O Inhotim, em parceria com o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (Ipeafro), inaugura neste sábado (18), na Galeria Mata, a exposição “Terceiro Ato: Sortilégio”. A mostra apresenta a trajetória do artista visual Abdias Nascimento durante seu período de exílio, entre 1968 e 1981, evidenciando a difusão da arte negra brasileira no exterior. Após o regime militar tentar calar o movimento artístico liderado por Abdias Nascimento, um importante dramaturgo e pintor, ele desempenhou um papel político e social que estabeleceu uma mudança de paradigma para a reconstituição de uma ordem epistêmica africana, usando linguagem e símbolos das tradições afrodiaspóricas.
A exposição, que se concentra na produção de Abdias como pintor, é organizada em cinco núcleos temáticos: Símbolos rituais contemporâneos; Nova York: início do exílio; Professor universitário; Artistas afrobrasileiros; e Orixás: concepção da vida e filosofia do universo.
Diretora artística do Instituto Inhotim, Julieta González destaca que “Terceiro Ato: Sortilégio” é a penúltima fase da série de mostras que abordam vida e obra de Abdias Nascimento. O projeto iniciou-se em 2021 com o intuito de disponibilizar o acervo do Ipeafro em ações que ocorreriam ao longo de dois anos. A última etapa, prevista para setembro, será realizada sob o signo de Xangô, Orixá da justiça, e se concentrará na atuação política do artista.
A atual exposição, por sua vez, tem como foco Exu, Orixá da comunicação e guardião dos caminhos, presente nas obras de Abdias. O curador Douglas de Freitas destaca que o artista concebe os Orixás, os símbolos ritualísticos e a linguagem ancestral como elementos que conectam o panafricanismo, resgatando o sentido do Candomblé como uma concepção de vida e filosofia do universo.
Força coletiva
Lembrando que o Museu de Arte Negra foi concebido por Abdias a partir de uma vocação coletivista, se constituindo a partir do trabalho de pessoas que cruzaram a vida do artista, Douglas Freitas lembra que parte das obras expostas na mostra é de outros expoentes das artes brasileiras que marcavam presença na cena artística estrangeira, principalmente nos Estados Unidos, em Nova York, no mesmo período em que Abdias Nascimento esteve no país, interagindo com sua paisagem e entorno.
Ao todo, a exposição apresenta mais de 180 obras de diferentes linguagens, como pinturas, desenhos, fotografias e esculturas. Além dos trabalhos de Abdias Nascimento, outros artistas integram a mostra, como Mestre Didi, Rubem Valentim, Melvin Edwards, Regina Vater, Manuel Messias, Emanoel Araujo, Hélio Oiticica, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Iara Rosa, Romare Bearden e LeRoy Clarke, além de livros e documentos de pesquisa de Abdias sobre o Candomblé e os Orixás.
A sala de vídeo exibe o documentário “Exu Rei – Abdias Nascimento” (2017), de Bárbara Vento, que destaca as características de grande expressividade e comunicação de Abdias Nascimento, bem como seu dinamismo e ativismo, dialogando com o arquétipo de Exu como figura de transformação e sua influência na cultura negra e na arte brasileira.
Potência transformadora
“É a primeira vez que, além do acervo do instituto, o Inhotim realiza uma exposição com acervo de outra instituição”, destaca Julieta González, para quem o trabalho de Abdias possui tamanha potência que, por onde passa, gera mudanças e transformações – e não seria diferente desta vez. Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias e co-fundadora do Ipeafro, concorda e afirma que “Abdias desafiou e desafia não só o cubo branco, mas também um conceito de museologia e um conceito de arte que extrapola a exposição e a instituição”. “Ele não considerava sua obra artística apenas como ‘arte pela arte’, como um museu para visitação de pessoas ricas. Considerava, sim, que tudo isso precisava ficar para o povo dele. E, agora, fazendo jus aos desejos de Abdias, queremos que os trabalhos artísticos dele e esse trabalho de memória sejam expostos em benefício de um povo que vem sendo oprimido, discriminado e alvo do racismo há séculos”, complementa.
Elisa defende que “Terceiro Ato: Sortilégio” traz ao público a oportunidade de revisitar a trajetória de um dos mais importantes artistas e intelectuais negros brasileiros, que dedicou sua vida a lutar contra o racismo e a valorizar as tradições culturais africanas e afrodiaspóricas, permitindo, ainda, conhecer outros artistas e pensadores que se dedicaram às mesmas causas e que contribuíram para a construção de uma estética e de uma filosofia negra no Brasil e no mundo.
Vale registrar: ao visitar a exposição, é sensível como as obras de Abdias Nascimento e dos outros artistas expostos dialogam entre si, formando uma rede de significados e referências que remetem à história e à cultura negras. O núcleo dedicado aos Orixás, por exemplo, apresenta obras que retratam não apenas as divindades africanas, mas também suas relações com a natureza e com os seres humanos, revelando uma visão de mundo que valoriza a interconexão entre todos os seres. A iniciativa também reafirma a importância do legado de Abdias Nascimento e de outros artistas negros que contribuíram para a construção de uma estética e de uma filosofia negra no Brasil e no mundo, valorizando as tradições afrodiaspóricas e promovendo uma reflexão crítica sobre as relações raciais e sociais no país e no mundo.