No muro da casa do diretor de cinema Maurílio Martins, o cartaz do filme “No Coração do Mundo” desperta a curiosidade e cria expectativa nos moradores do bairro Jardim Laguna, periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Em frente ao pôster, fica a praça do bairro, palco da primeira cena do longa-metragem, que começa com um: “Boa noite, Laguna” – dado pela atriz Karina Telles, que interpreta uma locutora de carro de mensagem. Nessa hora, não só os atores e figurantes respondem, mas também os moradores do bairro que, curiosos com a câmera, se tornam parte da cena.
“Nós contratamos 20 figurantes, mas, quando olhamos, a praça estava lotada. Era um dia de semana, e muita gente veio. A gente nem pensou que teria esses figurantes extras, mas acabou sendo muito legal a integração dos moradores na primeira cena”, se alegra Maurílio, que assina a direção junto a Gabriel Martins.
Mas não é só pela presença física nas cenas que o “No Coração do Mundo” gera expectativa por sua estreia, hoje. A identificação com as histórias contadas, os retratos da vida nos bairros periféricos, o reconhecimento dos atores (alguns habitantes da região), e do cenário (o filme todo foi gravado no Jardim Laguna), fez com que os moradores de Contagem apelidassem o longa, carinhosamente, como o “filme do Laguna”.
O filme foca Marcos (Léo Pyrata), que busca uma forma de melhorar de vida, para além de sua rotina de bicos e pequenos delitos. O plano que pode mudar sua vida é arriscado.
Pelas redes sociais, relatos orgulhosos: “A quebrada de vocês também tem um filme”, escreveram internautas junto ao trailer do longa. “Eu me apaixonei pelo trailer. Estou chamando todo mundo para assistir hoje. A expectativa está grande. O pessoal do Laguna e dos bairros próximos está indo em peso para o cinema. É nossa história”, conta a auxiliar administrativa Rosilaine Rocha, 42.
Enquanto os diretores colavam o cartaz citado no início desta reportagem, os moradores passavam e avisavam que iam assistir ao filme. “Um cara parou o carro aqui, olhou para mim e reproduziu um diálogo do filme: ‘Cê chega na praça, mata o cara errado’. Isso foi incrível. A gente sempre quis popularizar as falas e os personagens e hoje estamos vendo isso acontecer”, diz Maurílio.
Netflix populariza produtora
Apesar de já terem filmes reconhecidos no cenário cinematográfico, os diretores Maurílio Martins e Gabriel Martins acreditam que “No Coração do Mundo”, que estreia hoje em BH, vai se tornar uma de suas produções com um público mais popular e maior.
Isso porque o longa anterior, lançado pela produtora da qual eles fazem parte, a Filmes de Plástico, acabou parando na Netflix – “Temporada” (2018), do diretor André Novais. “Quando o ‘Temporada’ vai para a Netflix, há um divisor de águas, porque a gente passa a atingir um público maior. Não fica restrito ao cinema de arte. As pessoas agora nos encontram e perguntam se somos da Filmes de Plástico que tem um filme na Netflix”, comenta Maurílio.
“No Coração do Mundo” foi gravado um ano antes de “Temporada”. “Acabou que ‘Temporada’ ficou pronto primeiro por uma série de questões, de edição, produção e etc., mas fez um bem danado essa mudança. Mesmo com dez anos de produtora, tem muita gente nos conhecendo agora. Com o filme na Netflix, esse reconhecimento vai aumentar”, crê Gabriel.
Parceria. Foi também com “No Coração do Mundo” que a Filmes de Plástico iniciou a parceria com a atriz Grace Passô. “Nós sempre admiramosa Grace e achamos ela uma atriz incrível. Quando estávamos decidindo o elenco, um amigo nos atentou para chamarmos ela. Quando a Grace topou, foi incrível”, considera Gabriel. A atriz representa uma das cenas mais impactantes do longa, quando explica o que significa a frase que dá nome ao filme. É por meio da emblemática personagem que ela faz, Selma, que se entende um pouco as buscas pelo ‘coração do mundo’.
Preço. Embora quase todos os assentos para a estreia do filme no Shopping Contagem estejam comprados, os diretores apontam um entrave para a popularização de suas obras: o preço do cinema. “No Brasil, as pessoas não têm o hábito de ir ao cinema. Em um país que o salário mínimo é tão baixo, ir ver um filme é um lazer caro.
Para a classe média o preço não é uma questão, mas, na periferia, as pessoas querem saber o preço do ingresso, o dia mais barato. Para elas, acaba sendo um sacrifício a ida”, pontua Maurílio.
Segundo ele, o filme ser exibido no Shopping Contagem, além de no Belas Artes, é de grande importância para o convencimento do público.
“O Shopping Contagem fica mais perto geograficamente para as pessoas do bairro Laguna e região (onde o filme foi gravado). Imagina ter que deslocar essas pessoas para BH e para um cinema de arte que elas nem conhecem? Seria difícil. A verdade é que ver esse movimento das pessoas irem ao cinema aqui, e nossa expectativa é que muita gente vá, é um privilégio”, conclui Maurílio.
Letra de Funk deu nome ao filme
“No Coração do Mundo” surgiu a partir das histórias de dois curtas feitos pelos diretores: “Contagem” e “Dona Sônia Pediu uma Arma para seu Vizinho Alcides”, de 2010 e 2011.
Os atores dos curtas voltam no longa, e a história é expandida.
A produção atual ganhou esse título por causa de uma fala do ator Leo Pyrata (o protagonista), que, durante uma cena de “Contagem” improvisou um diálogo, citando ‘no coração do mundo’ – frase que retirou de uma letra de funk. “O coração do mundo é um lugar para onde você quer fugir ou onde você quer estar. Isso é mostrado ao longo do filme. Os personagens estão nesta busca.”, explica o diretor Gabriel Martins.
Veja cinco coisas que os telespectadores devem ficar atentos no filme, segundo os diretores:
1- Trilha sonora: Boa parte da trilha sonora do filme é original. A banda Pêlos se juntou com o diretor Gabriel Martins para fazer um som especial para o longa. A trilha será lançada em forma de coletânea posteriormente.
2- Créditos: Os créditos acabaram ficando um filme a parte e foram filmados quase um ano depois do longa ser rodado. Com a trilha da música ‘BH é o Texas’, do MC Papo, são cerca de dois minutos com várias cenas do bairro Laguna. “Foi uma celebração aos moradores do bairro que fizeram parte do ‘No Coração do Mundo’”, diz Maurílio.
3- Os diálogos o filme: É um filme muito falado e que, para além do roteiro, teve uma contribuição muito grande do elenco. Algumas frases e gírias ficam na cabeça do telespectador.
4- Os atores: O filme tem a participação da Maria José Novais, “Dona Zezé”, mãe do diretor André Novais. É a última vez que ela aparece em um filme da produtora já que ela morreu em maio do ano passado. E também tem a última participação do cineasta Geraldo Veloso que também morreu no ano passado.
5- Plano sequência: O filme tem muitos planos longos que foi um desafio técnico para a produtora.