Música

Festival 'A nova viola brasileira' traz concertos e investiga o instrumento

Projeto, que se estende entre sexta (15) a domingo (17), conta com apresentações musicais, palestras, workshops e bate-papo

Por Alex Bessas
Publicado em 15 de maio de 2020 | 16:41
 
 
 
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São muitas as histórias que permeiam a viola e os violeiros, um universo que provoca o imaginário popular e é cercado de mitos. Por muito tempo, foi um saber passado de pai para filho. Dizia-se que os entusiastas do instrumento, para dominá-lo, precisavam recorrer a simpatias. Uma das tantas lendas garante: os mestres do ofício levavam para o túmulo seus segredos e suas técnicas, de forma que só os mais valentes seriam capazes invocar a alma do violeiro para que fosse transmitido ao novato, por meio de um sopro quente, toda a sabedoria do falecido.

Hoje, ainda que essas histórias resistam apenas emprestando algum charme ao instrumento, não é exagero dizer que a viola segue cercada de mistérios. Para dissecar sua musicalidade peculiar e apontar métodos, mais que simpatias, para dominar sua presença em diferentes circunstâncias - no palco ou no estúdio, por exemplo -, o compositor e instrumentista mineiro Fernando Sodré idealizou o primeiro festival A nova viola brasileira, que ocorre entre sexta-feira (15) e domingo (17).

Além de nove concertos de viola apresentados por artistas de diferentes estilísticas musicais, o evento prevê workshops, palestras e bate-papo. Tudo aconteceria em junho e presencialmente. No entanto, por conta da pandemia do novo coronavírus, Sodré optou por readequar o projeto ao atual contexto. No novo formato, o material, produzido pelos músicos em suas casas, ficará disponível para os assinantes por um ano.

Mosaico musical

“O foco do festival é ressaltar essa geração de violeiros, que vêm tirando a viola do lugar comum - já que ela está muito associada à música sertaneja raiz -, e ampliando horizontes”, aponta o instrumentista, garantindo que escolheu os participantes a dedo. Como prova, cita características particulares do trabalho de cada um deles.

O mineiro Fabrício Conde, diz,  tem um trabalho inovador. Ele apresentará seu fingerstyle, fazendo a base e o solo simultaneamente na viola. “Nunca vi ninguém usar essa técnica no instrumento”, comenta. O goiano Marcos Biancardini é dono de um apuro excepcional e é um grande mestre, elogia. Atração internacional, a francesa Fabienne Magnant é uma concertista que usa a viola caipira no contexto erudito, além de explorar seu timbre na música flamenca.

Com interesse inclusive acadêmico, o paulista João Paulo Amaral desenvolveu sua tese de doutorado a partir da obra do cantor e instrumentista Tião Carreiro (1934-1993). Também de São Paulo, o Neymar Dias apresenta transcrições do compositor erudito Sebastian Bach (1685-1750) para a viola. De Arnaldo Freitas, por sua vez, Sodré lembra da biografia: o músico tocava no programa de Inezita Barroso (1925-2015), dedicado à valorização do homem do campo e da cultura caipira.

A também mineira Letícia Leal leva as sonoridades da viola para o choro e para a MPB. Já o paulista Ricardo Vignini usa o instrumento no que chama de Roda de Rock - sim, tocando rock’n’roll pesado. Sodré também se apresenta em um concerto instrumental, voltado para o jazz, as peças eruditas e as brasileiras.

“É um festival muito amplo no sentido musical, cada um deles vai para uma vertente - e a ideia é essa mesmo: ter um registro dessa geração que transformou os usos desse instrumento”, reforça o idealizador do projeto.

Aprendizado

Dizem as más línguas que o violeiro passa metade do tempo afinando sua viola e a outra metade tocando desafinado. A brincadeira tem sua razão de ser: o instrumento tem lá suas armadilhas. 

Não por acaso uma das palestras apresentadas no festival é ministrada pelo engenheiro de áudio e produtor mineiro André Cabelo, do Estúdio Engenho. Na apresentação, ele discorre sobre as frequências mais complicadas, os procedimentos corretos para a captação de som em diferentes ambientes e os melhores métodos para amplificação, algo que costuma gerar apreensão aos violeiros.

Um estudo completo da anatomia e de todo o ciclo de criação das violas é esmiuçado pelo lutier Luciano Queiroz. “É um workshop, praticamente um documentário, em que ele mostra toda a feitura do instrumento, passo a passo, desde a madeira bruta até o produto final”, comenta Sodré.

Por fim, o psicólogo Edivaldo Pinheiro Negrão apresenta uma palestra sobre a inteligência emocional do músico. “É um profissional muito qualificado, que tem um trabalho específico sobre esse tema e que vai falar sobre a lida com frustrações, em como transformar adversidades em oportunidades e vai discutir os pilares dessa estrutura emocional”, sinaliza o mineiro.

Fecha o festival uma mesa-redonda, que reúne os participantes e discute as especifidades do instrumento, além de abordar como a Covid-19 impacta a classe artística e de pensar o mundo pós-pandemia.

Vácuo

O primeiro festival A nova viola brasileira, conta Sodré, tomou proporções inesperadas. “A procura está muito grande”, conta, detalhando que, para acessar o conteúdo, é necessário retirar um ingresso virtual - que custa R$ 200. “O foco principal são os concertos, mas tem também a questão didática, que traz um material de estudo muito bom”, diz. 

O projeto ficará disponível durante um ano. “Além das palestras, teremos outros materiais que serão disponibilizados, como as partituras das nossas apresentações”, detalha ele. Na opinião do instrumentista, há uma carência de pesquisas sobre a viola - e a iniciativa, portanto, vem a ocupar esse vácuo, sendo “um ponto de estudo sobre o instrumento, sobre a importância dele, sobre como ele vem se modificando”, assegura.

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