Eterna

Há 30 anos, 'Escolinha do Professor Raimundo' estreava programa solo na Globo

Elenco fala da importância do humorístico para a história da comédia e da televisão no Brasil e relembra bastidores

Por Ana Clara Brant
Publicado em 09 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Entre os 209 personagens criados ao longo de 60 anos de carreira, Chico Anysio (1931-2012) nunca titubeou quando era questionado sobre qual era o seu favorito: o Professor Raimundo, que, aliás, foi o primeiro. Não era raro ele falar sobre sua predileção nas entrevistas, como a que concedeu ao “Fantástico” em 2011.

 
“Sem dúvidas (o preferido) é o Professor Raimundo. Eu tenho até um certo respeito por ele”, declarou. “Eu tenho mais agradecimento ao professor Raimundo porque ele me abriu duas portas, foi o primeiro que eu fiz no rádio e o primeiro que eu fiz na televisão. Ele é um veículo através do qual eu trouxe muita gente para a TV”, destacou Chico para a Pró-TV, no ano 2000. 

O Professor, que tinha como bordões “E o salário, ó...” e “É vapt-vupt!”, nasceu em 1952 junto com sua “Escolinha”, idealizada pelo radialista e humorista Haroldo Barbosa para a rádio Mayrink Veiga. Cinco ano depois, a atração migrava para a televisão, como um quadro do programa “Noites Cariocas”, da extinta TV Rio. Durante 38 anos, a “Escolinha do Professor Raimundo” (“EPR”) foi um quadro comandado por Chico Anysio em diversos humorísticos. E, finalmente, em agosto de 1990, há 30 anos, ela ganhou um programa independente na Globo e tornou-se um clássico da TV brasileira.  
 
Até hoje, a “Escolinha” é sinônimo de sucesso – seja nas reprises da versão original no Canal Viva ou na nova “Escolinha”, que acaba de estrear a sexta temporada e vai ao ar também no Viva e aos domingos na Globo.
 
“A ‘Escolinha’ era maravilhosa. Certamente foi um dos grandes programas de humor do Brasil, quiçá do mundo. Reuniu os principais nomes da comédia brasileira e sob o comando de um gênio que era o Chico Anysio. Não existe no planeta ninguém como ele”, ressalta Castrinho, que foi um dos primeiros alunos da “EPR” quando ela ainda era exibida na TV Rio, na década de 60. 

Naquela época, o formato era bem diferente do que conhecemos hoje. O professor Raimundo tinha apenas quatro alunos: Baltazar da Rocha (Walter D’Ávila), Aristides Barlavento (Vagareza), o Caipira (Antônio Carlos) e Alvim Serafim (vivido pelo então estreante Castrinho). Anos depois, quando o programa virou uma atração solo na Globo, o humorista carioca – que acaba de completar 80 primaveras – foi fazer parte novamente da animada turma com o personagem Geraldo.

 
“Ele era o estereótipo do ‘filho único’, com roupa feita pela mãe, acabava ridicularizado pelo professor Raimundo, porque vivia contando histórias de duplo sentido. Sempre travava uma disputa com ele, mas acabava sempre ganhando zero. Até hoje, mesmo depois de tanto tempo e tendo feito outros trabalhos, eu ainda saio na rua e as pessoas brincam com o meu bordão: ‘Geraaaaaaaldo!!!’”, destaca Castrinho, que chegou a interpretar outro aluno no programa, o “chinês” Máo Laluno.

“Imitação”
Os personagens de Castrinho não chegaram a estar presentes no remake do humorístico que estreou em 2015. No entanto, ele não lamenta e, apesar de salientar o talento dos novos alunos, vê o atual formato como uma “imitação”. “Ali são excelentes atores fazendo excelentes imitações. Na nossa época, havia mais criatividade. Tudo era criado pela gente ou pelo próprio Chico. Aliás, sem querer ser saudosista, mas, já sendo, antigamente havia mais romantismo no humor”, avalia Castrinho, que defende que o coletivo imperava antigamente.
 
“Um sempre ajudava, todo muito era generoso. E ninguém queria ser comediante para ficar rico; o objetivo sempre foi fazer as pessoas rirem. Hoje vejo muita gente de nariz em pé. Não estou falando do talento, mas da maneira de se comportar diante do talento”, analisa o comediante e ator, que atualmente é contratado da RecordTV, onde está há 16 anos atuando em novelas e minisséries. O artista está atualmente no ar na pele de Bento, no folhetim “Amor Sem Igual”, e deve estar no elenco da próxima trama da emissora, “Gênesis”.

Apesar de sentir falta do passado e dos colegas, sobretudo os da “Escolinha” – “Aquilo era um verdadeiro recreio. Sinto falta do pessoal, das brincadeiras” –, Castrinho não parou no tempo e agora “está se metendo com a internet”. “Estou ficando moderno (risos). Tenho perfil no Instagram (@castrinhoreal), tenho feito lives e, em breve, terei um canal no YouTube. A gente tem que ter planos sempre”, resume.

Amor e humor
Outro ícone dessa antológica turma é Orlando Drummond, o Seu Peru, que está com 101 anos e vendendo saúde. Há até pouco tempo, ainda fazia dublagens como do Scooby Doo e do Papai Smurf. Para o artista, tanto sucesso de seu personagem está numa fórmula simples: amor. “Acredito que o humor, em um mundo com tantos problemas, é um alento para os corações. Costumo dizer que a palavra mais próxima de ‘amor’ é ‘humor’. E o Peru é isso. Amor e humor. Talvez por isso as pessoas tenham um carinho tão grande pelo personagem e eu tenha essa gratidão tão grande por tudo isso. Graças a Deus!”, celebra.
 
Sobre a “Escolinha”, Orlando acredita que o humor leve da atração faz com que as pessoas se esqueçam de seus problemas enquanto assistem. “É um programa ao qual a família inteira assiste e ri. Acho que essa variedade de alcance é um dos motivos do sucesso. Sempre que posso assisto para matar a saudade dos amigos e relembrar as piadas. É muito gostoso”, pontua o comediante, que aprovou a nova versão. “Achei uma homenagem linda. Todos estão impecáveis. Sinto muito orgulho de fazer parte dessa história”, ressalta.


Talentos descobertos
A “Escolinha do Professor Raimundo” também contou com nomes que estavam despontando no humor, como foi o caso do mineiro Pedro Bismarck, intérprete do inesquecível Nerso da Capitinga. O personagem surgiu nos anos 80, durante o período em que o ator de Muriaé, cidade da Zona da Mata mineira, estava no Exército, mas era conhecido como Denílson. Ele nunca imaginou que sua despretensiosa criação ia ganhar os palcos e a televisão. “Eu sempre fui uma pessoa muito bem-humorada e adorava contar causos, piadas. Quando percebi, eu estava apresentando nos teatros, fazendo show, e aí o personagem foi ficando conhecido na região”, conta Pedro, que mora em um sítio nos arredores de Juiz de Fora.

No começo da década de 90, um vídeo de Denílson chamou a atenção de um produtor da Globo e acabou indo parar também nas vistas de Chico Anysio. Foi o humorista cearense, inclusive, que sugeriu rebatizar o personagem de Pedro. “Aí ele virou Nerso da Capitinga. Eu já era conhecido aqui na região, mas a repercussão passou de cem pra mil. Aparecer na TV, todo dia, na Globo. As pessoas até hoje têm um carinho enorme por ele, e tanto é que hoje meu show no palco é só com o Nerso. Vira e mexe alguém me chama de Nerso também (risos)”, comenta Pedro.
 
Para ele, o personagem caiu nas graças do público pelo seu jeito ingênuo e verdadeiro. “Ele tem um lado humano, de pureza, de ingenuidade, e as pessoas gostam de ouvir ele contando histórias. Pode ser a coisa mais boba do mundo, mas o Nerso acha aquilo a coisa mais interessante que existe e conta de um jeito que acaba ficando interessante mesmo”, observa. 

Pedro Bismarck de vez em quando dá uma espiada nas reprises da “Escolinha” antiga e também na nova versão – ele chegou a fazer uma participação no remake ao lado de Gui Santana, o “novo Nerso” – e acredita que o programa ainda prende a atenção porque tem um estilo infalível. “É até difícil explicar esse sucesso. Tudo passa na vida, mas a ‘Escolinha’, não. O modelo é único, e por isso dá resultados. É a mesma coisa com ‘A Praça É Nossa’. E reunindo os mestres do humor. Nossa, eu ficava sentado ali e olhava para um lado e estava o Rogério Cardoso (Rolando Lero), olhava para o outro e estava o Brandão Filho (Sandoval Quaresma), na minha frente estava o Antônio Carlos (Joselino Barbacena). Era só fera. Bons tempos”, recorda.

 
A respeito da nova versão, ele é só elogios para os dois atores que interpretaram Nerso na atualidade, o próprio Gui e Marco Luque, que agora está fazendo Patropi. “É uma bela homenagem. E uma satisfação muito grande saber que o personagem agrada a esse ponto de ser lembrado pela emissora, que me lançou e me tornou conhecido no país todo”, frisa. 


Afastado da televisão há alguns anos, Pedro Bismarck assegura que não sente falta, apesar de enfatizar a importância do veículo. “A televisão sempre me sobrecarregou demais. Correria pra gravar e ainda tinha os shows, a estrada. Vou fazer 60 anos em 2021, então não quero mais esse ritmo. Não tem essa necessidade. O personagem já se consolidou, o país todo já conhece. Eu gosto mais dos shows ao vivo que eu e meu empresário controlamos com mais facilidade e tranquilidade”, justifica.

DUAS PERGUNTAS DIRETORA CININHA DE PAULA

 

1 - A Escolinha do Professor Raimundo está completando 30 anos de estreia na TV e ainda é um sucesso, seja a versão antiga, em reprise no Viva, ou a nova, que acaba de estrear nova temporada. Qual o segredo do sucesso da EPR? 

O sucesso da Escolinha é único. O ambiente da escola, no geral, sempre vai estar no inconsciente coletivo de qualquer pessoa, independente de classe social ou econômica. A escola está presente na vida da gente de qualquer maneira. Então, acho que o sucesso está nesse universo tão rico, que nos traz riso, choro, e muitas emoções. A Escolinha é uma atração que não vai acabar nunca. Pode até sair de cartaz por um tempo ou voltar mais tarde, que fará o mesmo sucesso. Seja nesse formato ou em qualquer outro. 

2 - Você que esteve envolvida diretamente nos dois projetos (o original e o novo) o que eles trazem de semelhança e qual a principal diferença entre eles? 

A diferença é que são tempos e situações diferentes, em um contexto histórico do Brasil também diferente. Claro que a escolinha antiga não tinha os cuidados que hoje a gente tem de fazer uma piada que poderia ser interpretada como grosseira, ou então como politicamente incorreta. Acho que a diferença está basicamente na estrutura do texto. Com relação aos personagens, são os mesmos, porém em um contexto de homenagem com muito amor. Para mim, o grande sucesso é que a Escolinha do Professor Raimundo é feita com muito humor e amor.  

 
 

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