Entrevista

Fernando Mascarenhas reúne banda e põe mais rock na versão ao vivo de 'Dizperto'

Nova roupagem do disco de 2021, o primeiro da carreira solo do compositor mineiro, foi lançada nesta quarta (13) também com registro audiovisual

Por Bruno Mateus
Publicado em 13 de abril de 2022 | 11:51
 
 
 
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“Dizperto”, primeiro disco solo do cantor e compositor Fernando Mascarenhas, ex-integrante da banda belo-horizontina Paquiderme Escarlate, foi lançado em abril do ano passado. Devido à pandemia, o mineiro acabou tocando 90% dos instrumentos do álbum, gravado na casa do músico. Não era bem o que Fernando queria, mas foi o que o isolamento permitiu naquele momento. Um ano depois, o que era para ser uma live acabou dando origem a uma nova versão do disco - captada em áudio e em registro audiovisual, como se fosse um show no estúdio para uma plateia invisível -, chegou às plataformas digitais na manhã desta quarta-feira (13).

Disponível no canal do artista no YouTube e também no Spotify, “Dizperto Ao Vivo” foi gravado em dezembro passado no Estúdio Monkey, em Belo Horizonte. Carlos Ziviani assina a direção, a edição e a produção. Para a empreitada, Fernando, que assume o baixo, convocou Yuri Lopes (guitarras e backing vocals) e Guilherme Dardanhan (guitarras e backing vocals) e Thiago Champs (bateria) para dar outras cores e timbres ao disco numa roupagem mais elétrica, apimentada e rock ‘n’ roll, sem deixar de lado as influências do jazz, da MPB e do indie.

Composta no 37º dia da pandemia, quando todos ainda estavam em busca de respostas, “Dia 37” abre “Dizperto Ao Vivo”. Para o músico, a faixa, homenagem ao eterno mutante Arnaldo Baptista, uma das maiores referências do compositor, é a mais pesada do disco “e a que tem a influência do jazz aparecendo de forma mais clara”.

De cunho político e social, “A Barragem” não deixa que os crimes ambientais ocorridos após o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho sejam esquecidos: “Fala sobre o descaso que houve com as vidas perdidas e na letra há um diálogo com um empresário que ‘só queria lucrar’”. O disco reúne um material cujo nascimento data de 2016. As letras falam de solidão, distância, ausência, mas também inspiram olhares para um novo mundo - particular ou coletivo.

A seguir, Fernando Mascarenhas, que já lançou o EP “Ascensão e Queda” (2015) e os singles “Festa, Bolo, Velas e Palmas” (2017), “Espera” (2020), fala sobre os desdobramentos de “Dizperto”, o formato ao vivo, a predileção pelas canções e a total falta de interesse em transitar por apenas um gênero musical. “O que vale é a melodia, mas me agrada mostrar que o rock ‘n’ roll ainda está aí, é uma estética que ainda funciona, mas não nos prendemos a isso”, comenta o músico.

Quando e por que você viu que a proposta da live poderia virar um disco ao vivo de estúdio?

“Dizperto” foi lançado no ano passado, não era para ter sido gravado como foi. Eu queria ter gravado em estúdio desde o princípio, estava tudo engatilhado. Fizemos a pré-produção de janeiro a março de 2020, mas aí veio a pandemia. Ficamos inseguros de envolver muita gente, o disco ficou em suspenso por um tempo, mas como não tinha a perspectiva de a pandemia acabar, decidi fazer. Em vez de ir até o estúdio, o estúdio veio até a minha casa. “Dizperto” é um disco gravado em home estúdio, tem uma estética lo-fi, gravamos com equipamentos muito bons, mas é um disco gravado em casa. O próximo passo seria tocar o disco ao vivo quando fosse a hora certa, fazer uma turnê, então essa versão foi um desdobramento natural. Começamos a ensaiar e no segundo ou terceiro encontro percebi que aquilo estava dando liga. No disco lançado em 2021, tem bandolim, flautas, banjo, mas quando fomos passar para o ao vivo, desisti de colocar esses instrumentos e decidi por uma banda compacta de quatro pessoas. Conseguimos transpor os arranjos, a banda estava bem entrosada. No terceiro ensaio já desencanei de reproduzir o álbum tal qual foi lançado no ano passado. Ensaiamos tudo, ficou redondinho, pensando em transmitir a energia do ao vivo gravamos em dezembro do ano passado. Desistimos de fazer uma live e optamos por gravar o áudio e as imagens para tratar depois com calma, editar. Tocamos as 14 faixas na sequência, de uma só vez, sem nenhuma correção de estúdio, como se fosse um show sem público. A ideia era essa: tocar “Dizperto” na íntegra e com energia.

É uma versão e um formato naturalmente mais rock ‘n’ roll, né?

Sim, bem mais roqueiro, mas sou um compositor de canções, não consigo me colocar numa prateleira. Gosto de compositores de canções, como Belchior, Arnaldo Baptista, Lô Borges, que trafegam entre alguns ritmos, mas de qualquer forma as canções estão um pouco no rock. Minha escola é muito daquele período em que a música pop foi elevada ao patamar mais artístico, os Beatles, os Beach Boys… Essa é a nossa escola, a escola da banda. O que vale ali é a melodia, mas me agrada mostrar que o rock ‘n’ roll ainda está aí, é uma estética que ainda funciona, mas não nos prendemos a isso. Como foi o primeiro contato dos quatro tocando juntos, o entrosamento foi esse, meio “Álbum Branco”. O importante é que conseguimos trabalhar sem ficar nos desgastando demais. Particularmente, eu achei ótimo. Não fico levantando a bandeira só do rock ‘n’ roll, mas comecei a compor por causa dessa galera aí.

Por falar em referências, no teaser da live session aparece ali uma linha de baixo de “Money”, do Pink Floyd, e você canta um trecho de “Dig A Pony”, dos Beatles.

Não foi nada planejado, eu estava passando algumas linhas de baixo, por coincidência na edição do vídeo ficou o baixo de “Money”. Eu não queria passar minhas músicas, ficamos três semanas tocando sem parar. Os guitarristas tocaram “Day Tripper”... Tento sempre não copiar, compor é que é  o grande lance. Estou iniciando minha carreira solo, nesse processo de ser um frontman, mas como compositor já é uma trajetória de quase 20 anos. Comecei a compor bem novinho, com uns 15, 16 anos. O que me induziu a querer compor foi ver a turma da contracultura dos anos 60. O que me pegou muito enquanto compositor foi ter alguma coisa para falar, sempre fui um cara meio introvertido, escutando os discos do Belchior, do Lô Borges, dos Beatles, especialmente do John Lennon, do Arnaldo Baptista. O que me motivou foi isso. Essas referências me ensinaram isso, que não preciso ficar apegado a um estilo. “Dizperto” tem essa pegada mais rock, mas tem música latina, toquei bateria eletrônica, coloquei alguns loops. Não tentei reproduzir algo que já passou. As pessoas vão perceber as influências naturalmente, mas o grande lance desse disco é o frescor.

Quando as músicas de “Dizperto” foram compostas?

Ali temos músicas compostas de 2016 a 2020. Sempre fui um cara de bandas, a última da qual participei foi a Paquiderme Escarlate. Sempre fui um compositor frenético, componho em larga escala, mas não gosto de pensar em resultado, então de 2016 pra cá tinha muita coisa. No primeiro processo de pré-produção, estava trabalhando com 24 músicas. O grande lance é que antes eu não era um artista solo, tinham outros compositores na banda, então acumulei muita coisa. Eu estava me descobrindo. Seria a primeira vez que todas as músicas seriam cantadas por mim, me acostumar a isso foi um processo, teve essa demora por esse fator de me assumir como um artista solo.

“Dizperto”: por que esse nome?

Isso foi bem natural, quase que um insight, de um segundo para outro. Eu já estava com as músicas gravadas, estava às voltas tentando descobrir a ordem do disco. As músicas foram compostas em períodos diferentes, só depois de fazer uma audição que entendi que realmente o álbum tinha um tema. A leitura que fiz é que descobri muita música que falava sobre solidão, ausência, acabou coincidindo com o lance da pandemia. Começamos a gravar em abril de 2020, todo mundo sem saber se ia se ver de novo. Quando as músicas não falavam sobre ausência, solidão, distância, falavam sobre olhar o mundo de uma nova maneira. “Dizperto” é tanto no sentido do Fernando estar desperto, quanto no sentido de dizer algo perto. Duplo sentido intencional.

O consumo de música, hoje, mudou muito e é comum que artistas lancem singles mensalmente até formar um álbum ou EP’s com cinco, seis faixas. São trabalhos fatiados ou com menos músicas. Por que lançar um disco com 14 canções? 

Não estava pensando se ia ter muito play, se ia repercutir. Estava pensando na relevância de o disco ter uma vida útil. Foi um trabalho bem minucioso. A ideia era que qualquer música poderia ser um single, depois eu pensei na temática. Quando falei em lançar um disco com 14 faixas me falaram que eu estava ficando louco. Mas a música é o que mantém meu brilho no olho. Pensei: “Se o mundo mostrar que eu estava errado, tudo bem, mas em nenhum momento pensei na facilidade de acesso, não sei se isso é bom ou ruim, mas é o jeito que consigo fazer. Não faria nada para atender um nicho, um mercado. Apenas componho. Falo sobre mim, falo sobre o mundo que eu gostaria de ver. Eu não estava com expectativa de fazer grana, mas de mostrar meu primeiro trabalho solo, mostrar com sinceridade o que tenho para falar. 

O que essas canções têm a dizer para serem lançadas de uma só vez?

Elas fazem sentido separadas também, não seria problema se fossem lançadas como singles - se eu tivesse mais recursos eu até poderia fazer isso. Mas estamos num momento em que a arte no Brasil está muito sucateada, as coisas estão difíceis para nosso setor, turbulentas. Meu disco tem um posicionamento político subliminar, mas meu posicionamento artístico extrapola a política. Acho que a arte é uma coisa que faz bem para a alma, mas o consumo desenfreado de single atrás de single me desagrada um pouco. Meu posicionamento é deixar uma obra, quero que as pessoas descubram o Fernando Mascarenhas. Quem parar por 50 minutos para ouvir “Dizperto” vai se deparar com as 14 músicas, vai ver que eu tenho uma trajetória. Meu posicionamento é esse: acho negativo as pessoas perderem o hábito da leitura, de escutar um disco por inteiro, de consumir música só como um pano de fundo para algo que está fazendo. As músicas deste disco fazem sentido, elas te conduzem para algum lugar.

O que as pessoas vão notar de diferente do disco de estúdio lançado em 2021 para a versão ao vivo que chega agora às plataformas?

Se não tivesse acontecido a pandemia, provavelmente a primeira versão do disco já seria com a banda de apoio, mas eu acabei gravando 90% dos instrumentos em um estúdio em casa. Da banda, o Yuri Lopes participou do processo também. Acho que o que salta aos olhos na versão ao vivo é a energia da galera tocando. Por mais que seja outra versão, são as mesmas músicas, os mesmos arranjos, às vezes tocados com outros instrumentos, mas tentamos não descaracterizar as canções. Também por ser uma coisa visual, vai ser fácil reparar nossa energia. Estávamos entregues, nos divertindo, dá pra ver que estávamos na pilha. Resumidamente, o que vai chamar mais atenção que a roupagem é a energia da banda tocando junto.

Com a versão ao vivo de “Dizperto” lançada, quais são os próximos passos?

O próximo passo é tentar nos apresentar por aí, mas não vamos tocar em qualquer lugar. Precisamos de um cachê digno, não dá para prometer que vamos tocar pra cima e pra baixo, mas vamos aceitar todos os convites com cachê digno. A ideia é levar essa versão ao vivo para a estrada, desde que tenhamos condições e pessoas interessadas. A princípio, tem esse show com os quatro elementos, mas também pode ser um pocket show ou até mesmo ampliado com a banda e elementos que estão no disco, como flauta e bandolim. A ideia é atacar em várias vertentes.

Como está sua produção na pandemia? Algo novo surgindo por aí

Já estou começando a pré-produção do meu segundo disco solo. Estou naquele momento de terminar canções inacabadas, selecionar repertório. Estou às voltas com alguma composição praticamente todos os dias. Já estamos com 13 músicas, algumas para terminar. São músicas dos últimos dois anos. Pode ser que venha um disco longo novamente.

 

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