Artes Visuais

Fernando Pacheco mostra 14 telas na exposição 'Atelier em Movimento'

A exposição é composta por 14 pinturas em acrílica sobre tela, em grandes formatos, compreendendo o período entre 2009 e 2021, e uma instalação de objetos/pintura

Por Patrícia Cassese
Publicado em 14 de setembro de 2022 | 09:06
 
 
 
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Para Fernando Pacheco, o verdadeiro ateliê de um artista é a sua cabeça, e não um espaço físico medido em metros. "Onde ele está, ali é o seu ateliê. O cômodo físico é bobagem, qualquer lugar que você chegar - um galpão, uma velha garagem - pode ser adequado a um ateliê. Agora, a cabeça é uma longa formação, uma longa história existencial. E ela está sempre em movimento. Não só físico, mas no sentido do amadurecimento mesmo", destaca o artista, que, até o próximo 16, apresenta a exposição "Fernando Pacheco - Atelier em Movimento" no Centro Cultural Unimed BH Minas Tênis Clube. A mostra é  composta por 14 pinturas em acrílica sobre tela, em grandes formatos, compreendendo o período entre 2009 e 2021; além de uma instalação de objetos/pintura, da série "Mensagem", formada por garrafas pintadas que trazem, em seu interior, mensagens poéticas. 

Uma curiosidade é que as telas estão expostas sem o chassi (a estrutura de madeira que tradicionalmente as sustentam). "São  só a lonas mesmo, pregadas diretamente na parede, isso exatamente para facilitar a mobilidade e, consequentemente,o movimento", explica. "Essas 14 pinturas, de certa forma, traduzem a ideia de atelier em movimento, já que as pintei em diversos espaços: aqui em BH, no meu atelier, que é na Pampulha; lá em Saquarema, no estado do Rio, onde também tenho um pequeno ateliê, e em Auckland, na Nova Zelândia. Esse movimento é o atelier em movimento: você sai daqui, da Pampulha, vai para outro estado, depois para outro país, do outro lado do mundo, e volta.. Essas telas fazem parte desse movimento", explana. 

Além da ausência dos chassis, outra particularidade é o fato de serem telas em grandes formatos. "Fiz essa opção porque, assim, elas ampliam o território no qual a fantasia das pessoas pode encontrar diálogo, esse é propósito. Que, diante da pintura, a pessoa possa fazer uma reflexão, que é ela é olhar para dentro de si mesma, vasculhando, procurando ali os verdadeiros sonhos, fantasias, mistérios, segredos. O grande formato amplia fisicamente o território da pintura, e assim, a possiblidade de diálogo da fantasia da pessoa com o que a pintura propõe é maior. De certa forma, tem mais elementos". Não bastasse, ele lembra que tudo em sua pintura é metáfora. "Nada significa exatamente o que está lá. Se tiver uma bota, um cachorrinho, tudo tem mil outros significados. A tela grande não é só para ocupar o espaço físico da galeria, nada disso. Tudo é ampliação da possibilidade de diálogo e de reflexão".

Duas das obras que podem ser apreciadas na iniciativa, Fernando Pacheco executou durante as filmagens do documentário que leva o mesmo nome da exposição, e que deve estrear em breve. "Pintei em tempo real. As duas são, de certa forma, bem premonitórias. Uma se chama 'USA-Me - Caveiras, Eiras e Beiras'. Pintei bem antes dessa pandemia que, infelizmente, tivemos que enfrentar. Olhando agora, ela reflete essa dor toda, física (de quem adoeceu) e psicológica, a dor da alma, das perdas. A figuração da tela de certa forma relfete isso. Só para você ter ideia, tem uma cama de ferro, dessas brancas, de hospital. Nela, há uma figura deitada ali, mas já é uma caveira. E essa tela fala mesmo da morte. Como minha pintura, ela diz respeito ao existencial humano, tudo está previsto, a religiosidade, a espiritualidade, a morte, o erotismo, a sexualidade. Tudo. E essa, particularmente, fala da morte, mas não uma morte natural, que vem com o tempo, mas uma morte doída demais".

A outra traz formas arrendondadas ("como se fossem umas pizzas gigantes, uns discos"), e, dentro, perfis humanos. "E essas formas circulares flutuam no espaço da tela como se estivessem perdidas no espaço, no oceano. Uma situação que lembra todo aquele  movimento dos refugiados, pessoas que fogem das guerras, da fome, da perseguição, em barcos, muitas vezes à deriva, perdidas, entre continentes, através dos oceanos do mundo. Mas nada é explícito ou literário, tudo é metáfora, ou simplesmente pintura. É, na minha opinião, uma tela muito bonita e para muita reflexão. Ela não tem perspectiva, não tem fundo. Essas formas circulares com perfis humanos, flutuam no espaço vazio, como perdidas no oceano".

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista


Gostaria que falasse da instalação "Mensagem", formada por garrafas...
Na nomenclatura das artes visuais, as garrafas são objetos-pintura, porque, eu utilizei a garrafa, eu não construí o objeto. No caso, peguei do descarte comercial e as pintei por fora, depois, passei um verniz, e tudo. São garrafas pintadas (cada uma, uma pintura exclusiva) no qual eu inseri uma mensagem poética dentro delas. Depois coloco uma rolha, pintada também. Essa mensagem, só quem um dia tiver essa garrafa é que vai poder talvez abrir e ler. Mas uma coisa do tipo: 'Peguei o amarelo e pintei de vermelho/Peguei o preto e pintei de azul/Peguei o rosa e pintei de lilás/Peguei minha cara e pintei de espelho'. 

Que tipo de reflexão elas tentam provocar no visitante?
É uma provocação que faço. Nesse mundo computadorizado, internetizado e whatsappado (risos), eu faço a provocação de se escrever mensagens como antigamente. Antes de termos todo esse tipo de comunicação que temos atualmente, aquelas garrafa dos náufragos perdidos em alguma ilha deserta, esquecida em algum ponto do mundo. O náufrago coloca a mensagem, fecha a garrafa hermeticamente e a joga ao mar. E um dia alguém encontra essa garrafa e tem essa mensagem. As que coloca são bem curtas, poéticas, escritas com um pincelzinhgho velho e escrevo essa mensagem poética, coloco na garrafa e por fora, a própria pintura já é uma mensagem visual. Provocação de que a  gente precisa ter mais calma e nos comunicarmos por mensagens com mais tempo, com mais cuidado, com mais poesia, uma provocação contra esse mundo de internet. A velha e boa mensagem colocada na  garrafa jogada ao mar. A verdade é que a correria tomou conta do nosso dia.

Queria que falasse do documentário que leva o nome da exposição....
É um longa-metragem, tem uma hora e dez minutos, ele mostra um pouco da minha vida. Veja, eu não tenho essa separação 'pessoa' e 'artista'. Não é que o filme trata da minha vida e da minha arte, é o Fernando Pacheco como artista. É uma produção da Noir Filmes, o diretor é o Fernando Batista. Esse projeto começou, acho, em 2015. Por baixo, tem sete anos, e agora ficou pronto. É um filme muito bem feito, tem locações aqui, em BH, a céu aberto, assim como lá em Saquarema. Uma coisa espetacular é que tem depoimentos de pessoas muito especiais: Marcio Borges, Tonico Mercador, Murilo Antunes, do crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, do falecido (saudoso e querido) Decio Noviello, de Miguel Gontijo, Carlos Bracher, do José Eduardo Gonçalves... Os depoimentos me enchem de emoção. No mais, tem eu pintando, eu falando do meu processo criativo. Ao final, aparece uma mesa a céu aberto, e me sento ali, com a minha família, eu e Nina (esposa de Pacheco), nossos dois filhos, noras e as netinhas. Era para estrear na sala de cinema do Minas, no período da exposição, só que ficamos aguardando um documento da Ancine que libera a exibição, e atrasou. Vamos procurar uma nova data, mas será bem breve, no máximo mês que vem. Só não temos o dia exato.

A produção não teve patrocínio, e foi um filme caro, já que teve vários deslocamentos, tanto para Saquarema como para a coleta de depoimentos, já que algums pessoas não moram em BH, caso do Bracher (que reside em Ouro Preto) ou da jornalista Dulce Tupy, que hoje tem um jornal em Saquarema, e que dá um depoimento muito lindo. Ah, sim. Lá em Saquarema, na areia, em um cenário lindo, eu pinto uma dessas barracas de praia e faço uma instalação com descartes, lixo, plásticos, que acho ali, e que junto. Então, não é só pintura de tela, no cavalete. E tem uma trilha sonora fantástica, do Alexandre Lopes. Tão bacana que depois deve gerar um CD.

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