Cinema

Filme 'Pureza' escancara as mazelas do trabalho escravo no século 21

Com Dira Paes no papel principal, longa se inspira em relato real de uma mãe que virou símbolo do combate à escravidão contemporânea no Brasil

Por Alex Ferreira
Publicado em 26 de abril de 2022 | 05:00
 
 
 
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A relação do Brasil com a escravidão é uma chaga viva que até hoje parece não ter sido curada por completo. Segundo dados divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública no início de janeiro de 2022, o número de operações conduzidas pela Polícia Federal para resgatar trabalhadores em condições análogas à escravidão aumentou 470% em 2021 em relação a 2020. Isso em pleno século 21.

Foi justamente baseado nesta constatação que o cineasta Renato Barbieri rodou "Pureza", filme que se inspira na história real de Pureza Lopes Loyola, uma mãe que durante três anos na década de 1990 combateu jagunços e fazendeiros para salvar o filho do trabalho escravo.

O longa ganha pré-estreia na capital mineira nesta terça-feira (26), às 18h, na sala de exibição do Sesc Paladium, no centro da cidade. A estreia nacional está marcada para o dia 19 de maio.

O diretor conta que a obra nasceu quando o roteirista e pesquisador Paulo Eduardo Barbosa e o fotógrafo Hugo Santarém o apresentaram à saga da trabalhadora rural maranhense. A ideia inicial era denunciar o problema que persiste no Brasil mesmo depois que a Lei Áurea foi assinada há 133 anos.

"Eu estava em busca de uma história universal que pudesse ir além das fronteiras do Brasil", relembra. "Queria algo inspirador que pudesse ser contado não só para o mercado nacional, mas também para outros povos e culturas. Quando o Hugo e o Paulo me apresentaram a pesquisa inicial que tinham sobre a Dona Pureza, eu falei 'É isso que eu estou buscando'. Me encantei pela história e topei o desafio", explica Barbieri.

Embora o projeto tenha levado 15 anos para ser concluído, o cineasta diz que sempre soube da importância de trazer um tema tão urgente para o cinema.

"Vivemos um momento de muitas urgências e o trabalho escravo, assim como o racismo, a degradação ambiental, e o desmatamento, são temas imprescindíveis para nossa realidade atual. É lamentável notar que a devastação ambiental na Amazônia, por exemplo, anda de mãos dadas com o crime trabalhista social que é a escravidão. Eu costumo dizer que a escravidão contemporânea no Brasil começou no dia 14 de maio de 1888. E isso é inaceitável", esbraveja.

O filme destaca a participação e importância da personagem Pureza para criação inserção do Grupo Móvel de Fiscalização e Combate ao Trabalho Escravo (GEFM), que desde sua criação, em 1995, trabalha para garantir os direitos trabalhistas, combatendo a exploração da mão de obra em condições análogas à escravidão.

Para Barbieri, a realidade testemunhada por Pureza ainda reverbera no dia a dia de muitos trabalhadores rurais no País.

"A política pública de combate ao trabalho escravo no Brasil é muito recente e só começou mesmo ali no momento que o filme aborda, com Grupo Móvel do qual a Dona Pureza fez parte com suas denúncias, com sua luta que sensibilizou as pessoas que tomavam as decisões naquele período", analisa.

"Estamos vivendo um período de retrocessos. Hoje, nós temos uma situação gravíssima com centenas de milhares de brasileiros, homens e mulheres que ainda estão sendo escravizados. Essa é a nossa realidade, infelizmente", lamenta o cineasta.

Realidade mordaz

Na trama, Dona Pureza (Dira Paes) e seu filho Abel (Matheus Abreu) trabalham na fabricação de tijolos. Em busca de uma vida melhor, o rapaz decide tentar a sorte nos garimpos da Amazônia. Após ficar meses sem receber  notícias do filho, Pureza inicia uma jornada incansável para descobrir seu paradeiro.

Em sua procura incansável pelo filho, Pureza se emprega como cozinheira em uma fazenda, onde testemunha o tratamento brutal de trabalhadores. Ela consegue escapar e denuncia os fatos às autoridades federais. Sem credibilidade e lutando contra um sistema forte e perverso, ela retorna à floresta para registrar provas.

Por sua contribuição em desmascarar o esquema ilegal, Pureza tornou-se símbolo da luta contra o trabalho escravo no Brasil. Ela ganhou o Prêmio Antiescravidão, oferecido pela organização não-governamental britânica Anti-Slavery International.

"Sabemos o tanto que a Pureza sofreu, mas também sabemos o quão heróico foi o seu feito", observa a atriz Dira Paes, protagonista do longa. "Eu acho vital a gente poder falar sobre trabalho escravo contemporâneo. O cinema é vida e eu lembro do que a própria Pureza disse antes de começarmos as filmagens: 'Eu tive um sonho, que os olhos do mundo vinham me ver. E hoje eu vejo que esses olhos do mundo eram o cinema'. Essa frase é muito linda e resume tudo isso. Um filme como Pureza não é só um entretenimento, mas também um convite a uma nova consciência sobre as mazelas da escravidão contemporânea", conclui.

Serviço

O quê: Pré-estreia do filme "Pureza"

Quando: Nesta terça-feira (26), às 18h

Onde: No Sesc Paladium (rua Rio de Janeiro, 1046 – Centro)

Quanto: Gratuito com a doação solidária de um litro de leite que será revertido para o programa Sesc Mesa Brasil. Ingressos devem ser retirados diretamente na plataforma Sympla

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