz questão de destacar. Para isso, a artista resgatou estudos sobre ancestralidade e o corporeidades negras para compor a montagem. “Assim que o Leandro me convidou, trouxe Conceição Evaristo com o Vozes-Mulheres em que fala da voz da mãe e avó e da bisavó que ecoam. Já a escolha por poemas de Beatriz Nascimento diz sobre o que ela representa como historiadora e sobre o corpo quilombola”, conclui.
Sonoridade e memória - A sonoridade é construída por sons do berimbau, vozes e silêncios. Leandro ressalta ainda que outra importante característica estética do espetáculo é o processamento por síntese granular. “Consiste em fragmentar o som em pequenos pedaços e depois juntá-los novamente, de diferentes modos. O processo de estilhaçamento, fragmentação e alteração também serão empregados nos vídeos projetados em tempo real”, explica.
Oficinas - Além da apresentação do espetáculo, o projeto busca multiplicar, por meio de oficinas realizadas em periferias de Belo Horizonte. O objetivo é democratizar o acesso ao conhecimento através de ferramentas e conceitos gratuitos para estimular a experimentação dos meios digitais na criação artística. Em julho foram realizadas no Centro Cultural Alto Vera Cruz e no Centro Cultural Lindeia Regina. Já em novembro, será ministrada a oficina “Entre gestos” para crianças neurodiversas e os professores/estagiários do CMI, Centro de Musicalização Infantil da UFMG.
Serviço
Estilhace!
Neste sábado: 17h30 (para convidados) e 20h; 28 de agosto (domingo) 19 e 20h
Conversa sobre o espetáculo: após a apresentação das 20h do dia 27, haverá conversa com o público interessado no processo de criação do trabalho e sobre mediação digital.
Local: Teatro Espanca - Rua Aarão Reis, 542, centro
Ingressos: R$10 (inteira) e R$5 (meia-entrada).
Para mais informações, acesse https://linktr.ee/estilhace